desmotivados
ELOISO ALVES DE MATOS
Denunciar que a educação vai mal é uma coisa, mas prestar um serviço de péssima qualidade é outra bem diferente
"A educação exige os maiores cuidados, porque influi sobre toda a vida."
(Sêneca)
(Sêneca)
Denunciar que a educação vai mal é uma coisa, mas prestar um serviço de péssima qualidade é outra coisa bem diferente e, lamentavelmente, esta tem sido a verdade mais contundente das práticas educacionais realizadas por muitos professores em sala de aula.
Evidentemente que todos nós queremos reconhecimento, almejamos ser respeitados profissionalmente, ter bons vencimentos, ser requisitados, admirados enquanto pessoa, marcar positivamente nossa geração e assim deixar um legado que as pessoas possam sentir orgulho de nós.
Este comportamento é inerente aos seres humanos e por isso percebemos todos os dias as pessoas trabalharem, estudarem para crescerem e adquirirem o seu sustento e conseguirem obter sucesso na vida profissional e pessoal.
Mas ultimamente uma parcela significativa da população tem ficado muito preocupada com alguns profissionais da educação que deveriam estar realizando um excelente trabalho, porém não conseguem.
Eles alegam que o principal problema é a falta das reais condições para desempenharem sua profissão com qualidade.
Obviamente que poderíamos destacar outras profissões que estão sem qualidade, mas a preocupação que temos com outros profissionais não é igual com a que temos com a educação por causa do protagonismo e centralidade que os educadores ocupam neste modelo de sociedade e desta forma amplia nosso interesse em falar e discutir sobre os profissionais que atuam nesta área.
A maioria dos professores infelizmente age como se a profissão deles fosse a pior do mundo e muitos ainda nem acreditam na educação e mesmo assim insistem e continuam "trabalhando" na área.
Alguns foram para burocracia, outros para os sindicatos e etc, mas sala de aula nem pensar.
Basta olharmos o grau de satisfação dos professores a partir de uma pesquisa encomendada pela Fundação Victor Civita ao IBGE; pois nela apenas 21% dos educadores das escolas públicas estavam satisfeitos com a sua profissão.
Isto nos revela uma situação dramática que 79% dos profissionais estão insatisfeitos, ou seja, a maioria conforme a pesquisa.
São dados alarmantes, mas profundamente reveladores no ano de 2010, no entanto, a impressão que temos é que não mudou muito o quadro até os dias atuais.
Na mesma pesquisa os professores afirmam que os alunos estão desmotivados com as aulas e por isso eles não se esforçam para realizarem um bom trabalho.
Desta forma o círculo que deveria ser virtuoso e função da aprendizagem e o crescimento, se torna vicioso e desgastante, pois professores insatisfeitos, alunos desmotivados e pais desinteressados, o resultado não será nada bom.
Nós temos clareza que educação precisa de ambiente agradável e condições favoráveis criadas por todos que fazem parte dela para que os resultados esperados sejam alcançados.
Evidentemente que no Brasil as condições não são ideais, o salário é ruim, a infraestrutura das escolas não são as melhores e adequadas, isto é de domínio público.
No entanto, um cenário que não é favorável não justifica a prestação de um serviço de péssima qualidade onde muitos professores, não preparam aula e "ministram" aulas sem planejamento, usam celulares em sala de aula, mas querem proibir os alunos, não cumprem os horários, mas querem exigir que os alunos cumpram.
A formação dos professores realizadas pelas universidades é inadequada, os professores faltam mais de 14% dos 200 (duzentos) dias letivosconforme dados do IBGE.
Isto sem falar nos atrasos e nas "enrolações" que ocorrem em sala de aula, sem contar ainda que os feriados que caem nas segundas-feiras e quintas-feiras são emendados todos a cada ano que passa.
Os professores demoram quando vão de uma sala de aula para outra nos intervalos, chegam atrasados quando do início das aulas, etc. Mesmo sabendo que eles têm mais de 60 dias de "férias".
Este é o cenário e o ambiente das escolas públicas que temos no Brasil. Isto sem falar na violência que é recorrente nas escolas.
Por estes motivos estou muito preocupado com a impossibilidade real que temos, e assim não cresceremos através da educação com esta má qualidade de professores que temos em um ambiente completamente desfavorável para qualquer profissão.
É bem verdade que a a maioria das escolas particulares tem outras características, por isso se destacam sempre nos exames nacionais que são realizados pelos órgãos oficiais do governo e ainda ocupam as melhores vagas nas IES.
Este relato e os dados estatísticos que estamos apresentando são de domínio público, por este motivo não é uma questão pessoal de crítica aos professores, gestores, sindicatos e burocratas, mas apenas uma sucinta descrição da realidade com o objetivo de nos alertar.
Dizer que a culpa é dos professores, dos pais, dos alunos, dos gestores e do governo não é o melhor caminho, ou seja, não será o suficiente para resolvermos o problema da educação em nosso País, mas sim cada um reavaliar suas praticas educacionais e seu comprometimento com os alunos.
Ao narrar de maneira minuciosa a realidade de nossas escolas a intenção principal é fazer um diagnóstico mais preciso sobre a real situação de nossa educação e assim repensarmos o que vamos fazer para mudar esta aviltante situação que estamos submetemos a nós mesmos, os nossos alunos e toda a sociedade.
