Procurador da República
Procurador com atuação na área ambiental alerta: legislação é flexibilizada desde 2010, e o simples debate sobre a redução de áreas protegidas provoca corrida pelo desmatamento. ‘É preciso interromper qualquer discussão’
Responsável pelo acordo que obrigou frigoríficos a fiscalizar pecuaristas e estabeleceu uma série de exigências para a criação de gado — apontado como um fator que permitiu redução de áreas desmatadas na Amazônia Legal nos últimos anos —, o procurador da República Daniel Azeredo diz que a especulação sobre terras na Amazônia, como o anúncio do fim da Reserva Nacional de Cobre e seus Associados (Renca), é um convite à destruição da floresta.
Qual é o cenário atual da proteção da Amazônia?
Temos, desde 2010, um desmonte completo de qualquer política para a Amazônia. Tivemos, no período anterior, a criação e a expansão de unidades de conservação, a demarcação de terras indígenas, quilombolas, populações tradicionais, e tudo isso ajuda a proteção da floresta. Houve um desmantelamento e, em 2016, uma redução muito forte no orçamento do Ibama para combater o desmatamento. Paradoxalmente, a gente teve, de 2009 para cá, os menores índices de desmatamento da História (em função do acordo de fiscalização). Saímos de um número superior a 13 mil km² em 2008. Em 2009, pela primeira vez, ficou abaixo dos 10 mil km². Em 2012, ficou abaixo de 5 mil km², que era um número extraordinário. O que o MPF (Ministério Público Federal) alertou desde 2012 é que só o “TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) da Carne” (que obrigou frigoríficos a fiscalizar pecuaristas) não seria suficiente, fosse para continuar a queda, fosse para manter aquele patamar alcançado. Porque o risco de recaída é muito grande. E isso ocorreu: o que a gente vê de 2013 até 2016 é aumento sucessivo no desmatamento.
A flexibilização da legislação ambiental está se aprofundando?
Continua desde 2010. O movimento tem duas frentes. A primeira é não aprovar novas medidas de proteção ambiental. Há um freio na criação de dispositivos para a região. E, por outro lado, você tem um enfraquecimento (da legislação). O novo Código Florestal foi um golpe forte. O governo atual já enviou projetos de redução de unidades de conservação na região. Tem o ato de extinção da Renca, que traz uma fragilidade enorme. Tem a discussão sobre a fragilização do procedimento de licenciamento. Tem Belo Monte, que causou um desmatamento indireto. Então, de um lado há um instrumento forte e eficaz, que é o “TAC da Carne”, mas, de outro lado, há uma série de ações do governo federal desde 2010 enfraquecendo a proteção como um todo da região.
Quais medidas poderiam segurar este retrocesso?
Primeiro, interromper qualquer discussão de diminuição de área protegida na Amazônia. Isso gera um efeito especulativo muito grande, porque estimula o desmatador. Todos que cometeram crime de desmatamento e grilagem de terra pública são beneficiados pelas medidas de redução. Toda vez que se tem a simples discussão, a simples expectativa de que uma área protegida vai ser diminuída, tem uma corrida pelo desmatamento. É o pensamento de que precisa desmatar logo para virar dono daquela área, porque o governo vai finalizar com uma regularização.
Com a informação sobre o fim da Renca, pode haver uma corrida pelo desmatamento?
Basta a simples comunicação. Temos estudos que mostram que quando você sinaliza que pretende reduzir a unidade de conservação, o desmatamento cresce. (A Floresta Nacional de) Jamanxin é exemplo disso. Durante anos, líderes políticos sinalizaram com a possibilidade de redução, e a população envolvida nunca respeitou a unidade de conservação, o que fez com que ela fosse uma das áreas mais desmatadas da região da Amazônia.
Há outras medidas em discussão que podem favorecer o desmatamento?
A aprovação da lei geral de licenciamento facilita muito (o desmatamento). Depois do acidente de Mariana, a gente deveria estar discutindo medidas para fortalecer o licenciamento, e o que é visto na prática é o contrário: projetos apresentados até agora nas comissões da Câmara dos Deputados fragilizam muito a proteção ambiental e aumentam o risco de novos acidentes. A gente também tem discussões sobre flexibilização do controle de agrotóxicos. Os números do Brasil já são preocupantes no campo do consumo (dos cidadãos).
A flexibilização da legislação ambiental contribui ou não para o aumento da violência?
Não é por acaso o que tem ocorrido no estado do Pará, as chacinas. Quando (o governo) sinaliza com medidas de fragilização da proteção ambiental — e geralmente a proteção ambiental está ligada às populações tradicionais, ribeirinhas, que vivem em harmonia com a floresta —, gera corrida pela especulação, porque tem grileiros, tem criminosos com a expectativa de que a área vai ser legalizada. Então eles avançam de maneira mais forte sobre onde tem madeira, onde tem floresta, com o objetivo de ocupar, desmatar e depois serem efetivados como proprietários.
Que outras medidas precisam ser tomadas para manter a proteção de áreas verdes?
Precisamos ter uma declaração de inconstitucionalidade da Medida Provisória 759, que permite a regularização de áreas griladas no país, inclusive na Amazônia. Precisamos voltar a ter titulação de áreas onde temos população tradicionais. Vários estudos mostram que as áreas ocupadas por essas pessoas permanecem protegidas. Precisamos criar novas unidades de conservação. Também é necessário investir em produtividade: é possível duplicar a produção de grãos na Amazônia sem avançar sobre a floresta. Já há tecnologia para isso, basta investimento e incentivo público e privado para que a expansão da produção na região não seja feita sobre a floresta. E precisamos avançar na transparência sobre a origem da carne e na produção de grãos. Precisamos tirar do mercado aquilo que é produzido com desmatamento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário