Brasil profundo
Três décadas depois de sua construção, o corredor de
Carajás continua sendo provedor de mão de obra barata para regiões mais
prósperas e grandes projetos amazônicos
por Envolverde
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publicado
03/03/2014 07:22
Mario Osava/IPS
Por Mario Osava, da IPS
De Alto Alegre do Pindaré e São Luís
A Ferrovia Carajás, considerada a mais eficiente do Brasil, mantém um serviço de passageiros que lhe causa perdas, para beneficiar a população. Porém, isso pouco alivia seu pecado original: nasceu para exportar minerais, cruzando uma região de pobreza crônica.
Três décadas depois de sua construção, o corredor de Carajás, por onde passa um terço do minério de ferro exportado pelo Brasil, continua sendo provedor de mão de obra barata para regiões mais prósperas e grandes projetos amazônicos, segundo a IPS constatou ao percorrer a área.
Terceira reportagem da serie 'Amazônia Pública', trabalho da Agência pública de Jornalismo Investigativo - nessa reportagem é relatado o trabalho da Vale, que em 2011 foi eleita pela ONG Public Eyes Awards, a pior empresa do mundo.
De Alto Alegre do Pindaré e São Luís
A Ferrovia Carajás, considerada a mais eficiente do Brasil, mantém um serviço de passageiros que lhe causa perdas, para beneficiar a população. Porém, isso pouco alivia seu pecado original: nasceu para exportar minerais, cruzando uma região de pobreza crônica.
Três décadas depois de sua construção, o corredor de Carajás, por onde passa um terço do minério de ferro exportado pelo Brasil, continua sendo provedor de mão de obra barata para regiões mais prósperas e grandes projetos amazônicos, segundo a IPS constatou ao percorrer a área.
Auzilândia, povoado de 12 mil habitantes e humildes casas dos dois lados dos trilhos, “fica vazia” ao final de cada ano, segundo Leide Diniz.
Seu marido foi, “pela segunda vez”, para o Estado de Santa Catarina, mais de três mil quilômetros ao sul, viajando três dias em ônibus. Deixou seus três filhos com ela em novembro, para trabalhar em um restaurante durante a temporada turística de verão. “Ganha e volta”, se conforma a mulher, porque “aqui não tem emprego”, explicou.
O Maranhão, por onde passam dois terços dos 892 quilômetros da Ferrovia Carajás, continua enviando trabalhadores para muitas regiões do país, em geral para tarefas temporárias ou precárias, como mineração de ouro artesanal na Amazônia ou corte de cana-de-açúcar.Uma corrente estabelecida há alguns anos leva para Santa Catarina a maioria dos trabalhadores errantes de Alto Alegre do Pindaré, município de 31 mil habitantes onde fica Auzilândia, no interior do Maranhão, Estado de transição do semiárido Nordeste do país para a Amazônia.
Também é a principal origem das vítimas da escravidão moderna, especialmente na pecuária e no carvão vegetal. Seu Índice de Desenvolvimento Humano está em penúltimo lugar entre os 27 Estados brasileiros, e sua renda por pessoa está em último.
A ampliação se estende ao porto de águas profundas Ponta da Madeira, em São Luís, capital maranhense, por onde é exportada a produção de Carajás, que compreende também manganês, cobre e outros minerais, e que converte a Vale na segunda empresa mundial do setor. O investimento exigido é de US$ 19,5 bilhões, a maior parte em logística.A Ferrovia Carajás e sua empresa concessionária, a transnacional brasileira da mineração Vale, terão uma nova oportunidade para ajudar o desenvolvimento local. Está em andamento a duplicação de seu traçado, até agora de via única, e da extração na Serra de Carajás, no Pará. A partir de 2018, serão extraídos 230 milhões de toneladas anuais do minério de mais alto teor de ferro do mercado mundial.
Em seu apogeu, a construção empregará 8.645 trabalhadores, segundo a Vale. Os empregos permanentes, quando entrar em operação a duplicação da ferrovia, serão 1.438 e a prioridade é contratar gente local, promete a empresa. Uma fraca alavanca para o desenvolvimento em um corredor tão extenso.
Um novo projeto de lei sobre mineração, que será aprovado este ano, forçará a que uma pequena parte desse dinheiro beneficie os municípios que sofrem os impactos diretos de sua atividade. Para garantir esse e outros recursos e aproveitá-los melhor, os 23 municípios do Maranhão pelos quais o trem passa se juntarão para coordenar suas ações e sua relação com a Vale.A ajuda mais significativa virá de investimentos sociais da empresa, cujo lucro está entre os maiores do Brasil.
Em uma comunidade pode-se adequar uma fábrica de farinha de mandioca, e em outra, fruticultura e sucos, citou como exemplo. A Vale, fundada pelo Estado em 1942 e privatizada em 1997, só apoia iniciativas em educação, saúde e geração de renda, detalhou Oliveira, pois é onde estão as maiores carências que travam o desenvolvimento local.A empresa fez um diagnóstico de interesses econômicos locais, com o desenho de “projetos para cada microrregião ao longo da ferrovia”, informou o diretor de Operações Logísticas da Vale, Zenaldo Oliveira.
Atualmente, com apenas uma via para os dois sentidos, 12 trens de carga ligam diariamente Carajás com São Luís.
Afirma-se que são os mais longos do mundo, com 330 vagões, quatro locomotivas e cada um carregado com mais de 30 mil toneladas de minerais, mais de cem milhões de toneladas por ano.
Os trens voltam carregados de combustíveis, fertilizantes e outros produtos de consumo no interior.
