terça-feira, 4 de setembro de 2018
A misteriosa nuvem que matou milhares de pessoas e animais em Camarões
“Na manhã seguinte vi que tinha gente jogada na rua. Alguns, mortos”,
relatou a testemunha. “No nosso povoado perdemos muitos, umas 75
pessoas”.
O número total, no entanto, foi bem mais alto: nesse dia, 1.746 pessoas
morreram depois de inalar gases tóxicos que vinham de um lago vulcânico,
além de 3,5 mil cabeças de gado.
Todas as vítimas se distribuíam em povoados ao redor do lago Nyos, próximo à fronteira do país com a Nigéria.
O desastre foi tão grave que o presidente do país chegou a pedir ajuda internacional.
A investigação
Investigações científicas foram feitas durante várias semanas para descobrir o que havia ocorrido.
Foram chamados especialistas de todo o mundo para ajudar a desvendar o
mistério. Um deles era o médico britânico Peter Baxter, que chegou à
região cerca de duas semanas depois da tragédia.
Sobreviventes de Nyos
As vítimas moravam em povoados perto do lago Nyos, próximo à fronteira de Camarões com a Nigéria
“Ainda tinha corpos de pessoas e bichos espalhados pelas colinas. Quando
chegamos no povoado de Nyos, que tinha pequenas casas de barro, o
silêncio era total, não havia sinais de vida”, contou Baxter ao programa
Witness, da BBC.
“E quando nos aproximamos do lago Nyos, ao qual se alcançava subindo uma
pequena colina, vimos que suas águas estavam calmas, mas havia plantas e
peixes mortos na superfície e nas margens.”
“A única vida que víamos eram as rãs, que são muito resistentes e
pareciam continuar se desenvolvendo naquelas águas”, afirma o médico.
George Kling, professor da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, também foi convidado para ajudar na investigação.
“Quando chegamos ao lago Nyos, a cena era de dar frio na espinha. Todas as pessoas e todos os bichos estavam mortos”, conta.
“Predominava um silêncio, mas todas as construções estavam de pé, não
parecia que tinha havido um furacão, uma inundação ou algo do tipo.”
Lago Nyos
O Nyos é um lago vulcânico localizado em uma parte remota de Camarões, no oeste da África
“Vimos uma cena de destruição. Antes do desastre, o lago era um lugar
muito bonito, com águas cristalinas, azuis. Um ano antes estávamos
nadando no lago, mas agora tudo estava diferente”, continua Kling.
“A água da superfície tinha uma cor marrom-avermelhada, havia muitas
plantas flutuando. Essa vegetação vinha das margens, onde as ondas
enormes haviam feito um estrago, destruindo toda a vegetação”, lembra o
professor.
Mistério
As evidências físicas indicavam que uma onda de uns 40 metros de altura
tinha se formado em consequência de uma alteração na profundidade do
lago.
Mas era um mistério o que havia provocado a mudança – e o que havia causado a morte de centenas de moradores da região.
Lago Nyos
Após a liberação dos gases, a água da superfície ficou com uma cor marrom-avermelhada
Havia, contudo, um suspeito.
“As informações que vinham da região diziam que havia ocorrido uma
erupção vulcânica, e que gases vulcânicos tinham sido liberados. Mas
havia algo estranho nisso”, diz Baxter. “Porque não houve uma explosão
grande causada por uma erupção, ou a devastação que um evento desse tipo
teria provocado”, explica.
“Estávamos diante de uma situação em que muitas pessoas tinham morrido,
mas havia poucos danos ao terreno e às construções nas quais elas
moravam”, acrescenta.
‘Cheiro de ovo podre’
Uma das testemunhas lembra: “Eu quase morri, mas aí decidi beber azeite.
Logo depois vomitei algo negro, que fedia a algo como ovo ou pólvora.”
Foram esses cheiros que deram aos cientistas um sinal do que estavam
procurando e que os levaram a achar que sabiam quem era o culpado:
dióxido de carbono, milhares de toneladas desse gás, que teria sido
liberado do fundo do lago e descido do vulcão até o vale mais abaixo.
Lago Nyos
Cientistas sabiam que não houvera uma explosão porque não havia devastação no entorno
De início, os cientistas pensaram se tratar de enxofre, que tem cheiro
desagradável característico e é produzido em grandes quantidades pelos
vulcões.
“Mas, quando fomos ao lago e começamos a analisar as amostras, vimos que
na água não tinha enxofre, nem nas plantas que rodeavam o lago e que
tinham sido expostas à nuvem de gás”, explica o professor Kling.
“Era muito difícil entender essas descobertas. Até que achamos
documentos antigos que falavam sobre pilotos de combate que haviam sido
expostos a uma alta concentração de C02”, acrescenta.
“O gás, em concentração de 5% a 10%, age como um alucinógeno. Um dos
relatos mais comuns dos pilotos era de que sentiam cheiro de ovo podre
ou pólvora e que sentiam o corpo muito quente”, diz o professor da
Universidade de Michigan.
Sobreviventes de Nyos
Não se sabe por que algumas pessoas morreram vítimas do gás tóxico, enquanto outras sobreviveram
Tudo indica que o dióxido de carbono ficou em formação no fundo do lago durante vários anos.
“Como o lago é muito estratificado, ou seja, é muito fundo, e as camadas
de cima não se misturam com as de baixo, o gás que se formou nas
camadas de baixo estava preso. Isso fez com que se acumulasse com muita
pressão”, explica George Kling.
Os cientistas dizem que o mesmo efeito se produz quando agitamos uma garrafa de champanhe e depois tiramos a rolha.
Os sobreviventes
Mas havia outro mistério: centenas de pessoas haviam morrido, mas
outras, apesar de terem sido expostas ao CO2 da mesma maneira,
sobreviveram.
Muitas delas eram crianças. Assim, surgiu a hipótese de que o gás
tivesse envolvido as casas durante a noite, enquanto os pequenos dormiam
do lado de dentro, mas seus pais ainda estavam do lado de fora.
Também se cogitou que as crianças poderiam ter ficado inconscientes mais
rápido e, assim, inspirado o gás de forma menos profunda.
Sobrevivente
‘Sobreviver ou morrer pelo gás foi sorte ou azar’, diz médico que esteve no local
“O gás te deixa inconsciente rapidamente, e os que sobreviveram sentiram
que ficaram inconscientes por muito tempo, mais de 10 horas, até
voltarem a si, literalmente até que o gás tivesse dissipado, quando
iniciava o dia e o sol começava a aquecer a terra. Mas é uma situação
muito incomum, uma história realmente extraordinária”, afirma Baxter.
A força-tarefa para investigar as causas do desastre não impediu que
surgissem teorias excêntricas para explicar o que tinha acontecido.
“Alguns locais começaram a dizer que países estrangeiros tinham usado
uma bomba secreta, que havia uma conspiração internacional de
cientistas. São ideias fantasiosas, que não têm credibilidade”, afirma.
Ainda não se sabe, contudo, o que provocou a liberação do gás mais de
três décadas atrás. Uma das hipóteses sugere que houve um deslizamento
de terras no fundo do lago.
O Nyos continua sendo uma ameaça potencial para as pessoas que moram na
região. Na tentativa de evitar uma tragédia como a de 1986, porém, foi
instalado um sistema de tubos para permitir que o gás carbônico, caso
seja expelido, seja desviado do fundo com segurança.
Fonte: BBC
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