Neutralidade de rede: um forte motivo para Dilma não curtir o Internet.org
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Por Paulo Rená, diretor do IBIDEM
Durante a Sétima Reunião de Cúpula das Américas, realizada no Panamá, a Presidente Dilma Rousseff se encontrou com o Presidente do Facebook, Mark Zuckerberg. A chefe de Estado elogiou a rede social como "um dos grandes produtos que geraram a revolução digital" e anunciou uma parceria do governo brasileiro com a iniciativa Internet.org para fomentar a inclusão digital.
Já em funcionamento
na Colômbia, em Gana, na Indonésia, no Quênia e na Tanzânia, o
Internet.org é um projeto liderado pelo Facebook em conjunto com
Ericsson, Mediatek, Opera, Samsung, Nokia e Qualcomm e assume a missão
de "dar à maioria do mundo desconectado o poder de se conectar".
Mas nem tudo são flores.
Poucos dias depois, no entanto, importantes parceiros abandonaram o projeto na Índia.
Todas as empresas desistentes foram bastante claras ao expressarem sua
preocupação em não violarem a neutralidade de rede: o modelo de negócios
do Internet.org, por detrás da promessa de expansão da infraestrutura
de conexão e da aparente oferta gratuita de acesso, envolve uma perversa
quebra da igualdade no tratamento dos pacotes de dados e na liberdade
dos consumidores.
Entre as diversas manifestações, destacam-se as palavras com as quais a empresa de viagens Cleartrip veio a público explicar por que estava saindo fora do Internet.org:
Algumas semanas atrás, o Facebook estendeu a mão e nos pediu para participar na iniciativa Internet.org com a intenção de nos ajudar a entregar um de nossos produtos mais acessíveis para as partes mais carentes do país. Não houve acordo de receita entre nós e o Internet.org ou qualquer dos seus participantes - nem nos pagaram nada, nem pagamos nada para participar. Além disso, não fazemos nenhum dinheiro com esse produto. Como não havia absolutamente zero dinheiro mudando de mãos, nós realmente acreditávamos que estávamos contribuindo para uma causa social.
Mas o recente debate em torno da #Neutralidade da rede nos deu uma pausa para repensar a nossa abordagem sobre o Internet.org e a ideia de grandes corporações se envolverem em selecionar e escolher quem tem acesso a o quê e com qual velocidade. O que começou com o fornecimento de um serviço de busca simples, agora nos deixou preocupados em influenciar a tomada de decisão dos clientes, ao forçar as opções para eles, algo que é contra o nosso DNA nuclear.
Assim, enquanto a nossa intenção original era nobre, é impossível fingir que não há conflito de interesses (tanto real e percebido) na nossa decisão de ser um participante do Internet.org. À luz disto, a Cleartrip retirou inteiramente a nossa associação com e participação no Internet.org.
Acreditamos que a internet é um grande nivelador e que a liberdade da internet é fundamental para a inovação. A Cleartrip é e sempre será uma apoiadora totalmente comprometida com a #Neutralidade.
Sim, se trata de uma percepção bastante sofisticada e há polêmica. Todavia, depois de todos os debates
em torno da neutralidade de rede, que inclusive empacaram por meses o
funcionamento do Congresso Nacional, é muito surpreendente (inclusive para estrangeiros)
que a Presidenta não se mostre, de imediato, sensível a essa questão,
tão crucial que os mais pessimistas chegam a dizer que poderia destruir o que mais importa no Marco Civil.
Vale lembrar que no Brasil a neutralidade de rede já é um direito protegido por lei em vigor desde o ano passado, mas na Índia, assim como na maior parte do mundo, a questão do zero-rating
(ou cobrança zero) é controversa e ainda está sob forte discussão.
Mesmo aqui, as exceções admitidas pela lei ainda dependem de um
regulamento, a ser editado pelo Poder Executivo após ouvir a sociedade, além do CGI e a ANATEL.
Menos
mal para nós, que defendemos a neutralidade de rede no Brasil, que a
coisa ainda não tenha chegado sequer ao papel: em entrevista, Dilma afirmou
que a conversa com o Zuckerberg será formalizada apenas depois de
junho, quando uma proposta para o Internet.org oferecer infraestrutura
de conexão começará a ser concretizada junto ao governo federal. Desde
já, pesquisadores, advogados e ativistas estão em alerta, à espera de
saber se essa parceria realmente ocorrerá e como será efetivada.
Em
todo o caso, antes de posar novamente vestindo a jaqueta do Facebook, a
presidenta Dilma Rousseff deveria ter o cuidado de retomar o saudável
diálogo que empreendeu com as organizações da sociedade civil
que tanto se mobilizaram para a aprovação do Marco Civil da Internet no
Brasil, e que se mostram realmente comprometidas com o futuro de uma
internet livre, neutra e aberta.
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