Ultimamente a impressão que tenho é que aumentar o salário dos professores, colocar novas tecnologias nas escolas, etc, não será o suficiente para mudar esta realidade que estamos presenciando em nossas escolas no Brasil.
Com isto não estou dizendo que os professores não mereçam ser valorizados, mas enfatizando que eles estão desinteressa dos e são mal preparados para realizarem um trabalho de qualidade nas escolas com nossos alunos.
Os nossos professores ainda insistem em metodologias de ensino ultrapassadas, não tem interesse em se qualificarem e muito menos desenvolver as potencialidades, habilidades e talentos de seus alunos, pois o que ensinam não tem aplicabilidade para vida.
Os conteúdos que os professores aprendem nas instituições de ensino superior são anacrônicos e passam longe do dia a dia do que ocorre em uma escola, mesmo assim nossas IES insistem nas mesmas teorias do século XVI e metodologias que não atraem os nossos educadores, muitos menos os preparam para o que realmente ocorre no cotidiano de uma escola da periferia.
O sistema educacional brasileiro é algo semelhante com a história da romancista Mary Shelley, onde ela narra em sua obra Frankenstein ou Prometeu Moderno de 1818: "Nela o monstro deseja ardentemente ser amado, mas não é e por este motivo de não ter o sentimento desejado correspondido se tornou violento, agressivo e hostil, pois o seu criador o abandonou e o entregou à própria sorte".
Assim estamos fazendo com nossos alunos.
Infelizmente, falta dedicação dos pais aos filhos no acompanhamento das atividades escolares, os educadores não se dedicam como deveriam, por isso o desinteresse dos alunos pelos estudos aumenta a cada dia que passa.
Os professores deveriam amar mais a educação e todos os que fazem parte dela, pois sem este sentimento a educação não terá o sucesso e êxito almejado por todos nós.
Não podemos esperar mais as condições ideais chegarem para realizarmos um trabalho de qualidade, pois conforme Jean Paul Sartre: "O homem não é senão o seu projeto e só existe na medida que se realiza". Se somos educadores de verdade faremos o melhor mesmo em uma situação adversa, pois isto nos realiza.
Ou seja, nós nos realizamos se tivermos executando o que nos da prazer e faz-nos sentir bem. Isto sim é felicidade.
Pela relevância social de nossa profissão e a responsabilidade que temos com estes jovens e com o desenvolvimento de nosso País, não podemos esperar mais, mesmo que tenhamos certeza absoluta e estejamos todos convencidos que o professor deveria receber um ótimo salário e ser mais bem valorizado no Brasil.
O desafio que está posto para nós é o de ir além de nossos limites, pois precisamos acreditar em nossos alunos e olhar para eles com esperança e certeza que eles carregam dentro deles sonhos.
Precisamos dar voz a eles e valorizá-los oferecendo-lhes o melhor de nós como educadores; precisamos ajudá-los a construírem seus sonhos, suas histórias, seus objetivos e desenvolver seus talentos, habilidades e potencialidades a despeito das adversidades.
Os professores devem continuar com as manifestações a fim de conquistarem melhores condições de trabalho e salários mais dignos, no entanto, nada justifica este serviço de péssima qualidade que presenciamos nas escolas, ou seja, não termos compromisso com nossa profissão e com todos que estão envolvidos com ela, isto é lamentável.
Muitos se dizem educadores mas querem apenas ficar nos gabinetes e sindicatos dando ordens e criando leis para outros executarem, e dizem que estão defendendo os "interesses" da categoria e fazendo tudo para que a educação seja de qualidade.
É bem verdade que temos honrosas exceções que devemos valorizar.
Os pais, os professores, os alunos e todos envolvidos na educação deveriam reavaliar a postura que cada um está adotando, pois não adianta colocarmos a culpa nos outros porque a educação vai mal, pois ela é fruto daqueles que no passado não souberam fazê-la corretamente com qualidade e hoje estamos pagando um alto preço pelo modelo excludente e frágil que temos como herança dos que sempre estiveram no poder.
Por isso hoje, precisamos trocar o pneu da bicicleta com ela andando, porque não podemos esperar mais a fim de termos as condições adequadas para realizarmos um bom trabalho nas salas de aula.
Precisamos superar o descaso do governo, a indiferença dos pais, a falta de compromisso e insatisfação dos professores e o desinteresse dos alunos; se assim não fizermos não será possível alterar o fim do fracasso que nos espera e que irá ampliar cada vez mais.
Tenho plena convicção de que podemos mudar esta realidade se tomarmos uma decisão séria e sermos agentes ativos de nossa própria história, e não agirmos como se fôssemos apenas vítimas de um sistema que não temos condições de mudar, porque alguns não querem.
Devemos valorizar aqueles e aquelas que têm a coragem de defender os professores através da luta sindical, mas isto não será o suficiente se não existir compromisso daqueles que são os protagonistas desta profissão, que a fazem no seu dia dia a dia nas escolas em todos os cantos do Brasil nas salas de aula.
Está em nossas mãos definirmos se continuaremos como docentes insatisfeitos, com alunos desmotivados e pais indiferentes. Será qual o fim que nos espera?
Cada professor e pai tem condições de dar a resposta, pois o futuro e o ambiente que desejamos somos nós que construímos.