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O criador da web, Tim Berners-Lee tem alertado para o perigo da destruição da universalidade de acesso e da liberdade de navegação promovido por corporações como o Facebook, um verdadeiro jardim murado da internet. O gigante das redes de relacionamento online tem disseminado a prática do zero rating, ou seja, de fornecer a conexão gratuita aos serviços do Facebook. Como isso funciona? O Facebook paga às operadoras de telefonia o tempo de conexão utilizado pelas pessoas para acessar as páginas da rede social e suas aplicações.
Aproveitando-se dos volumosos recursos ganhos com a formação de perfis de comportamento e consumo para a publicidade, o Facebook agora quer concentrar ainda mais o tráfego da web. O acordo do Facebook com as operadoras de telefonia tem sido questionado por colocar em risco a neutralidade da rede. Caso a operadora dê prioridade de tráfego para qualquer empresa ela estará violando a neutralidade por motivos comerciais, estará criando uma via de alta velocidade para quem paga mais.
Todavia, mesmo que não exista consenso sobre a violação da neutralidade, a prática do Facebook é de domínio da rede pelo seu grande poder econômico. Sem tragar a web para o interior de suas muralhas, o Facebook já é a segunda audiência da internet no mundo. Com o zero rating em países pobres, o Facebook pretende trazer inúmeros serviços e conteúdos hoje disponíveis na web para dentro de sua plataforma. Essa concentração dará mais acesso à sua rede, o que trará ainda mais poder econômico para a corporação de Zuckerberg.
O acordo da presidenta Dilma Rousseff com o Facebook se implicar na prática do zero rating viola o artigo 14 do Marco Civil, além de colocar em risco a neutralidade de rede e privilegiar a concentração de tráfego da internet em uma empresa que colabora com o sistema de espionagem massiva da NSA.
O artigo 13 do Marco Civil manda os administradores de sistemas autônomos guardarem logs de conexão. As operadoras de telecom são administradoras de sistemas autônomos. Já o artigo 15 obriga todos os provedores de aplicação comerciais guardarem logs de acesso. Mas o artigo 14 proibe expressamente que aqueles que nos oferecem a conexão na rede acompanhe a nossa navegação, evitando uma abusiva e inaceitável violação de privacidade. Aqui está o ponto.
Como é possível para as operadoras de telecom não cobrar pelo acesso ao Facebook sem acompanhar a navegação e guardar os dados de acesso para mandar a conta para o Zucekerberg? A operacionalização do acordo Dilma-Zuckerberg se implicar em restringir a navegação na web pela via da gratuidade apenas para os serviços do Facebook implicará no desrespeito do artigo 14 do Marco Civil, defendido pelo próprio governo.
O que diz extamente o artigo 14 do Marco Civil?
"Art. 14. Na provisão de conexão, onerosa ou gratuita, é vedado guardar os registros de acesso a aplicações de internet." Dito de outra forma: quem guarda registros de conexão não pode guardar registros de navegação.
(N.B Explicação menos teórica abaixo:)
Acordo entre Dilma e fundador do Facebook pode destruir o marco civil
Segundo jornalista, a parceria entre o governo e o Facebook, anunciada na semana passada, pode significar o fim do Marco Civil e indica o caminho que Dilma pretende seguir em relação à regulamentação da Neutralidade da Rede
Raphael Tsavkko Garcia*
A presidente Dilma Rousseff, reunida com o fundador do Facebook,
Marck Zuckerberg, anunciou na sexta-feira, dia 10, uma parceria que pode
significar o fim do marco civil e indica o caminho que ela pretende
seguir em relação à regulamentação da neutralidade da rede que,
resumindo, periga ser o de vetar completamente a neutralidade em prol de
iniciativas danosas ao consumidor e liberar a prática do Zero Rating.
Dilma e Zuckerberg firmaram acordo para trazer ao Brasil o projeto Internet.org, que já funciona em países como Guatemala, Panamá, Gana, Quênia, dentre outros, e que basicamente permite acesso gratuito via celular a alguns serviços básicos (ou considerados básicos pelo Facebook e por empresas de telefonia e provedores parceiros), como a Wikipedia e, obviamente, o próprio Facebook.
