sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Correio Braziliense – Índios serão ouvidos e a Amazônia, preservada / Entrevista / Tereza Cristina

Correio Braziliense – Índios serão ouvidos e a Amazônia, preservada / Entrevista / Tereza Cristina


Hamilton Ferrari
Dad Squarisi
Denise Rothenburg

Uma das duas mulheres que compõem a equipe ministerial do presidente Jair Bolsonaro, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, se diz empenhada em adotar novas práticas no setor para favorecer os produtores rurais, sobretudo os pequenos. Ela demonstra preocupação com a falta de recursos para o crédito agrícola, principalmente com o oficial. O orçamento apertado da União restringe as políticas de concessão de subsídios.

A ministra garante que vai facilitar o empreendimento dos agricultores e instituir o “autocontrole” nas indústrias fiscalizadas pela pasta: o empresário é responsável pela qualidade do produto e o Estado fiscaliza. Para Tereza Cristina, trata-se de mudança de paradigma. Segundo ela, o brasileiro parte do pressuposto de que o setor privado pratica ações irregulares. Precisa, por isso, da tutela do governo para manter-se na linha. Desvios, segundo a ministra, constituem exceção, não regra.

Ressaltou que a Amazônia será preservada, sem descartar a possibilidade de outras nações contribuírem para manter a floresta de pé. Ao longo da gestão, pretende conquistar novos parceiros comerciais e manter os já existentes — incluídos os países árabes que, com a hipótese da transferência da Embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém, poderão cobrar explicações na mesa de negociações.

Ex-presidente da Frente Parlamentar de Agricultura na Câmara dos Deputados, Tereza Cristina disse que, se necessário, se licencia do cargo para votar com o DEM, partido a que é filiada: “Voto em Rodrigo Maia para a Presidência da Câmara”. A ministra da Agricultura concedeu entrevista para o Correio, em casa.


Como está a questão da falta de dinheiro para o crédito agrícola?
O orçamento está cada vez mais apertado. O volume de recursos se mantém, mas a agricultura cresceu mais que o crédito oficial. Temos de achar uma saída.

Qual seria ela?
Temos de trabalhar melhor o seguro rural para termos uma base que atenda mais produtores. Começamos as discussões agora no governo, mas vínhamos falando disso na Frente Parlamentar (de Agricultura). Vamos ter que achar outras ferramentas de crédito no mercado. Hoje, se os juros no Brasil caem, fica mais fácil para o produtor tomar um crédito que não seja muito mais caro do que o oficial e não seja tão burocrático. Aliás, isso já acontece. Onde é que o grande produtor toma recursos, já que tem uma limitação por CPF para a tomada do crédito oficial? Ele vai ao mercado. E quem são os grandes emprestadores? São as traders — investidor do mercado financeiro que busca ganhar dinheiro com operações de curto prazo. Esse dinheiro é caro, porque é dólar e mais alguma coisa. O grande produtor vai ter que trabalhar mais com esse tipo de crédito. Agora, nós temos o pequeno e o médio. Uma rodada de negociações está agendada para a semana que vem com o novo vice-presidente do Banco do Brasil (Ivandré Montiel da Silva). O assunto é importantíssimo e a indefinição causa instabilidade.

Os presidentes dos bancos públicos disseram, quando empossados, que se impunha reduzir subsídios para conseguir fechar as contas. Como é que fica o setor?

Não é bem um subsídio o que a agricultura tem. Nosso juro era tão alto que foi preciso o governo dar um juro menor. É ótimo emprestar para a agricultura, porque se trata de dinheiro de curtíssimo prazo. Mas, sem o seguro, os bancos resistem por causa do risco climático, o maior problema para o setor. Essa é uma variável que está na mão de São Pedro.

Há alguma proposta de abdicar do subsídio para ajudar no equilíbrio fiscal?
Não. A agricultura vai brigar até o último minuto. Os juros do Brasil são os mais altos do mundo. São taxas incompatíveis com a nossa inflação e outros indicadores econômicos. Nós precisamos conseguir um seguro diferente do que temos hoje — um seguro de renda porque, quando se perde a lavoura, não basta ter dinheiro para pagar o financiamento. Nos Estados Unidos, quando há um acidente climático, o produtor recebe um cheque em casa pelo correio do seguro de renda. Ele fica muito tranquilo, porque sabe que vai poder voltar a produzir, além de não criar esse ciclo de riqueza e pobreza existente na agricultura brasileira. O produtor vem empobrecendo e perdendo competitividade no Brasil. A infraestrutura é quase zero. Nós ainda escoamos a produção por uma matriz antieconômica. Mesmo assim, a nossa balança comercial vem sendo positiva nos últimos anos graças à agricultura. Não podemos perder a galinha dos ovos de ouro. Principalmente para o pequeno produtor rural. Ele não pode perder o crédito subsidiado enquanto não sair da condição engessada em que se encontra.

Em relações às exportações, o que a senhora tem a dizer?
Nós temos dois desafios. Um é a manutenção dos mercados existentes. Não podemos perder o que já conquistamos. Isso é uma das ações em que estamos trabalhando. A outra é a abertura de novas frentes. A negociação com a União Europeia e Mercosul estagnou. O protecionismo é um grande problema. Mas vamos avançar. A Europa é um mercado importante.