Os trens de passageiros, a preços subsidiados porque “a população local não pode pagar seu custo real”, é “um benefício social” de transporte barato e permanente em uma região onde as chuvas costumam fechar estradas, pontuou Oliveira.
Em suas 15 paradas, especialmente em Alto Alegre do Pindaré, uma multidão de vendedores, na maioria mulheres, se aproxima das janelas para oferecer água gelada e alimentos aos 360 mil passageiros anuais da ferrovia.
Esse precário sustento pode desaparecer com o novo projeto, porque os vagões terão ar-condicionado e suas janelas permanecerão fechadas. “Buscaremos soluções” antes da substituição, talvez organizando cooperativas de fornecedores, disse o diretor da Vale.
Em Alto Alegre opera há tempos a Cooperativa de Trabalhadores e Vendedores, cuja fundação a Vale apoiou e que chegou a vender comida na cantina do trem há dez anos, mas “por pouco tempo”, segundo sua diretora, Alice Cunegundes, de 58 anos e três filhos.
Depois a Cooperativa, que chegou a ter 93 sócias, fornecia até três mil refeições diárias à prefeitura, até que o atual prefeito, eleito em 2012, cancelou o acordo, “prejudicando a iniciativa”, lamentou.
Apoiar os empreendedores, melhorar escolas e capacitar milhares de operários são algumas das ações sociais e ambientais da Vale e de sua Fundação.
No entanto, “são projetos pontuais, que não incentivam o desenvolvimento efetivo do território”, ressaltou George Pereira, secretário-executivo da Associação Comunitária Itaqui-Bacanga, cuja fundação e sede, também “produtos de investimentos sociais da Vale”, servem aos 58 bairros em torno do porto Ponta da Madeira.
Em 2012, suas denúncias e as da Articulação Internacional dos Afetados pela Vale conseguiram atribuir à empresa o prêmio Olho Público, criado por organizações internacionais como Greenpeace para apontar as transnacionais que mais violam os direitos humanos e as normas ambientais, segundo milhares de votantes.Além disso, estão longe de compensar os danos à população do corredor de Carajás, segundo a Justiça sobre Trilhos, campanha de movimentos sociais e religiosos que defende direitos das populações afetadas pela ferrovia.
Acidentes fatais, contaminação com pó dos minerais e rachaduras nas casas próximas à via são alguns desses impactos. A ferrovia paga seus próprios pecados e os de sua parceira perfeita, a mineração de ferro.
Também faz parte do Programa Grande Carajás, um conjunto de empresas de mineração, aço, alumínio, celulose, pecuária e hidroeletricidade com que o governo pretendeu desenvolver a Amazônia oriental nos anos 1980.
Esse programa deixou desmatamento acelerado, contaminação letal onde se concentrou a indústria do ferro gusa, trabalho escravo e outras violências, enquanto o desenvolvimento humano pouco avançou, segundo as estatísticas.
Acidentes, apesar das medidas de segurança
Os avós trabalhavam na plantação, a mãe descascava arroz no pilão e o irmão mais velho cortava o cabelo. Ninguém se deu conta de que o menino de 15 meses cruzou o quintal engatinhando, atravessou o portão e chegou aos trilhos, a poucos metros de distância.
Assim contou Leidiane de Oliveira Conceição a tragédia que lhe tirou seu filho. “O trem da Vale para mim é só perda. O pior foi matar meu neto, mas também tive atropeladas 14 vacas prenhas de uma só vez”, acusou o avô, Evangelista da Silva, que também reclama uma indenização pela terra que a ferrovia ocupou.
Os trens da Vale são considerados os mais seguros do Brasil.
A segurança inclui cancelas eletrônicas, viadutos, campanhas de informação e rondas de 24 horas de vigilantes que retiram “mais de 80 pessoas por mês” de situações de risco, como bêbados e deficientes visuais, segundo Elmer Vinhote, supervisor do Centro de Controle de Operações da Ferrovia Carajás.
Os atropelamentos e choques caíram de 20, em 2009, para “três ou quatro” por ano atualmente, assegurou.
Mas os desastres e as disputas judiciais parecem inevitáveis. A mãe de Mario Farias morreu atropelada em 1996 e ainda não chegou a indenização.
Em Auzilândia, um idoso bêbado foi salvo pela “ronda” há alguns meses, segundo moradores locais. Dezenas de famílias se queixam de rachaduras em suas casas, devido à construção de um viaduto sobre os trilhos e pedem novas casas, mais longe, ou uma indenização.
Envolverde/IPS
O outro lado da historia
sexta-feira, 12 de abril de 2013
Por que a Vale foi eleita a pior empresa do mundo?
Terceira reportagem da serie 'Amazônia Pública', trabalho da Agência pública de Jornalismo Investigativo - nessa reportagem é relatado o trabalho da Vale, que em 2011 foi eleita pela ONG Public Eyes Awards, a pior empresa do mundo.
Entenda o motivo e veja como uma grande corporação faz para subverter alguns princípios e acabar com um ambiente.
Dez aconteceram na região de Carajás, bloqueando, pontes, estradas, e a ferrovia, para protestar contra os poluentes que vêm da mineração, o atraso em promessas de indenização e investimento em projetos sociais, mas também a falta de crédito agrícola, educação, saúde e de moradia para os despejados de terrenos públicos.
Desde 1982, a partir de uma exigência do Banco Mundial ao financiar as obras do projeto Grande Carajás, os índios passaram a celebrar acordos de indenização e assistência com a Vale, frequentemente cobrada pelo Ministério Público Federal por não cumpri-los.
