Sem proteção
“Bem-vindos ao clube” — ela poderia dizer à presidente e à dúzia de funcionários brasileiros que no fim de semana se descobriram na lista de “interesse primário" da Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos (NSA, na sigla em inglês). Lúcia sabe o que isso significa.
No verão de 1997, o noticiário estava dominado pelo assassinato de Gianni Versace em Miami, tema incontornável para mulheres como Lúcia, em Washington, e Diana, em Paris, que conheciam e até vestiam Versace. Mas Diana telefonara para contar um segredo à amiga, mulher do embaixador do Brasil em Washington Paulo de Tarso Flecha de Lima: seu namorado comprara o anel de noivado.
Dez dias depois, na madrugada de sábado 30 de agosto, a princesa Diana e o namorado Dodi al Fayed morreram num acidente de carro, em Paris. Mark Zaid, advogado dos Fayed, confirmou durante o inquérito que a NSA havia captado conversas entre Lúcia e Diana, “sobre escapadas sexuais em que a princesa estava envolvida".
Zaid, cuja reputação foi consolidada no processo contra o líder líbio Kadafi, pelo atentado terrorista de 1988 contra o avião da Pan Am, esclareceu recentemente: “A agência não monitorava Diana. Estava monitorando o Brasil, por causa das negociações sigilosas que aconteciam sobre as florestas tropicais brasileiras.” A mulher do embaixador caíra na malha das interceptações da NSA compartilhadas com Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia.
A lista divulgada sábado pelo Wikileaks confirma a rotina de espionagem sobre o Brasil. Documentos revelados em 2013 indicavam a dimensão da rede que em Brasília até hospedava — não se sabe se continua — uma força-tarefa da NSA e da CIA (“Special Collection Service") com capacidade para atualizar informes sobre a Petrobras a cada 72 horas, a partir da coleta na rede da empresa e do governo.
Às vezes, os grampos derivam em escândalos: na vida privada da princesa; na competição pela venda de radares para a Amazônia; ou na política, com Lula negociando o programa nuclear do Irã. O objetivo, atesta a codificação (S2C42 e S2C51) da NSA, é informar a um grupo (alguns no Congresso) de múltiplos interesses políticos e econômicos nas relações com o Brasil.
Wikileaks não expôs o conteúdo dos arquivos, portanto permanece em segredo o teor das conversas captadas em Brasília. Com se sabe, tudo é gravado — inclusive coisas relevantes, como mostram registros recém-vazados sobre as apreensões do presidente François Hollande com o impacto da crise da Grécia na economia da França. Hollande e ministros foram grampeados na terça-feira 22 de maio de 2012 e o conteúdo foi classificado com raríssimo grau de sigilo no padrão NSA (“Gamma”), usado na Guerra Fria para gram
Brasília é um centro de espionagem, não só americana. Foram invadidos 28 sistemas governamentais de telefonia (fixa e celular) nos palácios, Banco Central e Itamaraty, além do avião presidencial, via centrais de rede, de computação (PABX) e de comunicação por satélite. Dilma pode dizer que está tudo “superado”. A conveniência não elimina o fato de que ela, o governo e a sociedade continuam tão vulneráveis e desprotegidos quanto estavam Lúcia e Diana na troca de segredos ao telefone.
Fonte: José Casado, jornalista
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