Em outras palavras, a “internet grátis” que Dilma e Zuckerberg pretendem trazer ao país nada mais é que uma internet capenga, restrita a alguns serviços escolhidos por empresários interessados, e não a internet em si, com todo seu potencial, livre e irrestrita. Trata-se de um projeto que visa controlar o acesso dos indivíduos, liberando apenas sites escolhidos e aplicações definidas por terceiros, impedindo o acesso realmente livre e reduzindo a internet que uma parte considerável do mundo acessa – em especial os mais pobres – um ambiente controlado e restrito.
A neutralidade da rede como consta do marco civil e também como princípio defendido até pelo FCC americano veda expressamente a discriminação de pacotes e, obviamente, veda a prática de zero rating, que é justamente discriminar serviços e aplicativos/aplicações – e que já existe no Brasil e permanecerá existindo até que o marco civil seja totalmente regulado e da forma como ativistas e especialistas propõem.
As práticas atuais de diversas empresas de telefonia brasileiras de, por exemplo, permitir o acesso ao Whatsapp ou ao Facebook, mas vetar o acesso ou cobrar pela conexão que saia desses aplicativos (clicar em um link recebido no Whatsapp que direcione ao navegador, por exemplo e em alguns casos até mesmo assistir a um vídeo dentro do aplicativo do Facebook que consome mais dados e, logo, é cobrado) já é algo comum, e tal prática é exatamente o zero rating. Porém, ser comum não torna necessariamente algo legal ou, ao menos, ético ou saudável para o funcionamento da internet enquanto uma rede distribuída e livre.
O acordo entre Dilma e Zuckerberg prenuncia uma péssima regulamentação do artigo sobre a neutralidade da rede no marco civil, colocando em perigo o acesso dos brasileiros – de todos e todas – à internet, abrindo as portas para a criação de classes dentro da internet de acordo com o poder aquisitivo de cada indivíduo para pagar por acessos premium.
O futuro com zero rating e sem neutralidade é o de provedores não cobrarem mais pela velocidade com que você conecta, mas sim pelo conteúdo acessado e pelos aplicativos ou aplicações.
Um exemplo: é possível imaginar que uma empresa cobre não por 2 megas de velocidade ou 6 megas e com essas velocidades você em tese pode acessar do seu blog pessoal ao Youtube ou Netflix, sem discriminação, mas passe a cobrar um valor para você acessar seu blog e um valor muito mais alto para que você possa assistir a um vídeo no Youtube. Ou ainda pode permitir o acesso mais rápido a um site parceiro e diminuir a velocidade de um site que não pague nada ao provedor.
A internet é como uma estrada, não importa se você vai mais devagar ou mais rápido, no fim das contas todos passam pelos mesmos lugares e chegam a mesmo lugar, apenas em tempo diferente. Com o zero rating todos serão obrigados a pagar pedágio, mas quem pagar mais pedágio irá mais longe, enquanto você ficará pelo caminho, impedido de ir adiante.
Isso significa que a internet ficará não só mais cara, mas também que ficará elitizada.
Os mais pobres não poderão ter acesso aos mesmos sites e serviços que os mais ricos, não poderão ter o mesmo acesso ao conhecimento e ficarão restritos ao que provedores, empresas de telecomunicação e o governo permitirem o acesso. Se o provedor decidir que a Wikipedia não faz mais parte do pacote básico, azar o seu, pague um melhor ou fique sem Wikipedia – e isto vale para qualquer site ou serviço.
Há anos Dilma anunciou o PNBL, ou Programa Nacional de Banda Larga, que pretendia universalizar o acesso à internet que, porém, foi e é um completo fiasco, oferecendo velocidade quase nula por um preço abusivo e sem forçar às empresas de telecomunicação que efetivamente invistam em infraestrutura e expandam sua rede. Pior que isso, o PNBL terceiriza uma obrigação estatal, que é a de garantir infraestrutura mínima para que a população tenha acesso ao que é hoje um instrumento necessário para o aprendizado, para acesso à cultura e mesmo para a democracia, um direito humano.