Pixilinga, e a mulher Petronílha, na Vila Planalto em Canaã
Quando a Pública quis saber quantos empregados da Vale trabalham nas minas de ferro, cobre, níquel e outros metais, a resposta foi: “Nos estados do Pará e Maranhão trabalham 31 mil empregados (18,5 mil próprios e 12,5 mil terceiros permanentes), além de 22,6 mil terceiros em projetos”.
Assim como são diferentes as realidades entre os países, como mostra outro item do relatório, o das ações judiciais.
Ali figuram cinco ações trabalhistas no Brasil, entre elas duas em que o Ministério Público do Trabalho questiona condições de segurança em Minas Gerais e no Complexo de Tubarão. No ano passado, 11 trabalhadores da Vale morreram em acidentes de trabalho, sendo oito no Brasil.
Outra ação se refere ao pagamento de horas in itinere (gastas no deslocamento ao trabalho) aos empregados das minas de Carajás. De acordo com a Justiça de Trabalho de Parauapebas, em 2010, a empresa foi condenada a empresa a pagar R$ 100 milhões por danos morais coletivos e R$ 200 milhões por “dumping social”.
- Saiba mais -
- Vale destruirá milhares de cavernas na Amazônia
Abaixo o terceiro texto da série.
Por que a Vale foi eleita a pior empresa do mundo?
No
mesmo ano em que celebrou seu 70º aniversário, a mineradora também
recebeu um indesejado prêmio, proposto por movimenttos sociais da
Amazônia
Por Marina Amaral
Duas visões de mundo se confrontam no 16º andar do edifício localizado
no cruzamento da avenida Graça Aranha com a rua Santa Luzia, no centro
do Rio de Janeiro.
Desta vez, longe das câmaras de TV que meses antes
registraram, na mesma esquina, o congestionamento provocado pela
concentração de mais de duas mil pessoas que vieram da Cúpula dos Povos –
o encontro dos movimentos sociais paralelo à Rio+20 –, trazendo faixas
pedindo o veto da presidente Dilma Rousseff ao novo Código Florestal e a
paralisação das obras da hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, obra
emblemática do Plano de Aceleração de Crescimento (PAC) do governo
federal que se tornou causa mundial do ativismo ambientalista e de apoio
aos indígenas.
As fotografias estavam proibidas na reunião de 31 de outubro entre o
comitê da Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale e Murilo
Ferreira, o presidente da segunda maior mineradora do mundo, acompanhado
de seu staff: a diretora de Sustentabilidade e Energia, Vânia
Somavilla; Isis Pagy, diretora do Departamento de Relacionamento com as
Comunidades; mais três ou quatro assessores que não se apresentaram aos
visitantes.
A campanha do Public Eye Awards (Imagem: Divulgação) |
Foi um
desses assistentes que pôs fim ao suspense que se instalou no ambiente
quando a advogada Andressa Caldas, a última a falar pelo comitê,
estendeu o Public Eye Awards 2012 para o anfitrião, Murilo Ferreira, que
o deixou pairando no ar.
O funcionário apanhou o troféu das mãos da
representante da ONG Justiça Global e colocou discretamente embaixo da
mesa o símbolo conferido à “pior empresa do mundo” desde 2000 promovido
anualmente pelas ONGs Greenpeace e Declaração de Berna, com o objetivo
de expor violações ambientais e sociais das corporações internacionais.
Os 25 mil dos 88 mil votos totais obtidos na rede mundial foram
suficientes para ofuscar o logotipo verde-amarelo da Vale S/A, empresa
de capital aberto com acionistas brasileiros e estrangeiros que
receberam US$ 9 bilhões em dividendos no ano passado, provenientes de
suas atividades em 37 países.
E empanar o brilho do aniversário de 70
anos da empresa que se tornou símbolo de progresso para os brasileiros
desde que o presidente Getúlio Vargas criou a Companhia Vale do Rio Doce
S/A, nacionalizando a empresa de origem inglesa que extraía minério de
ferro em Itabira, Minas Gerais.
Murilo Ferreira, pós-graduado em finanças pela Fundação Getúlio Vargas e
especializado em administração e marketing, entrou na companhia em
1998, menos de um ano depois da privatização da Vale – também sob
protestos – pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.
Até hoje, 69 ações contestam a transação na Justiça.
Até hoje, 69 ações contestam a transação na Justiça.
Por isso, a reação do presidente ao prêmio surpreendeu o padre Dario
Bosso, que fazia parte do comitê. “Ele fez uma fala agressiva,
nacionalista, quase beirando a xenofobia.
Disse que não considerava
prêmios internacionais – ‘nem os que valorizam, nem os que criticam’ –
concedidos por organizações estrangeiras que ‘querem bloquear o
desenvolvimento do Brasil’, e que o prêmio tinha o claro intento de
denegrir a imagem da Vale e alimentar a concorrência estrangeira, depois
saiu da sala sem despedir de ninguém”, conta, com leve sotaque
italiano, o missionário comboniano, que há anos trabalha na defesa dos
direitos humanos no Maranhão.
Além do padre e de seu companheiro na Rede Justiça nos Trilhos, o
advogado Danilo Chammas, compunham o comitê o diretor da Sociedade
Paraense de Defesa de Direitos Humanos, Marco Polo Santana Leão, o
sindicalista Paulo Fier, do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias
Petroquímicas do Estado do Paraná (Sindiquímica-PR), outros
representantes do movimentos populares (Fórum de Carajás, central
sindical Conlutas, Movimento pelas Serras e Águas de Minas) e das ONGs
internacionais Pax Christi e Justiça Global.