A senhora acha que a relação do governo Bolsonaro com o Mercosul ficou estremecida?
O governo deu uma endurecida, e precisava mesmo. Há momentos em que é necessário recuar para depois avançar, mas nunca dissemos que nós estaríamos fechados ao diálogo. Estamos conversando com embaixadores de vários países que têm comércio com o Brasil e querem intensificar as trocas, outros que querem abrir. Conversamos com autoridades dos Emirados Árabes. Eles importam 90% do alimento que consomem. O Brasil sempre vai ser um parceiro muito importante para quem precisa de alimentos.

Por falar em árabes, Houve algum estremecimento em relação ao comércio após o caso da mudança da embaixada brasileira em Israel?
Não. Houve uma preocupação, nenhum boicote. Os países árabes são grandes importadores de aves. Nós estamos sentando e conversando, mas acredito que tudo vai caminhar bem. Há um momento de ajuste no começo do novo governo. Nós ficamos 14 anos com outro direcionamento e, agora, este governo vai dar o tom de como fazer.

Uma das preocupações é a demarcação de terras indígenas. Como vai ser isso? Há um risco de revisão das áreas já demarcadas? Como ficarão os índios mais isolados?
A grande maioria dos mais isolados já tem as suas terras com abundância. Hoje, 13% do território nacional é terra indígena. Nós só usamos 9% para a agricultura. O grande problema não são os índios isolados, mas as áreas das cidades. Em São Paulo, por exemplo, o Vale do Anhangabaú é dos índios. Em Santa Catarina, o Morro dos Cavalos. Esse é o problema. O conflito é que já tem gente lá. Precisamos harmonizar isso para ter um entendimento legal. Hoje, tudo se judicializa. Precisamos de leis claras que definam o marco temporal para as demarcações.

Os índios serão ouvidos?
Com certeza. Eu tenho recebido muitas mensagens. Na Frente Parlamentar de Agricultura, conversei muito com os índios nos últimos três anos. É claro que há os radicalmente contra qualquer mudança. Há outros que querem ser ouvidos e dizem que querem falar diretamente, sem intermediários. No Incra, vamos ter departamentos para cuidar disso.

Nós vamos preservar a Amazônia ou haverá avanço do desmatamento?
Vejo uma grande preocupação principalmente dos militares, como o general Heleno e outros que conhecem a Amazônia. Eu nunca vi alguém falar que quer tirar. Há uma grande confusão proposital: que o ministério vai abrir a Amazônia para a agricultura. Não é verdade. Muito pelo contrário. Nós temos que ter uma discussão bem-feita, séria e técnica do que é Amazônia e do que é Amazônia Legal, que vai até a divisa com Mato Grosso do Sul. Essa extensão foi feita por causa da Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia), que é um programa de crédito. O estado queria ficar com os benefícios, assim como, no ano passado, passou no Congresso uma extensão de área para Minas Gerais sob o guarda-chuva da Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste). Isso tudo avançou pelos benefícios e não pelo bioma. Tem que ter muito cuidado nessas discussões. Ninguém vai abrir a Amazônia, mesmo porque produzir lá é muito complicado, pode desertificar a região. Temos terras de sobra para produzir fora da Amazônia e aumentar a produtividade.

O que mais será proposto pelo ministério? 
Outro tema polêmico de que vamos tratar é a questão do autocontrole, em que cada um faz o seu papel. Hoje, nós temos a indústria que cresceu muito. O governo não dá conta de ter fiscais em todos os lugares ao mesmo tempo, principalmente fixos. A proposta é dividir tarefas. Isso já se faz no mundo há algum tempo. É preciso ter um compromisso. A indústria precisa cumprir seu papel: o que ela prometer, vai ter que cumprir fielmente. Nós vamos ter que fiscalizar e auditar a qualidade do produto e o sistema. Agora, toda a parte de saúde pública, o ministério terá de fazer. Cada um cuida da sua caixinha. As indústrias que forem pegas contrariando o protocolo terão que ter sanções firmes, multa e fechamento, dependendo do grau da infração cometida. O governo tem hoje uma burocracia que trava, às vezes, a iniciativa privada. O autocontrole é para facilitar, mas não deixar cobrar.

A senhora é parlamentar. Como a senhora vai se posicionar na eleição para a Presidência da Câmara?
Todos os ministros que são parlamentares têm a obrigação de ajudar o governo porque é a nossa função. Antes de ser ministra, eu sou deputada federal. Eu estou ministra. Nós sabemos o que o governo pensa e quer. Não há nenhuma recomendação. Isso é um assunto do Legislativo. Eu, que sou do DEM, vou seguir a orientação do meu partido. Se precisar, vou sair do governo para tomar posse no meu segundo mandato por alguns dias e, com certeza, votar no Rodrigo Maia.

"Ninguém vai abrir a Amazônia, mesmo porque produzir lá é muito complicado, pode desertificar a região. Temos terras de sobra para produzir fora da Amazônia e aumentar a produtividade”

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