Manifesto da Aliança de Cozinheiros Slow Food
“Todas as cozinhas do mundo devem ter a mesma dignidade. É preciso resgatar e difundir os produtos locais e o conhecimento de como prepará-los: conhecimento que corre o risco de desaparecer junto à biodiversidade que o inspirou; produtos suplantados por alimentos impostos pela indústria alimentar, por uma agricultura intensiva, escrava da química e condicionada pelo mercado global. Esta é gastronomia libertada”.
Carlo Petrini
[EcoDebate] O movimento Slow Food representa uma associação entre a ética e o prazer da alimentação através da síntese de uma palavra, a “ecogastronomia”. O movimento busca restituir ao alimento, o que atribui como sua dignidade cultural e favorece a sensibilidade do gosto e luta pela preservação e uso sustentável da biodiversidade.
Também protege espécies vegetais e as raças animais, contribuindo com a defesa do meio ambiente, da cozinha típica regional, dos produtos saborosos e do prazer da alimentação.
O Slow Food preconiza o reconhecimento da importância do prazer e dos rituais sociológicos do ato de compartilhar alimentação. Propõe aprender a apreciar as receitas e sabores e reconhecer a variedade de lugares e pessoas cultivando e produzindo alimentos. Respeitando os ritmos das estações e da convivialidade.
O movimento liderado por Carlo Petrini e os membros do Slow Food propõe um novo senso de responsabilidade na busca do prazer. Demanda que todos têm o direito a este compartilhamento. O Slow Food chama este conceito de “Ecogastronomia”. É uma atitude que é capaz de combinar o respeito e o interesse na cultura enogastronômica, com o apoio para aqueles que lutam para defender os alimentos e a biodiversidade agrícola no mundo todo.
Existe a preocupação de vincular a biodiversidade com a cultura gastronômica, que cada vez mais se padroniza para atender interesses de uma indústria e uma forma de produção, que são globalizados, e que não respeitam as peculiaridades locais.
Dentro do princípio da “ecogastronomia”, o Slow Food apoia um novo modelo de agricultura, que é menos intensivo e mais saudável e sustentável, com base no conhecimento das comunidades locais. Este é o único tipo de agricultura capaz de oferecer formas de desenvolvimento para todas as regiões do planeta, principalmente as mais pobres.
Por esta razão o Slow Food está comprometido a salvaguardar alimentos, matéria-prima e métodos tradicionais de cultivo e transformação dos alimentos. Prioriza defender a biodiversidade de variedades sejam elas cultivadas ou selvagens, e proteger os locais de convívio que formam a herança cultural, patrimonial e existencial, devido ao seu valor histórico, artístico e social.
Considerando uma variedade de fruta ou um prato tradicional local, não é possível ignorar sua relação com a história, cultura e ambiente de onde se originou. Portanto, o Slow Food intressa a importância da produção agrícola para manter o equilíbrio de respeito e as trocas ecossistêmicas que propiciam sinergia entre os componentes e homeostase ambiental. O Slow Food sempre foi definido como um movimento de ecogastrônomos.
No ano de 2006, mais de 1.000 cozinheiros provenientes de 150 países se reuniram na cidade italiana de Turim, durante um evento denominado “Terra Madre”, para construir os fundamentos e alicerces de uma aliança solidária com produtores de alimentos de todo o mundo, se transformando em promotores de uma agricultura boa, limpa e justa.
Durante o evento, foi confirmado o papel fundamental dos cozinheiros na proteção da biodiversidade agroalimentar. Os cozinheiros são considerados os melhores intérpretes de sua paisagem e podem valorizar os produtos locais com sabedoria e criatividade, atribuindo o devido valor aos guardiões da biodiversidade.
A rede Slow Food, a partir de então, realizou vários encontros em vários países do mundo, partindo do entusiasmo despertado pelo encontro mundial das comunidades do alimento no “Terra Madre” e promovendo o encontro e a troca entre cozinheiros e produtores de alimentos locais.