O título de “pior empresa do mundo” contrasta, e muito, com a imagem que
a mineradora tem buscado projetar internacionalmente, nos últimos anos.
“A história da Vale é a história do Brasil verdadeiro, do Brasil
vitorioso”, enuncia no vídeo institucional “Nossa História” a voz de um
dos 150 funcionários de várias partes do mundo convocados a narrar, em
suas diversas línguas, a história da companhia brasileira que conquistou
o mundo, entremeada por cenas de futebol, concurso de miss e desfile de
escola de samba patrocinados pela Vale.
O filme, de 26 minutos, foi
feito para a empresa pela badalada produtora Conspiração Filmes e
conquistou recentemente o prêmio Golfinho de Ouro no 3º Cannes Corporate
Media & TV Awards.
Além de prêmios por sua comunicação institucional, a Vale tem
colecionado recordes de produção e faturamento. Desde 1974, é a maior
empresa exportadora de minério de ferro do mundo. Em 2004 se tornou a
líder das exportações brasileiras.
Em 2006, tornou-se a segunda maior
mineradora do mundo. Em 2010, alcançou a 19ª posição no ranking das
maiores corporações mundiais. Como entender, então, essa impopularidade
diante dos movimentos sociais da região onde atua, a ponto de arrebatar o
título de “pior empresa do mundo”?
Durante a reunião com os movimentos sociais, o presidente da Vale fez um
chiste: ele disse que poderia ter impedido esse resultado simplesmente
pedindo para uma parte das dezenas de milhares de funcionários da Vale
votarem na Tepco, a corporação responsável pela Usina Nuclear de
Fukushima, onde aconteceu, em 2011, o desastre nuclear mais grave das
últimas décadas em todo o mundo.
A empresa japonesa ficou em segundo
lugar na votação do Public Eye por uma diferença de 500 votos. Tarde
demais, o prêmio já foi entregue, ainda que Ferreira tenha se negado a
recebê-lo. Agora, falta entender o que significa.
É certo que a votação para o prêmio teve muito a ver com a participação
da empresa em Belo Monte, hidrelétrica em construção no rio Xingu, em
Altamira (PA), que tem ensejado ampla oposição de grupos ambientalistas e
de apoio aos povos indígenas em todo o mundo.
Apesar de ressaltar o
fato de não ter controle sobre o projeto, a Vale tem 9% de participação
no Consórcio Norte Energia, capitaneado pela Eletrobrás, e mantém grande
interesse na obra, já que provém de hidrelétricas 96% da energia que a
empresa consome no Brasil, o correspondente a 5,6% do consumo
residencial de todo o país.
A área onde atuam os grupos que indicaram a empresa ao prêmio, contudo,
fica a mais de 500 quilômetros do lugar onde está sendo construída a
usina, e a disputa dos movimentos sociais com a mineradora tem, muitas
vezes, raízes pouco conhecidas fora da região.
Ao percorrer, entre o
leste do Pará e o oeste do Maranhão, 2,4 mil quilômetros de estradas
esburacadas entre julho e agosto deste ano, a equipe de reportagem da
Pública encontrou um território em conflito em torno da Vale S/A.
Foi
desse chão que nasceu a indicação ao indesejado prêmio, feita pela Rede
Justiça nos Trilhos, sediada em Açailândia (MA), em nome dos Atingidos
pela Vale.
A articulação que se opõe à Vale, como se vê, tem tudo a ver com a
Estrada de Ferro Carajás (EFC).
Foi em 1984 que o último presidente da ditadura militar, João Figueiredo, inaugurou a ferrovia, ao presenciar a partida da primeira carga de minério de ferro no maior trem do mundo – hoje com 330 vagões em média – pela linha que segue das minas de Carajás, no Pará, até o Porto de Ponta Madeira, em Itaqui (MA), em 892 quilômetros de trilhos.
Foi em 1984 que o último presidente da ditadura militar, João Figueiredo, inaugurou a ferrovia, ao presenciar a partida da primeira carga de minério de ferro no maior trem do mundo – hoje com 330 vagões em média – pela linha que segue das minas de Carajás, no Pará, até o Porto de Ponta Madeira, em Itaqui (MA), em 892 quilômetros de trilhos.
Ali, um volume de minério de ferro de alto teor, com valor médio de US$
380 milhões por dia (valores de 2011), é embarcado nos navios para
abastecer os mercados internacionais.
“O minério de ferro de Carajás
construiu mais da metade de Xangai”, celebra mais uma voz anônima, de um
brasileiro, no filme premiado.
O valor embarcado diariamente já está devidamente dispensado de uma série de impostos, graças à Lei Kandir, vigente desde 1996.
O valor embarcado diariamente já está devidamente dispensado de uma série de impostos, graças à Lei Kandir, vigente desde 1996.
A China é o maior mercado do produto mais lucrativo da Vale e o que traz
maior saldo para a balança comercial brasileira, outro ponto de
convergência de interesses entre o governo e a empresa.
O projeto mais
importante da companhia – com previsão de US$ 19,4 bilhões de
investimento até 2016 – é a expansão da mineração na Província Mineral
de Carajás, que além de ricas jazidas de níquel, manganês, cobre tem as
maiores reservas do mundo minério de ferro de alto teor.
