O patético e farsesco pacote anticorrupção
O jurista Modesto Carvalhosa publicou ontem no Estadão
um artigo em que desmonta o pacote anticorrupção proposto por Dilma. De
fato, ninguém acredita que um governo beneficiado pela corrupção se
transforme, de repente, no "combatente do mal que ele mesmo pratica
diariamente":
As medidas de combate à corrupção anunciadas pela presidente da
República dia 18 aprofundam ainda mais a falta de credibilidade do
governo, tanto no plano nacional quanto no exterior. Em decorrência da
devastadora corrupção que se alastrou no governo federal, o Brasil,
outrora país emergente, hoje sofre um desprestígio no mundo parecido com
os tempos da inflação galopante e dos calotes internacionais dos anos
1980.
O pacote anticorrupção, solenemente anunciado pela presidente,
insere-se nesse quadro melancólico, pois não é crível que um governo
marcado e devastado pela prática generalizada de apropriação de recursos
públicos em benefício dos partidos no poder venha, agora, colocar-se na
posição de combatente do mal que ele mesmo diariamente pratica.
Nesse quadro patético, as propostas legislativas são mais do mesmo,
pois o crime do caixa 2 está previsto no vigente Código Eleitoral, de
1965, no artigo 350. Quanto ao dramático confisco de bens dos corruptos,
a matéria está plenamente contemplada na lei vigente de Improbidade
Administrativa, de 1992, artigos 9.º, 12 e 16. As demais "providências"
legislativas da presidente são objeto de projetos de lei em curso no
Congresso, razão pela qual nada de novo foi traduzido pelo alardeado
pacote.
Quanto ao decreto que "regulamenta" a Lei Anticorrupção, ressalta
desde logo tratar-se de um monstrengo que visa, sob todas as formas
possíveis, a promover a anistia ampla, geral e irrestrita das
empreiteiras e fornecedoras envolvidas na Operação Lava Jato, procurando
mesmo imunizá-las a qualquer outra conduta corruptiva que tenham
praticado fora do âmbito da Petrobrás e ainda não reveladas. Assim, o
atual governo, na esteira dos três últimos que o precederam, demonstra
que no Brasil ainda impera a república das empreiteiras, embora estas já
estejam muito combalidas, em decorrência da firme atuação da Polícia
Federal, do Ministério Público, da Justiça Federal, do STJ e do STF.
O referido "decreto regulamentador" da Presidência demonstra, às
escancaras, a firme determinação do governo de proteger as empresas que
com ele contratam, mantendo os mesmos termos viciados no futuro. Ao
invés de concentrar a competência de processar as referidas empresas
corruptas na Controladoria-Geral da União, o decreto outorga esse poder
aos ministros do Estado (pasmem!), que são, desde 2003, os principais
atores da prática de corrupção no Brasil. Só do último governo três
deles estão sob investigação no STF e dez outros já haviam sido
flagrados em atos de corrupção, só no ano de 2011. São essas as
"autoridades" que vão processar as empreiteiras. Pode-se imaginar o
nível de corrupção que vai surgir dessa "competência ministerial".
Será um novo núcleo de propinas, de tráfico de influência, de
advocacia administrativa e de prevaricação. Surge um novo negócio de
corrupção jamais imaginado, para grande proveito dos titulares de 39
pastas e dos partidos que os indicaram.
Não bastasse, a eventual condenação das empreiteiras pelo "ministro
competente" pode ser objeto de "reconsideração" com efeito suspensivo, o
que encarece ainda mais o comércio de favores ilícitos que será gerado
por essa instância administrativa. A Lei Anticorrupção não fala de
instância de reconsideração.
Também o decreto presidencial de 18/3 cria a figura da "investigação
preliminar sigilosa", anterior à instalação do chamado Processo
Administrativo de Responsabilização. Eis aí outro foco de corrupção,
pois de suas conclusões secretas pode decorrer o arquivamento do pedido
de instalação do processo. Esse novo produto de corrupção obviamente não
está previsto na Lei Anticorrupção de 2013 que a presidente resolveu
agora "regulamentar". Essa lei, aliás, não comporta nenhuma
regulamentação, na medida em que é autoaplicável a partir de 29/1/2014,
abrangendo todos os crimes continuados de corrupção, caso dos listados
na Lava Jato.
Mas não para aí o "regulamento presidencial". Em cinco artigos
propositadamente confusos, o diploma do Executivo limita a multa a 5%
sobre o faturamento do último exercício das empresas corruptas. A Lei
Anticorrupção, todavia, fala em até 20%. Derroga, portanto, o "ato
presidencial" a Lei Anticorrupção também nesse aspecto.
Ademais, os cálculos de aplicação dessas multas com teto quatro vezes
reduzido são propositadamente de alta complexidade para permitir que as
empreiteiras consigam suspender e, em seguida, anular no Judiciário as
decisões condenatórias que muito raramente os ilibados ministros de
Estado lhes aplicarão.
Outro aspecto absurdo do "regulamento presidencial" é a tentativa de
alijamento do Ministério Púbico das iniciativas de responsabilizar
judicialmente as empresas corruptas, buscando outorgar essa competência
de propositura de ação civil pública de reparação de danos a órgãos
jurídicos da própria administração federal. Essa tentativa é risível.
(O PT vem tentando há varios anos alijar o MP das investigações de corrupção, de modo a poder continuar roubando impunemente.Tal tentativa é prova cabal de que está mal intencionado, como sempre aliás!!N.B.)
(O PT vem tentando há varios anos alijar o MP das investigações de corrupção, de modo a poder continuar roubando impunemente.Tal tentativa é prova cabal de que está mal intencionado, como sempre aliás!!N.B.)
Inúmeras outras manobras de absolvição plena das empreiteiras estão
espalhadas ao longo texto do decreto de 19 de março. Por outro lado, o
próprio decreto reproduz a impossibilidade de firmar acordos de
leniência a não ser com a primeira empreiteira componente do cartel que
opera na Petrobrás. Diante desse impasse, socorre-se o decreto do regime
de conformidade (compliance), que é um dos fatores que passam a
propiciar a anistia das empreiteiras. Se elas instituírem o regime de
conformidade poderão, inclusive, ser absolvidas sem o pagamento de
nenhuma multa, o que é absolutamente contrário ao texto da Lei
Anticorrupção. Seria como alguém que praticou latrocínio deixar de ser
condenado a 30 anos de prisão só porque fez profissão de fé numa igreja
pentecostal prometendo seguir, a partir de agora, os ensinamentos da
Bíblia Sagrada.
Por todo esse absurdo, a cidadania pede socorro ao Ministério Público
para que requeira imediatamente ao Judiciário a anulação desse
regulamento espúrio que procura derrogar, revogar, neutralizar e tornar
letra morta a Lei Anticorrupção.
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