04/03/2015 09h55
Massa falida do banco pediu reintegração de posse do imóvel.
Prédio avaliado em R$ 18 milhões deve ir a leilão em 90 dias.
Imóvel invadido fica em rua residencial (Foto: Letícia Macedo/ G1)
Os sem-teto relatam ter encontrado hostilidade da vizinhança. Ouvidos pelo G1, vizinhos não reclamaram da presença dos integrantes do movimento Terra Livre no imóvel.
O administrador judicial da massa falida do Banco Santos, Vânio Aguiar, disse que entrou com pedido de reintegração de posse do imóvel e aguarda a decisão judicial.
Segundo ele, o prédio avaliado em R$ 18 milhões deve ir a leilão dentro de 90 dias.
Nesta terça-feira (3) pela manhã, a reportagem encontrou algumas mulheres no prédio. Elas contam que a maioria dos moradores costuma deixar o edifício logo cedo para trabalhar na região do Brooklin ou no Centro.
“Quero sair daqui direto para a minha casa”, diz Dina Resende, de 59 anos, que ocupa um espaço no térreo do prédio com o filho, a nora e dois netos. “Meu filho é pizzaiolo e minha nora trabalha com telemarketing. Um sai de manhã e leva as crianças e outro busca à tarde. O aluguel é muito caro. No mínimo sai por R$ 900. Uma lata de leite custa R$ 22 e são duas crianças para cuidar. Não é brinquedo, não. Para ir para o trabalho ainda tem que pagar Metrô na ida e na volta. Não é fácil”, conta.
“A gente não quer ser dono do prédio. A gente quer o nosso lugar para morar porque não tem mais condição de pagar aluguel. O aluguel está muito caro”, contou Josefa Maria da Silva, de 58 anos, que mora com a filha diarista e três netos. “Minha filha trabalha, mas tem dia que não tem trabalho”, afirmou a aposentada, que participa pela primeira vez de uma ocupação.
Antes da ocupação do prédio nos Jardins, eles já tinham ocupado imóveis no Centro e na Barra Funda.
Moradoras mostram bandeira na entrada do prédio de 12 andares (Foto: Letícia Macedo/ G1)
Apesar da localização privilegiada, a infraestrutura do prédio de 12 andares por enquanto é precária. O prédio que, segundo os vizinhos está desocupado há vários anos, só tem luz em dois andares. Água só no térreo, onde foi organizada uma cozinha coletiva. Os banheiros que funcionam também estão neste andar. No início da manhã, os ocupantes que saem para trabalhar têm prioridade na fila do banho. Quem pode deixar o imóvel ao longo do dia entra na fila do banho mais tarde.
Nas contas das moradoras entre os ocupantes estão cerca de 40 crianças de diferentes idades. Pelos menos duas delas são especiais: os filhos gêmeos de 12 anos de Deise Aline da Silva, de 35 anos. Ela, que tem sete filhos, mora com quatro deles. A mãe e a irmã acolhem alguns deles. Nesta manhã, ela chegava com três vasilhames de plástico que pretende usar para vender preparar algum alimento que possa ser vendido na estação de Metrô mais próxima.
“Eu só posso trabalhar à tarde, quando os meninos vão para a escola. Pensei em servir um café da manhã, mas já tem muita gente vendendo. Agora estou pensando em fazer um sonho, que eu possa vender à tarde”, contou. O benefício que ela recebe para os dois filhos doentes é todo investido no transporte deles até a escola que fica na Vila Guilherme, na Zona Norte.
Área nobre
Nos andares não há divisórias, que foram destruídas ainda pelo proprietário. Divisórias em madeira foram colocadas para separar as famílias. A relação com o bairro, que ainda está sendo descoberto, também tem causado dificuldades para os novos moradores. “Tudo é muito caro. Paguei quase R$ 30 em um pedaço de carne. Eu estou chocada. Deu vontade de sair correndo”, disse Deise.
A moradora diz ainda que alguns vizinhos chegam a mudar de calçada ao passar em frente ao edifício. “Tem gente que passa para o outro lado da calçada com cara de nojo. Às vezes, eu fico me sentindo um lixo. Dá vontade de pegar e jogar no rio”, brincou.
“Sabemos que o pessoal não quer a gente aqui”, contou Eva Lucia Gonçalves, de 41 anos, que cuida da entrada e da saída no imóvel. “Eles querem colocar a gente na periferia, onde alaga, as pessoas perdem tudo. É assim que eles querem a gente: lá afastado deles aqui. Eles passam aqui ignoram a gente, falam que nós somos vagabundos, soltam bombinha. É um bairro chique. Eles não querem a gente perto deles. A gente cumprimenta e eles viram a cara para o outro lado, não querem nem ouvir o que a gente diz. O dia que a gente veio pra cá ocupar um senhor falou que a gente estava desvalorizando o prédio”, afirmou a moradora.
Três vizinhos da ocupação que aceitaram conversar com o G1 disseram que os moradores do prédio não os incomoda. “Está tudo muito tranquilo”, disse um arquiteto. “Eles são tranquilos, mas tem hora que incomoda porque as crianças berram, alguns homens berram, mas por enquanto está tudo calmo. Eu me oponho à invasão porque esse imóvel vai garantir o pagamento dos direitos trabalhistas dos então funcionários do Banco Santos”, disse um morador da Rua Iraci há 25 anos. “Mas eles vão ter que sair porque isso deve ir a leilão”, afirmou.
Terra Livre
Fabrício Mendes, integrante do coletivo de militantes do Terra Livre, disse que o movimento social, inspirado na esquerda revolucionária, luta por reforma agrária e reforma urbana. Segundo ele, o Terra Livre faz parte da Frente de Resistência Urbana, da qual o MTST também faz parte.
O Terra Livre coordenou ocupações no Jardim Pantanal, em Cotia e em Osasco. Cerca de 40 das 100 famílias agora em Pinheiros participaram de uma primeira ocupação na Barra Funda, na Zona Oeste, alvo de reintegração de posse no dia 20 de fevereiro. Novas famílias chegam a cada dia.
Segundo Fabrício, não houve diálogo ainda nem com o Banco Santos e nem com a Prefeitura. "Pretendemos negociar com a massa falida do Banco Santos e pressionar o poder público para cobrar IPTU progressivo sobre o imóvel, que estava desocupado", afirmou. Parte das famílias está inscrita em programas sociais e menos de 10% estão na fila da casa própria.
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