Curiosamente, o filme premiado da Vale traz apenas uma imagem de relance
da simbólica ferrovia, hoje uma concessão pública explorada e
administrada pela empresa. O Relatório de Sustentabilidade da Vale
registra 23 conflitos pelo uso da terra no mundo em 2011.
No Brasil,
foram 14 os considerados significativos por envolver “ocupação ou
bloqueio de acesso a unidade da Vale, com impacto nas operações e/ou
projetos e repercussão junto às comunidades e imprensa local”.
Dez aconteceram na região de Carajás, bloqueando, pontes, estradas, e a ferrovia, para protestar contra os poluentes que vêm da mineração, o atraso em promessas de indenização e investimento em projetos sociais, mas também a falta de crédito agrícola, educação, saúde e de moradia para os despejados de terrenos públicos.
Entre os episódios descritos pela companhia estão: em Canaã dos Carajás,
a PA-160, ficou sem acesso por uma noite e uma manhã, impedindo o
acesso à mina de cobre do Sossego.
Em Ourilândia do Norte, na Mineração
Onça Puma, lavradores bloquearam todos os acessos à mina de níquel
reivindicando indenização e remanejamento, além da conclusão de projetos
sociais oferecidos em contrapartida pela companhia.
No episódio mais
grave, manifestantes puseram fogo na ferrovia em protesto pelo
assassinato de um casal de líderes comunitários que denunciou a extração
ilegal de carvão teve repercussão mundial – a sobrinha do casal e seu
marido, ameaçados de morte, continuam no assentamento agroextrativista
em Nova Ipixuna, onde ocorreu o crime.
Uma mineradora atrapalha muita gente
No encontro entre a direção da Vale e os movimentos sociais, o assunto
mais importante era a expansão da produção em Carajás, “prioridade
absoluta da Vale”, como reafirmou Murilo Ferreira, sem responder às
perguntas do padre Dario sobre a responsabilidade da empresa em relação
ao minério que vende para fabricantes de ferro-gusa do Maranhão e Pará,
acusadas de uma série de irregularidades, ou a possibilidade de rever a
duplicação da Estrada de Ferro Carajás.
Em agosto, o BNDES aprovou uma parcela de R$ 3,9 bilhões para a primeira
etapa do projeto de expansão em Carajás – 40 dias depois de a empresa
obter a licença prévia do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para a implantação da primeira mina
de ferro no lado sul da Floresta Nacional de Carajás, que exigiu oito
anos de negociações com os órgãos ambientais e inovações tecnológicas
para reduzir o impacto ambiental, apresentadas pela Vale em uma bonita
maquete do filme premiado.
Se passar pelas próximas etapas de licenciamento, o projeto, chamado de
S11D, fará a produção anual de Carajás passar de 110 milhões para 230
milhões de toneladas de minério de ferro em quatro anos. As obras de
logística vão consumir US$ 11,4 bilhões para ampliar a capacidade de
transporte de minério de ferro pelo corredor de exportação que vai da
mina ao porto.
De Canaã dos Carajás a São Luís do Maranhão, a aceleração da ocupação do
território é anunciada pelo apito do trem.
As obras vão reduzir ainda mais o intervalo entre as composições que fazem de 9 a 12 viagens por dia (dados da Vale) atravessando 94 localidades habitadas por índios, quilombolas, ribeirinhos, lavradores assentados por projetos de colonização e de reforma agrária quase falidos, ou que lutam por terra nos acampamentos dos movimentos de sem-terra.
As obras vão reduzir ainda mais o intervalo entre as composições que fazem de 9 a 12 viagens por dia (dados da Vale) atravessando 94 localidades habitadas por índios, quilombolas, ribeirinhos, lavradores assentados por projetos de colonização e de reforma agrária quase falidos, ou que lutam por terra nos acampamentos dos movimentos de sem-terra.
A Rede Justiça dos Trilhos atuou nos bastidores da ação civil pública
movida pelo Conselho Indigenista Missionário, Centro da Cultura Negra do
Maranhão e Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, que resultou na
paralisação das obras de duplicação da ferrovia no trecho maranhense por
uma decisão liminar da Justiça Federal do Maranhão no final de julho.
A tutela antecipada que adveio da liminar justificava-se como medida de
cautela diante de obras dispensadas de estudos de impacto ambiental
(EIA-Rima) no processo de licenciamento do Ibama, em um território com
“28 áreas de conservação ambiental”, terras indígenas e comunidades
quilombolas, protegidas pela Convenção n°169 da OIT, que prevê a
consulta prévia e o direito de veto de qualquer obra que possa impactar
seu território.
Desde 1982, a partir de uma exigência do Banco Mundial ao financiar as obras do projeto Grande Carajás, os índios passaram a celebrar acordos de indenização e assistência com a Vale, frequentemente cobrada pelo Ministério Público Federal por não cumpri-los.
Em 2006, a empresa, com o
apoio da FIDH (Federação Internacional de Direitos Humanos) denunciou o
governo brasileiro à Organização dos Estados Amerricanos (OEA) por
destinar recursos aos índios através da União, sendo incapaz de
estabelecer políticas públicas para eles.
As comunidades de remanescentes de quilombos enfrentam situação mais
complicada porque só tiveram sua existência reconhecida na Constituição
de 1988, o que as obriga a passar por um longo processo para provar a
origem da terra onde vivem, que culmina no Relatório Técnico de
Identificação (RTDI), feito pelo Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (Incra).
No ano passado, a companhia pediu a impugnação
administrativa dos relatórios de identificação de duas comunidades,
Santa Rosa dos Pretos e Monge Belo, ambas no município de Itapecuru. As
duas ficam no trecho de 60 quilômetros já licenciado pelo Ibama para as
obras de duplicação.
