sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Brasil do PT: Unidades de Conservação: O Brasil nunca criou tão poucas unidades

Arquipélago de Alcatrazes. A área rica em biodiversidade tem potencial para virar parque nacional

Arquipélago de Alcatrazes. A área rica em biodiversidade tem potencial para virar parque nacional

No auge da crise hídrica vivida pelo sudeste, estranhamente, pouco se fala em meio ambiente, menos ainda em conservação da natureza. E se nem diante da eminente sede paulista esses temas tão intrinsicamente ligados ao abastecimento não são trazidos a tona, menos ainda se fala em unidades de conservação...

Aliás, o que são mesmo unidades de conservação?

São a melhor forma de conservar a natureza. São também o melhor serviço social que se pode prestar a uma sociedade, já que ao preservar a biodiversidade, estamos também conservando os recursos que nós precisamos para sobreviver: qualidade do ar, manutenção do clima, solos férteis, polinização para a agricultura, segurança contra desmoronamentos de encostas e... água.

Se as águas que brotam das nascentes da mata atlântica abastecem as grandes cidades do Sul e do Sudeste, as águas que vêm do cerrado ajudam a manter a qualidade dos solos agricultáveis do Sudeste e Centro-Oeste, além de escoar para o Nordeste. De cima, através dos rios voadores é a evaporação na Amazônia que traz a chuva para as áreas agrícolas de todo o centro-sul. Tudo está interligado.

Sabemos disso. Há tempos sabemos. Porém na corrida desenvolvimentista de curto prazo, que impera ano após ano no nosso país, não levamos esse tipo de informação a sério – ou pelo menos não com a seriedade que deveríamos – muito mais fácil acreditar que um milagre vindo dos céus irá salvar a todos. Se o milagre em questão for água, para acontecer vai antes precisar de florestas.

E as unidades de conservação, o que têm a ver com isso? Tudo. São elas, que em dimensão e quantidade preservam toda essa intricada rede de serviços ambientais, sem os quais sucumbimos. Não obstante, são hoje as mais esquecidas. Signatário da Convenção da Biodiversidade (CDB) desde 1992, o Brasil se comprometeu a proteger pelo menos 10% de cada um dos seus sete biomas em unidades de conservação (UCs). Não cumpriu. Mais recentemente, também se comprometeu com as Metas de Aishi a proteger 17% de cada bioma do seu território. Ainda está longe de cumprir.

Embora a Amazônia esteja relativamente bem representada, com cerca de 30% de área protegida em unidades de conservação, outros biomas não poderiam estar pior representados: o marinho, por exemplo, somando tudo e mais um pouco não chega a ter 1,5% de área protegida. De onde virão os estoques de peixes no futuro? A caatinga hoje não tem nem 2% da área em UCs de proteção integral. O pampa... quem lembra do pampa?

Se os números per se demonstram nossa falta de comprometimento com a natureza e com a sobrevivência dos nossos filhos – e os filhos dos nossos filhos – o panorama fica um pouco mais complicado quando olhamos para nossa história recente.

As primeiras UCs brasileiras foram criadas na década de 1930, com os Parques Nacionais de Itatiaia e Iguaçu, sendo que nas décadas seguintes, especialmente durante o governo militar, a demarcação de UCs aconteceu de forma modesta porém contínua. Em muitos casos levava em conta a proteção de áreas fronteiriças e estratégicas para a defesa do país.

Com o fim da ditatura e em seguida com a promulgação da lei que regulamenta o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, Lei 9985/2000, somada à constatação de que para conservar a natureza são necessárias grandes extensões e conectadas entre si, e com alguma vontade política, houve um notável avanço no processo de criação. Somando os oito anos do governo FHC aos oito do governo Lula, a área protegida do Brasil foi praticamente triplicada em hectares, passando de pouco mais de 20 milhões para cerca de 75 milhões de hectares em 2010 quando Dilma assumiu.

Problemas sobravam, claro. Falta de recursos e toda a sorte de investimentos, falta de equipe, de capacitação, provisões, regularização fundiária... Tudo isso estava muito aquém do necessário, mas pelo menos as unidades de conservação estavam sendo criadas. Ter as UCs criadas era antes de tudo uma tentativa de resguardar parte da biodiversidade dos avanços desenfreados e da política de governo imediatista, desprovida de visão, que impera nesse país independente da mão que o governa. Se faltavam os recursos para implementação, ao menos havia uma perspectiva de que em longo prazo, com as áreas preservadas, o quadro pudesse ser pouco a pouco melhorado.

Longe do ideal, mas um pouco mais próximo do minimamente aceitável, havia alguma lógica no processo. Havia… A linearidade desse processo desmoronou nos últimos quatro anos. Resultado da pressão constante de setores como agricultura, mineração, energia e as proposições do PAC, levaram à estagnação do processo de criação de UCs no Brasil. Somente oito UCs federais foram criadas nesses últimos quatro anos, seis delas na última semana, a toque de caixa para não comprometer ainda mais a imagem de um governo ambientalmente descomprometido. Não fosse isso aliás, o governo Dilma entraria para a história como o primeiro a não criar uma única UC na Amazônia. Para não levar esse troféu indigesto, foram criadas 4 UCs nesse bioma, sendo três reservas extrativistas. As áreas são a Resex Marinha Mocapajuba (21 mil hectares), a Resex Marinha Mestre Lucindo, (6,4 mil hectares) e Resex Marinha Cuinarana, (11 mil hectares), além da Estação Ecológica de Maués. Essa última, assim como o também recém criado Parque Nacional de Gandarela em Minas Gerais, já nasce sob a mira da mineração em seu entorno imediato, sinalizado no próprio Decreto de Criação. Um risco anunciado e previamente calculado.

Do pacote de bondades de final de mandato, ficaram de fora o Parque Nacional de Alcatrazes e a ampliação do Parque Nacional Marinho de Abrolhos, importantíssimos berçários da vida marinha. Também ficou de fora o tão aclamado e desejado Parque Nacional do Boqueirão da Onça, na Bahia, uma das mais fantásticas e bem preservadas áreas caatinga, que ainda abriga uma das últimas populações de onça-pintada desse bioma, além de alguns indivíduos da arara-azul-de-lear, o nosso famoso tatu-bola e tantas outras espécies de flora. Aliás, o próprio nome “Boqueirão da Onça” pode ser traduzido como ‘o lugar onde a onça bebe água’. São poças encrustadas nos paredões rochosos das chapadas e serras que em sua base acumulam a rara água da chuva. Não só as onças, como toda a fauna se abastece nesses poços. Também abriga um vasto número de nascentes, algumas perenes, que matam a sede de milhares de sertanejos que vivem em seu entorno. Água na Caatinga é ouro, e o Boqueirão é uma mina, hoje desprotegido e a céu aberto, que precisa com urgência ser transformado em um parque nacional.


Voltando ao Sudeste, um antigo projeto que pretendia criar o Parque Nacional dos Altos da Mantiqueira, uma das caixas d’água da região, sequer é mencionado hoje em dia...


Há dez anos atrás nenhum brasileiro imaginaria que a grande São Paulo, a cidade mais rica do país, estaria passando por uma crise dessas por conta de um elemento tão básico quanto abundante em nosso país. “A ‘terra da garoa’ sofrer por falta d’água? Imagine”
Agora, imagine daqui há 30 anos.

Angela Kuczach é diretora da Rede Pró Unidades de Conservação

Fonte: Revista Época. Por ANGELA KUCZACH*. Foto: Divulgação/Fabio Olmos - 24/10/2014 - - 14:09:35

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