Bruno Ribeiro, Fabiana Cambricoli - O Estado de S. Paulo
30 Agosto 2015 | 03h 00
Serviço criado há 2 anos e meio pelo Estado já atendeu 1.378 pessoas; maioria das intervenções ocorreu por decisão da família
Desesperada com o vício do filho
em crack, a dona de casa Janicleide de Araújo Xavier, de 43 anos, foi
uma das primeiras a procurar o serviço de internação forçada do governo
do Estado em janeiro de 2013. Naquele mês, o governador Geraldo Alckmin
(PSDB) havia acabado de anunciar uma parceria da Secretaria da Saúde com
o Poder Judiciário para facilitar o tratamento a usuários de drogas,
mesmo sem o consentimento dos dependentes.
Nos cerca de dois anos e meio do serviço, um usuário foi internado à força a cada 16 horas na região da cracolândia, segundo dados da Secretaria Estadual da Saúde obtidos pelo Estado. Entre 21 de janeiro de 2013 e 2 de agosto deste ano, 1.378 pessoas foram enviadas para clínicas de reabilitação contra a vontade.
A maioria das internações – 1.359 – ocorreu por decisão da família com o parecer médico, a chamada internação involuntária. Outras 19 foram feitas de forma compulsória, ou seja, por decisão de juiz. No mesmo período, foram realizadas 8.792 internações voluntárias, nas quais há o consentimento do dependente, totalizando 10.155 atendimentos.
Em alguns casos, recaídas fizeram a família pedir diversas vezes a internação forçada do paciente. É o caso do filho de Janicleide. Usuário de crack e portador de esquizofrenia, Jeferson, de 25 anos, passou por cinco internações involuntárias desde o início do serviço do Plantão Judiciário montado pelo governo do Estado no Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod), na Luz, região da cracolândia.
“Ele fugiu duas vezes das clínicas e, nas outras, ficava pouco tempo internado. O tratamento era bom, mas ficava um mês e já tinha alta, bagunçava a cabeça dele”, diz Janicleide. Em uma das fugas, Jeferson tentou cometer um roubo e acabou preso.
Depois de um ano e meio na prisão, o jovem foi encaminhado novamente para internação involuntária, onde está desde abril.
A gestão estadual diz que, avaliando pouco mais de 2 mil pacientes internados, voluntária ou involuntariamente, cerca de 16% voltaram a procurar o serviço por causa de recaídas. Não é possível afirmar, no entanto, que os demais não voltaram a consumir drogas. Como apenas 400 deles deixaram telefone de contato, o monitoramento é difícil. Alguns, mesmo depois de internações, voltam para a cracolândia, cortando o contato até mesmo com a família.
Desde fevereiro, esse é o drama vivido pelo motorista Samuel de Paula, de 51 anos. Depois de duas internações involuntárias, o filho dele, S., de 19 anos, voltou para as ruas e nunca mais fez contato com a família.
“Eu tinha esperança de que essas internações iam resolver o problema. Ele chegou a arranjar um emprego, mas tivemos um problema na família e ele voltou para as drogas”, conta. Segundo o motorista, S. teve desentendimentos com a mãe e fugiu. “Ela o chamava de ‘noia’, falava para ele voltar para a cracolândia. Às vezes acho que a família também devia receber tratamento”, diz.
Críticas. Especialistas criticam a efetividade da política estadual que facilitou a internação de dependentes químicos. Segundo a lei antimanicomial, de 2001, a medida só deve ser adotada quando todos os recursos extra-hospitalares forem esgotados.
Nos dois anos e meio do Plantão Judiciário no Cratod, metade dos atendimentos feitos se transformou em internação. “Uma internação para cada dois atendimentos é um número muito alto”, afirma Arthur Guerra de Andrade, presidente executivo do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa) e professor da Universidade de São Paulo (USP).
Docente da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Dartiu Xavier da Silveira diz que, segundo estudos internacionais, “a internação é mais cara e um pouco menos eficaz do que o tratamento ambulatorial”.
Coordenador do Recomeço, programa estadual de combate à dependência, o psiquiatra Ronaldo Laranjeira afirma que a internação é apenas uma fase do projeto terapêutico oferecido pelo governo. “É preciso dissipar a ideia de que a gente só interna. Não é verdade. Nós temos uma linha de cuidado com etapas de reinserção, assistência social, apoio à família. Só que muitos dependentes são doentes crônicos graves e precisam, eventualmente, ir para clínicas de desintoxicação”, relata.
Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Antônio Geraldo da Silva diz que há casos em que a internação involuntária é realmente necessária. “Com certeza essas internações não acontecem somente por pressão da família, elas tinham indicação médica.”
Nos cerca de dois anos e meio do serviço, um usuário foi internado à força a cada 16 horas na região da cracolândia, segundo dados da Secretaria Estadual da Saúde obtidos pelo Estado. Entre 21 de janeiro de 2013 e 2 de agosto deste ano, 1.378 pessoas foram enviadas para clínicas de reabilitação contra a vontade.
A maioria das internações – 1.359 – ocorreu por decisão da família com o parecer médico, a chamada internação involuntária. Outras 19 foram feitas de forma compulsória, ou seja, por decisão de juiz. No mesmo período, foram realizadas 8.792 internações voluntárias, nas quais há o consentimento do dependente, totalizando 10.155 atendimentos.
Em alguns casos, recaídas fizeram a família pedir diversas vezes a internação forçada do paciente. É o caso do filho de Janicleide. Usuário de crack e portador de esquizofrenia, Jeferson, de 25 anos, passou por cinco internações involuntárias desde o início do serviço do Plantão Judiciário montado pelo governo do Estado no Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod), na Luz, região da cracolândia.
“Ele fugiu duas vezes das clínicas e, nas outras, ficava pouco tempo internado. O tratamento era bom, mas ficava um mês e já tinha alta, bagunçava a cabeça dele”, diz Janicleide. Em uma das fugas, Jeferson tentou cometer um roubo e acabou preso.
Depois de um ano e meio na prisão, o jovem foi encaminhado novamente para internação involuntária, onde está desde abril.
A gestão estadual diz que, avaliando pouco mais de 2 mil pacientes internados, voluntária ou involuntariamente, cerca de 16% voltaram a procurar o serviço por causa de recaídas. Não é possível afirmar, no entanto, que os demais não voltaram a consumir drogas. Como apenas 400 deles deixaram telefone de contato, o monitoramento é difícil. Alguns, mesmo depois de internações, voltam para a cracolândia, cortando o contato até mesmo com a família.
Desde fevereiro, esse é o drama vivido pelo motorista Samuel de Paula, de 51 anos. Depois de duas internações involuntárias, o filho dele, S., de 19 anos, voltou para as ruas e nunca mais fez contato com a família.
“Eu tinha esperança de que essas internações iam resolver o problema. Ele chegou a arranjar um emprego, mas tivemos um problema na família e ele voltou para as drogas”, conta. Segundo o motorista, S. teve desentendimentos com a mãe e fugiu. “Ela o chamava de ‘noia’, falava para ele voltar para a cracolândia. Às vezes acho que a família também devia receber tratamento”, diz.
Críticas. Especialistas criticam a efetividade da política estadual que facilitou a internação de dependentes químicos. Segundo a lei antimanicomial, de 2001, a medida só deve ser adotada quando todos os recursos extra-hospitalares forem esgotados.
Nos dois anos e meio do Plantão Judiciário no Cratod, metade dos atendimentos feitos se transformou em internação. “Uma internação para cada dois atendimentos é um número muito alto”, afirma Arthur Guerra de Andrade, presidente executivo do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa) e professor da Universidade de São Paulo (USP).
Docente da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Dartiu Xavier da Silveira diz que, segundo estudos internacionais, “a internação é mais cara e um pouco menos eficaz do que o tratamento ambulatorial”.
Coordenador do Recomeço, programa estadual de combate à dependência, o psiquiatra Ronaldo Laranjeira afirma que a internação é apenas uma fase do projeto terapêutico oferecido pelo governo. “É preciso dissipar a ideia de que a gente só interna. Não é verdade. Nós temos uma linha de cuidado com etapas de reinserção, assistência social, apoio à família. Só que muitos dependentes são doentes crônicos graves e precisam, eventualmente, ir para clínicas de desintoxicação”, relata.
Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Antônio Geraldo da Silva diz que há casos em que a internação involuntária é realmente necessária. “Com certeza essas internações não acontecem somente por pressão da família, elas tinham indicação médica.”
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