O episódio foi superado por um acordo obtido pelo Ministério Público
Federal do Maranhão – em março deste ano. Também foram estipuladas
condições preliminares para retomar a obra: recuperação de rios e
igarapés, construção de viadutos e melhoria das passagens de nível para
assegurar a travessia de moradores e veículos, medição de poluição do ar
e sonora, e disponibilização de R$ 700 mil, no prazo de 60 dias, para a
construção de uma escola de ensino médio e um projeto de agricultura
familiar.
Segundo a Fundação Palmares, há 86 comunidades remanescentes de
quilombos na área afetada pela ferrovia, além de comunidades
“não-tradicionais” estabelecidas nas mesmas terras da União que abrigam
as operações da mineradora.
“A Vale reitera o respeito à diversidade
cultural, aos processos participativos e as normas vigentes e tem a
Convenção n°169 da OIT como diretriz de atuação”, afirma a empresa, por
meio de sua assessoria, a respeito desses embates (clique aqui para
acessar a pergunta e a resposta na íntegra).
Em 20 de novembro passado, a Vale obteve a licença de instalação para as obras de duplicação.
A ação civil promovida pelas entidades de direitos humanos articuladas
pela Justiça dos Trilhos, segue adiante. A liminar que paralisava as
obras foi revogada por recurso da Vale ao TRF, em Brasília, no mês de
setembro.
Pixilinga, e a mulher Petronílha, na Vila Planalto em Canaã
Não é difícil encontrar histórias de pessoas simples cujas vidas foram
afetadas pela mineradora. O maranhense José Ribamar da Silva Costa, o
Pixilinga, 53 anos, é o que se pode chamar de expert em projetos de
desenvolvimento da Amazônia.
Antes de se instalar em Canaã dos Carajás,
município sede da nova mina de minério de ferro da Vale, ganhava a vida
como “peão trecheiro, com a buroca nas costas fichando em firma pra aqui
pra acolá”, como ele diz. Trabalhou na construção do Porto de Itaqui – o
cais da Vale em São Luís –, na barragem de Tucuruí e na Estrada de
Ferro Carajás, que o trouxe à região em 1984, quando Canaã e Paruapebas
ainda faziam parte do município de Marabá.
“Cheguei em um março chuvoso, e não estavam fichando ninguém. Aí eles me
disseram: ‘Rapaz, estamos dando lote de dez alqueires (50 hectares) pra
quem quer trabalho’. Eu fiquei com medo. Será que os índios não vão
tirar a gente daqui? E os garimpeiros?”, lembra. No sorteio lhe coube um
lote de um desistente, no alto da serra.
“Era uma aberturazinha na mata
e um barraquinho de pau a pique e palha. O caboclo caiu fora porque uma
onça correndo atrás de uma anta atravessou o barraco com um monte de
menininho lá dentro, a família fez as malas e sumiu”, conta rindo.
Entre 1982 e 1985, o governo federal, por meio do Getat (Grupo Executivo
das Terras do Araguaia e Tocantins), assentou 1551 famílias em projetos
de colonização em torno da área de mineração com o objetivo formar um
cinturão de produção de alimentos e reduzir os conflitos de terra na
região Bico do Papagaio – palco da Guerrilha do Araguaia durante a
década de 1970. “Nos colocaram aqui como vigias, que isso não era
habitado de gente não.
Quando cheguei aqui, era só mata, só floresta.
‘Cabra que pegar a terra e não desmatar o lote vai ter que sair’, eles
diziam”, lembra, espantando a nuvem de mosquitos que invade a varanda de
sua casa em Vila Planalto, a 12 km da sede do município de Canaã dos
Carajás.
Quando a produção de milho e mandioca aumentou, os vizinhos formaram uma
associação, a Aproduz (Associação dos Produtores da Serra Dourada), e
decidiram comprar um caminhão. Ao buscar crédito no banco, Pixilinga
descobriu que eles não tinham o título de propriedade da terra
colonizada.
“Como assentados, a gente devia ter tomado o crédito no
Procera, mas quem explicou? Os mais sabidos vieram com a oferta de um
financiamento de banco, chamaram a gente de posseiro e cobraram aqueles
juros”.
Foi nesse período que começou o que chama de “a perseguição da Vale”.
“Eles entravam nos lotes, abrindo picão na terra de todo mundo sem
explicar nada. Mas em 1997, 1998 começaram a comprar terra e botar
cancela e cadeado nas nossas estradas, que eram do Incra”, indigna-se.
A vila da Serra Dourada foi extinta no processo da implantação da mina
que inaugurou a produção de cobre da Vale em Carajás em 2004. Das 67
famílias que se comprometeram com o empréstimo, 29 venderam os lotes
para a Vale, e os que ficaram não tinham como pagar as parcelas dos que
foram embora.
A dívida cresceu. “Hoje não existe mais Serra Dourada nem
Aproduz, mas o nome da gente está no Serasa, no SPC por uma dívida de R$
800 mil”, lamenta.
A Pública questionou o Incra sobre a falta de títulos de propriedade, a
comercialização dos lotes dos colonos e a assistência prestada a eles. A
resposta foi sucinta: “O Incra, hoje, não tem domínio sobre as terras
tituladas à época do Getat, visto que os colonos já possuem título de
propriedade”.
Ou seja, o “mico” das 38 famílias de Serra Dourada não
existe para o governo brasileiro. “Nem para a Vale, que causou o
problema e ofereceu a assistência jurídica da companhia pra
individualizar a dívida, o que não adianta nada”, atalha Pixilinga.