Diante deste fracasso o governo resolveu tomar um atalho que, no fim, viola os direitos dos brasileiros. É uma tentativa torpe de mascarar a incompetência do governo na democratização da internet e também sua falta de interesse no processo, além de deixar claro o conflito de interesses de políticos com empresas de telecomunicação que financiam suas campanhas e que são as grandes interessadas no zero rating.
Projetos como o Internet.org parecem bonitos, filantrópicos, na teoria, mas abrem as portas para um controle sem precedentes da internet e também abrem um precedente perigoso, colocando em risco a internet em si.
Em alguns aspectos a iniciativa lembra a do fracassado PNBL, onde o governo em linhas gerais lavava as mãos e entregava às empresas de telecomunicação o trabalho de construir a infra-estrutura necessária para levar internet a todo o o país por um preço enganosamente baixo em troca de incentivos fiscais. É difícil esperar que saia algo proveitoso de tal acordo em termos gerais.
- Este texto é resultado de trocas e conversas com o ativista pela liberdade na rede João Carlos Caribé.
* Raphael Tsavkko Garcia é jornalista e blogueiro, doutorando em Direitos Humanos (Universidad de Deusto, Bilbao), mestre em Comunicação (Cásper Líbero) e bacharel em Relações Internacionais (PUCSP). Autor do blog Blog do Tsavkko – The Angry Brazilian
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algumas áreas pode virar letra morta.
Dilma e Zuckerberg firmaram acordo para trazer ao Brasil o projeto Internet.org, que já funciona em países como Guatemala, Panamá, Gana, Quênia, dentre outros, e que basicamente permite acesso gratuito via celular a alguns serviços básicos (ou considerados básicos pelo Facebook e por empresas de telefonia e provedores parceiros), como a Wikipedia e, obviamente, o próprio Facebook.
Em outras palavras, a “internet grátis” que Dilma e Zuckerberg pretendem trazer ao país nada mais é que uma internet capenga, restrita a alguns serviços escolhidos por empresários interessados, e não a internet em si, com todo seu potencial, livre e irrestrita. Trata-se de um projeto que visa controlar o acesso dos indivíduos, liberando apenas sites escolhidos e aplicações definidas por terceiros, impedindo o acesso realmente livre e reduzindo a internet que uma parte considerável do mundo acessa – em especial os mais pobres – um ambiente controlado e restrito.
A neutralidade da rede como consta do marco civil e também como princípio defendido até pelo FCC americano veda expressamente a discriminação de pacotes e, obviamente, veda a prática de zero rating, que é justamente discriminar serviços e aplicativos/aplicações – e que já existe no Brasil e permanecerá existindo até que o marco civil seja totalmente regulado e da forma como ativistas e especialistas propõem.
As práticas atuais de diversas empresas de telefonia brasileiras de, por exemplo, permitir o acesso ao Whatsapp ou ao Facebook, mas vetar o acesso ou cobrar pela conexão que saia desses aplicativos (clicar em um link recebido no Whatsapp que direcione ao navegador, por exemplo e em alguns casos até mesmo assistir a um vídeo dentro do aplicativo do Facebook que consome mais dados e, logo, é cobrado) já é algo comum, e tal prática é exatamente o zero rating. Porém, ser comum não torna necessariamente algo legal ou, ao menos, ético ou saudável para o funcionamento da internet enquanto uma rede distribuída e livre.
O acordo entre Dilma e Zuckerberg prenuncia uma péssima regulamentação do artigo sobre a neutralidade da rede no marco civil, colocando em perigo o acesso dos brasileiros – de todos e todas – à internet, abrindo as portas para a criação de classes dentro da internet de acordo com o poder aquisitivo de cada indivíduo para pagar por acessos premium.
O futuro com zero rating e sem neutralidade é o de provedores não cobrarem mais pela velocidade com que você conecta, mas sim pelo conteúdo acessado e pelos aplicativos ou aplicações.
