- 24/09/2017 10h21
- Brasília
Helena Martins – Repórter da Agência Brasil
Mergulhadores
de escolas de mergulho do DF participam de ação de limpeza do Lago
Paranoá. Projeto prevê compartilhamento de imagens e vídeos do que for
encontrado em cada local
Vestígios
da vida de operários que ajudaram a construir Brasília, objetos que
fizeram parte do passado, espécies diversas. Parte da história, da fauna
e da flora da capital federal ocultadas desde que as águas do Rio
Paranoá correram pelo vale que acabou se transformando no Lago Paranoá,
um dos locais mais conhecidos da cidade, poderá ser conhecida por toda a
população a partir de outubro, quando imagens subaquáticas da parte do
cerrado coberta pela água ganharem a internet.
A
divulgação dos registros submersos faz parte do Projeto de Mapeamento
Georreferenciado do Lago Paranoá. Idealizado pelo mergulhador Frank
Bastos, a iniciativa consiste em um sitecolaborativo, que
receberá dos mergulhadores vídeos e informações o que for encontrado em
cada local. As descobertas serão checadas por outra pessoa, que navegará
pela região. Depois dessa verificação, as informações se tornarão
acessíveis ao público.
Frank
conta que a ideia de registrar o que existe no lago veio da percepção
de mudanças e da vontade de contribuir para a conscientização da
população. Dono de uma escola de mergulho que promove aulas no local aos
fins de semana, ele diz que vinha notando migrações e extinções de
espécies de peixes e outros animais, bem como encontrando bastante lixo,
inclusive objetos inusitados como banco de cimento e até um orelhão
telefônico. Mapeando e registrando o Lago Paranoá e sua riqueza, ele
espera sensibilizar a população para que cuide do local e também
valorize a história da cidade. Além disso, o projeto objetiva estimular a
preservação ambiental.
“Mergulhando,
nós descobrimos, por exemplo, pontos de reprodução de espécies de
peixes, exatamente em áreas destinadas ao turismo e à pesca pelo plano
de manejo do lago. Por isso, acreditamos que o projeto pode ampliar a
proteção de determinados locais. Sem informação científica, o próprio
governo errou ao mapear o lago”, diz Bastos.
Criador
do projeto de Mapeamento Geo-referenciado do Lago Paranoá, Frank Bastos
diz que levantamento contribuirá para discussão do uso do lago
Segundo
ele, o projeto também resultará no mapeamento das espécies, com a
elaboração de um catálogo específico da vida encontrada no lago que
deverá auxiliar pesquisas e discussões sobre os usos do lago. Para que
tudo isso seja alcançado, Bastos espera que historiadores e biólogos se
somem à iniciativa, que até agora agrega diferentes escolas de mergulho
da capital.
Restos
de casas, fazendas, estátuas, carros, ônibus e até um cânion são
exemplos do que já foi encontrado e filmado pelos mergulhadores. Parte
desses objetos estava a 15 metros abaixo da água, mas há áreas do lago
com 40 metros de profundidade, que exigem diversos mergulhos para serem
registradas. Alguns dos vestígios são conhecidos do público, pois foram
registrados pelo repórter fotográfico Beto Barata, autor do livro Brasília Submersa – o Fundo do Lago Paranoá,
de 2010. A novidade do projeto de georreferenciamento é a utilização de
vídeos, bem como a elaboração colaborativa das informações.
Vila submersa
“Nós
não temos objetivo comercial, não colocamos marcas para que todas as
pessoas possam se envolver, mas um resultado provável é o aumento do
turismo”, comenta Bastos. Com a divulgação das imagens, outras pessoas
devem aprender a mergulhar para fazerem parte da iniciativa. Neste fim
de semana, 18 mergulhadores devem submergir na área da Vila Amaury.
Parte do grupo conhecerá o lugar pela primeira vez e passará a ajudar no
mapeamento da região rica em história.
A
vila abrigava cerca de 16 mil candangos que trabalhavam para erguer a
cidade e suas famílias e foram transferidos para Sobradinho, cidade
próxima a Brasília, após o lago encher. Lá, eles devem encontrar partes
dos barracos e utensílios domésticos. Conforme a professora do Centro de
Excelência em Turismo (CET), da Universidade de Brasília (UnB), quando
as comportas se abriram e levaram à inundação do local, “as pessoas
queriam salvar a si próprias, por isso deixaram muitas coisas lá, como
documentos, brinquedos”.
Autora do livro Uma Cidade Encantada – Memórias da Vila Amaury em Brasília, que também está disponível na internet,
Ivany Neiva conta que o registro oficial nunca valorizou essa história.
“Tem muita gente que olha para o lago e, só pensando em um
cartão-postal de Brasília, não lembra que lá moraram operários e suas
famílias quando as águas chegaram”, diz.
Plano antigo
A
concepção do Lago Paranoá remonta ao fim do século 19. Em relatório de
1896, o paisagista do Império Luís Glaziou anotou que, na localidade
entre os chapadões Gama e Paranoá, existia um vale “em parte sujeita a
ser coberta pelas águas da estação chuvosa; outrora era um lago devido à
junção de diferentes cursos de água formando o rio Paranoá”. Por isso,
para ele, era “fácil compreender que, fechando essa brecha com uma obra
de arte […] forçosamente a água tornará ao seu lugar primitivo e formará
um lago navegável em todos os sentidos”.
Em
1948, a Comissão de Estudos para a localização da Nova Capital do
Brasil, presidida pelo general Poli Coelho, referendou os estudos da
Comissão Cruls, segundo o Instituto Histórico e Geográfico do Distrito
Federal. A ideia foi retomada na construção de Brasília. Várias
dificuldades atrasaram seguidas vezes a obra, que acabou sendo efetivada
no início dos anos 1960. Segundo o instituto, “durante oito meses as
águas avançavam mansas, lentamente, por sobre as terras secas e
coloridas do cerrado. Terras inundadas”.
Durante
a construção de Brasília, o presidente Juscelino Kubitschek teve de
enfrentar não apenas problemas com as empresas responsáveis pela obra do
lago e seguidos adiamentos do prazo de entrega, mas também a crença de
críticos que afirmaram que, por ter um terreno poroso, o lago nunca
encheria. Diante da concretização da “moldura líquida da cidade” que
ajudou a erguer, como ele chamou, o presidente declarou: “Encheu, viu?”.
Parte dessa história foi contada pelo próprio Juscelino no livro Por Que Construí Brasília?
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