Hoje
presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Canaã dos Carajás,
ele tira o sustento de uma vendinha instalada na frente do terreno e da
roça nos fundos da casa, erguidas no lote trocado com um fazendeiro, que
expandia sua área para a região abandonada pelos colonizados do Incra.
Entre 2001 e 2010, a população urbana do município de Canaã dos Carajás
quintuplicou, passando de 3.924 para 20.738 habitantes, enquanto a
população rural caiu 14%, passando a 5.989 habitantes, de acordo com os
dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
analisados na dissertação de mestrado da pesquisadora Dalva Maria
Vasconcelos dos Santos, da Universidade da Amazônia.
A guerra nos números
O maior argumento da Vale quando vai abrir um projeto são os empregos–
contraditoriamente, ou não, os números mais difíceis de obter da
companhia.
Para começar, os números quase sempre agregam “empregados próprios e terceiros permanentes”; quando há essa separação, não são divididos por setores ou localizações geográficas.
Para começar, os números quase sempre agregam “empregados próprios e terceiros permanentes”; quando há essa separação, não são divididos por setores ou localizações geográficas.
Segundo a assessoria de imprensa da Vale, em julho de 2012, “a empresa
emprega 107 mil pessoas no Brasil, entre empregados próprios e
permanentes, essa cifra corresponde a 76% dos empregados da empresa no
mundo”.
Segundo dados do Relatório de Sustentabilidade da empresa, é possível, ainda, concluir que a Vale tem 60 mil empregados com “ contrato por tempo indeterminado”.
Segundo dados do Relatório de Sustentabilidade da empresa, é possível, ainda, concluir que a Vale tem 60 mil empregados com “ contrato por tempo indeterminado”.
Quando a Pública quis saber quantos empregados da Vale trabalham nas minas de ferro, cobre, níquel e outros metais, a resposta foi: “Nos estados do Pará e Maranhão trabalham 31 mil empregados (18,5 mil próprios e 12,5 mil terceiros permanentes), além de 22,6 mil terceiros em projetos”.
Não se sabe, dessa conta, quantos trabalham em cada setor, nem quantos
foram contratados nas comunidades onde a empresa atua, o que atrapalha
definitivamente a compreensão da questão que atormenta os empregados das
minas da Vale, da África a Carajás:
“Os números por Sistema não estão disponíveis. Em todo o Brasil, o
percentual de contratação local da Vale foi de 68% em 2011. O número de
membros da alta gerência provenientes da comunidade local era de 36% ao
final do ano passado”.
Obviamente se a “comunidade local” é o Rio de Janeiro, sede da
companhia, ou os rincões do Maranhão, os percentuais fornecidos seriam
radicalmente diferentes.
Assim como são diferentes as realidades entre os países, como mostra outro item do relatório, o das ações judiciais.
Ali figuram cinco ações trabalhistas no Brasil, entre elas duas em que o Ministério Público do Trabalho questiona condições de segurança em Minas Gerais e no Complexo de Tubarão. No ano passado, 11 trabalhadores da Vale morreram em acidentes de trabalho, sendo oito no Brasil.
Outra ação se refere ao pagamento de horas in itinere (gastas no deslocamento ao trabalho) aos empregados das minas de Carajás. De acordo com a Justiça de Trabalho de Parauapebas, em 2010, a empresa foi condenada a empresa a pagar R$ 100 milhões por danos morais coletivos e R$ 200 milhões por “dumping social”.
Segundo o sindicato Metabase, que
congrega os trabalhadores da Vale: “Os trabalhadores transportados nos
ônibus fretados pela empresa recebiam por seis horas de trabalho e
ficavam o dobro do tempo à disposição da companhia; um acordo está em
curso”.
O mesmo relatório relata 11 ações judiciais e autuações “relevantes” no
campo ambiental em 2011, sendo nove na Justiça brasileira, em quatro
estados.
No total de 2011, a empresa registra a existência de 293 processos
envolvendo a companhia, “136 judiciais e 157 administrativos
relevantes”, mais de 90% no Brasil. As ações contra privatização (69)
são seguidas por 52 ações judiciais e 145 processos administrativos que
se referem à cobrança de royalties, a Compensação Financeira pela
Exploração de Recursos Minerais (CFEM), com alíquota média de 2% sobre o
faturamento da empresa.
No ano passado, foram arrecadados menos de R$ 1 bilhão em royalties, em
todo o país. O número aparece em estudo feito pelo professor Rodrigo
Salles Santos, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Ele
baseou-se em cálculos do presidente da Comissão Especial de Informática e
Estatística do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),
Guilherme Zagallo. A Vale não divulga a informação, e o departamento de
arrecadação do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) alega
ser sigilosa.
A Cubatão da Amazônia
O mapa da Estrada de Ferro de Carajás é o centro das atenções no 4º
Encontro Regional dos Atingidos pela Mineração, realizado no final das
férias de julho na Escola Lourenço Galetti, em Açailândia (MA), uma
cidade de 110 mil habitantes onde os esgotos correm nas ruas, e os
moradores têm que escolher entre viver sob a fumaça das guseiras na
BR-222 ou no entroncamento da Belém-Brasília.
Ali também está um dos pátios mais importantes da Vale, que, além de fornecer minério de ferro às guseiras e retirar o ferro-gusa, entrega combustível e recolhe grãos.