Um exemplo: é possível imaginar que uma empresa cobre não por 2 megas de velocidade ou 6 megas e com essas velocidades você em tese pode acessar do seu blog pessoal ao Youtube ou Netflix, sem discriminação, mas passe a cobrar um valor para você acessar seu blog e um valor muito mais alto para que você possa assistir a um vídeo no Youtube. Ou ainda pode permitir o acesso mais rápido a um site parceiro e diminuir a velocidade de um site que não pague nada ao provedor.
A internet é como uma estrada, não importa se você vai mais devagar ou mais rápido, no fim das contas todos passam pelos mesmos lugares e chegam a mesmo lugar, apenas em tempo diferente. Com o zero rating todos serão obrigados a pagar pedágio, mas quem pagar mais pedágio irá mais longe, enquanto você ficará pelo caminho, impedido de ir adiante.
Isso significa que a internet ficará não só mais cara, mas também que ficará elitizada.
Os mais pobres não poderão ter acesso aos mesmos sites e serviços que os mais ricos, não poderão ter o mesmo acesso ao conhecimento e ficarão restritos ao que provedores, empresas de telecomunicação e o governo permitirem o acesso. Se o provedor decidir que a Wikipedia não faz mais parte do pacote básico, azar o seu, pague um melhor ou fique sem Wikipedia – e isto vale para qualquer site ou serviço.
Há anos Dilma anunciou o PNBL, ou Programa Nacional de Banda Larga, que pretendia universalizar o acesso à internet que, porém, foi e é um completo fiasco, oferecendo velocidade quase nula por um preço abusivo e sem forçar às empresas de telecomunicação que efetivamente invistam em infraestrutura e expandam sua rede. Pior que isso, o PNBL terceiriza uma obrigação estatal, que é a de garantir infraestrutura mínima para que a população tenha acesso ao que é hoje um instrumento necessário para o aprendizado, para acesso à cultura e mesmo para a democracia, um direito humano.
Diante deste fracasso o governo resolveu tomar um atalho que, no fim, viola os direitos dos brasileiros. É uma tentativa torpe de mascarar a incompetência do governo na democratização da internet e também sua falta de interesse no processo, além de deixar claro o conflito de interesses de políticos com empresas de telecomunicação que financiam suas campanhas e que são as grandes interessadas no zero rating.
Projetos como o Internet.org parecem bonitos, filantrópicos, na teoria, mas abrem as portas para um controle sem precedentes da internet e também abrem um precedente perigoso, colocando em risco a internet em si.
Pouco se sabe efetivamente sobre como será o projeto, mas por tudo
que tem sido dito e ventilado, a diferença principal entre este projeto
acordado por Brasil e Zuckerberg e o Internet.org é que o segundo é
voltado para celulares, ou seja, conexão móvel, e o projeto do Facebook
no Brasil visa também investimento em infra-estrutura, conexões físicas
via PC, o computador tradicional. Na questão do Zero Rating e da
limitação da navegação a sites escolhidos não se sabe como será o
programa – pese a quase certeza de que ao menos na internet móvel a
limitação de acesso será efetiva -, mas é provável que seja muito
semelhante ao Internet.org.
Um grande problema, porém, é a virtual terceirização da obrigação de
garantir internet para todos, o Facebook tem o objetivo claro de não
apenas lucrar, mas também aumentar sua penetração no mercado brasileiro
e, claro, criar parcerias vantajosas com empresas de telecomunicação
locais.
Em alguns aspectos a iniciativa lembra a do fracassado PNBL, onde o governo em linhas gerais lavava as mãos e entregava às empresas de telecomunicação o trabalho de construir a infra-estrutura necessária para levar internet a todo o o país por um preço enganosamente baixo em troca de incentivos fiscais. É difícil esperar que saia algo proveitoso de tal acordo em termos gerais.
- Este texto é resultado de trocas e conversas com o ativista pela liberdade na rede João Carlos Caribé.
* Raphael Tsavkko Garcia é jornalista e blogueiro, doutorando em Direitos Humanos (Universidad de Deusto, Bilbao), mestre em Comunicação (Cásper Líbero) e bacharel em Relações Internacionais (PUCSP). Autor do blog Blog do Tsavkko – The Angry Brazilian
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