Em 2009, o Slow Food Itália lançou o projeto de aliança entre os cozinheiros e as denominadas Fortalezas Slow Food, com o objetivo de divulgar e promover as Fortalezas, mas também de envolver o mundo da gastronomia na batalha pela defesa da biodiversidade, estimulando os cozinheiros a estabelecer uma relação direta com os produtores regionais e locais de alimentos.
A rede italiana de cozinheiros, produtores e a associação Slow Food se reuniram na Itália, no Parque Regional da Maremma, na Toscana, em abril de 2012, realizando um aprimoramento de objetivos, indo além dos problemas logísticos ligados à busca de produtos.
Foram abordadas questões relativas ao futuro da gastronomia, ao papel dos cozinheiros no futuro da agricultura e da pesca e possíveis formas de colaboração mais ativas com todos os produtores locais que preservam a biodiversidade no planeta.
Durante 2012, a aliança conseguiu adesões na Holanda e no Marrocos, e recebeu a solicitação de associações locais do Canadá, República Tcheca, Áustria, Suíça, França e México para iniciar o projeto.
Durante o Conselho Internacional do Slow Food, em Istambul, em 15 de junho de 2013, a assembleia estabeleceu que o projeto da aliança entre cozinheiros, fortalezas e produtores locais é um projeto estratégico para a associação internacional Slow Food.
As comunidades do alimento chamadas “Terra Madre” representam um conceito novo. A comunidade do alimento é constituída por todos os sujeitos que operam no setor agroalimentar, da produção de matérias-primas à promoção de produtos acabados, e que se caracterizam pela qualidade e a sustentabilidade das suas produções. A comunidade do alimento está intimamente ligada ao próprio território do ponto de vista histórico, social, econômico e cultural.
Quando agregadas por território de “origem comum”, as comunidades podem produzir vários produtos, até diferentes entre si, mas todos ligados a uma área geográfica delimitada ou a uma etnia indígena;
A comunidade é caracterizada por um “produto”, e quando todos os agricultores ou criadores, transformadores e distribuidores que contribuem na produção de um determinado produto proveniente de um território específico.
Os produtos das comunidades são elaborados em quantidade limitada por unidades de produção familiares ou de processamentos artesanais e de pequeno porte. O produto ou os produtos das comunidades se distinguem acima de tudo pela sua qualidade e geram o que se denomina em italiano de ”denominacione de origine controlatta”.
Os produtos são considerados “organolépticos” quando ressaltam qualidades de sabor, textura, cor ou odor, fundamentalmente sensoriais. São considerados “ambientais” quando representam produtos naturais e sustentáveis e “sociais” quando os produtores recebem uma retribuição considerada justa e nas comunidades em que exercem seu trabalho não se praticam discriminações de qualquer espécie, nem se recorre ao trabalho infantil.
Se poderia exercer exaustiva descrição, mas um manifesto final do movimento sintetiza suas finalidades:
“Uma Comunidade do Alimento é uma entidade fisicamente identificável, que tem valores, interesses e propósitos comuns e que está engajada através da proteção das sementes, colheita, produção, cultivo, pesca, processamento de alimentos, distribuição de alimentos, marketing, educação e outras atividades ecogastronômicas, trazendo produtos artesanais produzidos em pequena escala para os consumidores.”
Carlo Petrini, Presidente Internacional do Slow Food.
Ocorre saudar a iniciativa. Movimentos informais e voluntários conseguem muitas vezes resultados inauditos e inesperados. Como as normatizações ambientais que criam redes de interesses comuns, respeitadas voluntariamente por todas as partes interessadas e propiciam grandes avanços coletivos.
Referências:
http://slowfoodbrasil.com/comunidades-do-alimento
http://www.slowfoodbrasil.com/alianca-de-cozinheiros
http://www.slowfoodbrasil.com/slowfood/ecogastronomia
Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em G
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