Ali também está um dos pátios mais importantes da Vale, que, além de fornecer minério de ferro às guseiras e retirar o ferro-gusa, entrega combustível e recolhe grãos.
Os cerca de 80 representantes das 20 comunidades que conseguiram chegar
ao encontro – o transporte mais barato é o trem de passageiros que passa
na mesma EFC, em dias alternados – são recebidos por um trio de música
sertaneja e vão apresentando as localidades em que vivem, de Canaã dos
Carajás a São Luís do Maranhão.
O desenho esquemático da linha férrea se transforma em um “mapa falado”
dos povoados, acompanhados dos problemas que vivenciam.
A discussão vai
dos atropelamentos de pessoas e animais na ferrovia, ao desmatamento e
assoreamento dos igarapés; da desestruturação das escolas rurais e
hospitais à falta de emprego para os jovens que não veem perspectiva nos
assentamentos sem crédito agrícola e não são preparados para disputar
os melhores (e poucos) empregos produzidos pela mineração, tornando-se
os peões das empreiteiras terceirizadas.
“O complexo-mina-ferrovia-porto se insere na rede global da produção do
aço, que produz os carros, as geladeiras, os computadores”, explica o
doutor Marcelo Carneiro, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA),
acadêmico convidado pelos organizadores do encontro.
“Nós queremos que o
valor produzido por essa cadeia seja incorporado pelos territórios que
cedem seus recursos naturais a um modelo de exportação que se relaciona
de maneira predatória com a economia regional, desestruturando as
atividades econômicas locais sem criar alternativas dignas nem se
preocupar com o legado”, ensina à plateia atenta que vai aumentando com a
chegada dos retardatários.
Os efeitos dessa “disputa desigual pelo valor”, como diz o professor,
ganham mais uma dimensão nas falas dos defensores dos direitos humanos,
conselheiros tutelares, membros do Ministério Público Federal presentes à
reunião: trabalho forçado na cadeia de carvão em Buriticupu (MA),
exploração sexual de crianças em Açailândia, violência extremada em
Marabá.
O promotor Leonardo Tupinambá, de Açailândia, é o porta-voz de um
problema surpreendente para os que não conhecem o magnetismo que a Vale
exerce nos rincões do Maranhão: os embarques clandestinos de crianças e
adolescentes nos imensos trens da companhia, escondidos embaixo do
minério de ferro carregado pelos vagões.
No ano passado, o promotor de
Santa Luiza (MA) moveu uma ação civil contra a Vale por descumprir
“reiteradamente” o Estatuto da Criança e do Adolescente “quanto ao
controle de embarque de menores, tanto em trens de transporte de
passageiros quanto em trens cargueiros, de forma clandestina,
aproveitando-se do fato da empresa não adotar qualquer medida de
vigilância”.
Nem sempre os meninos conseguem chegar ao destino almejado, Parauapebas –
que concentra o dinheiro da mineração por sediar o complexo da Vale. O
município fica com 65% dos royalties advindos da mineração, o Estado do
Pará com 23% e a União com 12%. “O que é produzido em Carajás tem dois
caminhos: o porto de exportação e as guseiras de Marabá e Açailândia”,
atalha o professor Carneiro.
“Em Minas Gerais, parte importante desse minério é beneficiada em
cadeias produtivas adensadas; o estado do Pará exporta quase tudo in
natura. O projeto máximo de beneficiamento que o complexo minerador
pensou para essa região é o ferro-gusa que oferece empregos de baixa
qualidade e cria um cenário de destruição à sua volta”, explica.
Uma das comunidades homenageadas no encontro é Pequiá, que se tornou
símbolo mundial da destruição da Amazônia depois de um relatório do
Greenpeace, que sobrevoou a região, documentando a destruição. Ali vivem
cerca de 300 famílias entre as guseiras que produzem ferro-gusa com
carvão vegetal e minério de ferro, vomitando poluentes no ar, nos rios,
no solo.
O produto é embarcado nos trens da Vale, que também fornece a
matéria-prima. A Pública visitou as casinhas cobertas de poeira, cujo
dano para a saúde dos moradores, a água e o solo foi constatado por um
laudo da Secretaria de Meio Ambiente realizado por ordem de Promotoria
de Justiça de Açailândia, que instaurou um inquérito para investigar as
denúncias dos moradores e resultou em um Termo de Ajustamento de Conduta
assinado em 2011.
O acordo obriga o sindicato patronal das empresas, o Sifema, a transferir os moradores do local para um terreno desapropriado pela prefeitura.
O acordo obriga o sindicato patronal das empresas, o Sifema, a transferir os moradores do local para um terreno desapropriado pela prefeitura.
Na passeata que encerrou o encontro naquele 27 de julho, a alegria
estava nos rostos da juventude do Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem-Terra (MST), nas palavras de ordem puxadas pela representante da
Comissão Pastoral da Terra (CPT) e nas vozes embargadas de emoção dos
que há anos usam o próprio corpo para deter o trem.
Eles haviam acabado
de receber a notícia da paralisação das obras pela Justiça do Maranhão.
Dessa vez tiveram a gentil escolta da Polícia Militar para caminhar pelas ruas e dar as mãos formando um círculo em torno da rotatória rodoviária, sem se incomodar com os caminhões pesados, bufando de impaciência contra os que bloqueiam o progresso.
Dessa vez tiveram a gentil escolta da Polícia Militar para caminhar pelas ruas e dar as mãos formando um círculo em torno da rotatória rodoviária, sem se incomodar com os caminhões pesados, bufando de impaciência contra os que bloqueiam o progresso.
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