Ponto de Partida
Edição 1882 de 31 de julho a 6 de agosto de 2011
Elder Dias
Elder Dias
Procura-se um político honesto
Pragmático e desiludido, o eleitor em geral só vê ladrão na política. E nem adianta quem for inocente achar ruim
O filósofo Diógenes e sua inseparável lanterna caçadora de honestidade,
em tela de J. H. W. Tischbein
em tela de J. H. W. Tischbein
Este artigo é escrito com a ingenuidade da Velhinha de Taubaté, aquela
senhorinha filha da criatividade de Luis Fernando Verissimo que
acreditava religiosamente na honestidade dos homens e dos políticos. Só
que a motivação deste texto é inversa. Não é confirmar a crença da idosa
na boa vontade dos poderosos. O mote das linhas que se seguem é
justamente o contrário: dizer que todo político é corrupto, até que se
prove o contrário.
Não adianta os honestos chiarem. Sim, políticos honestos, eles existem! A esses justos — uma minoria que paga e pagará, com a mancha de sua honra, pelo comportamento dos pecadores – é inútil e nada produtivo lutar contra esse sentimento geral da Nação: no imaginário da população brasileira, a imagem do político ladrão já está consolidada. Podem até considerá-lo trabalhador, fazedor de obras, responsável, lutador, simpático, atencioso, disponível, competente, etc., etc. Mas será difícil, dificílimo, que esse político também não seja enxergado por esse mesmo brasileirinho, que o classifica de tais formas, com outro adjetivo: corrupto.
Obviamente, a culpa não é dos detentores de poder nos dias de hoje. A classe política e os que a cercam vêm roubando o País desde que se instalaram burocraticamente por aqui. Brasil Colônia, Brasil Império, Brasil República, República Velha, política do café-com-leite, Estado Novo, era desenvolvimentista, governos militares, Nova República até os dias atuais: em cada uma dessas fases, em maior ou menor grau, o País foi saqueado do Oiapoque ao Chuí, da câmara de vereadores da menor cidadezinha ao Palácio do Catete ou à Praça dos Três Poderes.
Daí o estranhamento embasbacado de todos os que, cumprindo a missão do grego Diógenes – o filósofo que, com uma lâmpada em punho, procurava um homem virtuoso pelas ruas de Atenas – encontram alguém aparentemente honesto na política. Entre os próprios políticos, alguém que se caracterize por certo zelo “excessivo” com a probidade é visto como um ET: mas como, esse cara não quer receber verba de gabinete? Ele não vai aceitar o auxílio-moradia? É, literalmente, um estranho no ninho das raposas – que, claro, já tomaram o galinheiro e devoraram as galinhas.
É bom aqui relatar outra redundância: a de que o Brasil não detém exclusividade de celeiro de políticos ladrões. Uma terceira obviedade, entretanto, é a de que o mesmo Brasil retém, com justiça, a fama corrente de país corrupto mundo afora.
Mas aqui ou alhures, a corrupção dos valores da política é tamanha que alguns já foram assimilados como “coisa da política”. Ou seja, passaram a ser parte do “jogo”. Algo semelhante aconteceu com o futebol, não por acaso a paixão nacional: rezava o antigo “fair play” do esporte que o jogador não deveria tentar enganar o árbitro.
Mimi Sodré, artilheiro do Botafogo na década de 1910, foi ainda mais radical: acusava o próprio erro para o juiz. Assim relata, sobre o jogador, o jornalista Mario Filho no livro “O Negro no Futebol Brasileiro”:
“Às vezes ele estava a três passos do gol, era só empurrar a bola, o referee [árbitro] não tinha visto nada, se a bola entrasse apontaria para o meio-de-campo. Mimi Sodré não queria saber disso. A bola batera na mão dele, era hands [mão na bola], e hands não valia. [...] Certas vezes, aquele gesto tirava uma vitória do Botafogo. O gol feito, o referee apontando para o centro. Mimi Sodré vinha e estragava tudo, levantando o dedo. Ficava o gesto como único consolo.”
Em um jogo pela seleção militar brasileira contra o Chile, Mimi Sodré falou ao juiz para anular um gol que ele tinha feito, mas no qual a bola tocara-lhe a mão antes. De sua atitude à de Diego Maradona e Túlio Maravilha fazendo belos gols com a mão e se vangloriando disso, passou-se quase um século. Mudança de costumes no futebol.
Assim também ocorre com os hábitos na política. A corrupção está tão entranhada que certas ações ganharam o nome de “manobras”. É o caso de movimentações para travar a pauta do Congresso – como a da mobilização da bancada evangélica contra o kit gay – ou a ameaça de uma “rebeldia contra a base” se não houver atendimento a reivindicações pessoais – geralmente cargos ou pastas no governo. Chantagem virou “estratégia”.
Falamos, até aqui, do que virou uma espécie de corrupção lícita. Essa o povo em geral nem conta mesmo como “defeito” do político. O problema é que o “rouba, mas faz” passa, a cada dia, a ganhar mais adeptos no eleitorado carente de referências contrapostas a esse padrão. Parece não haver mimis-sodrés de terno e gravata.
Assim, o que exige o eleitor é que seu político mostre algo de útil, ainda que desvie algumas verbas e receba certa quantia de propina. Pragmático e desiludido, o eleitor só quer ver o resultado. E como não crê que exista político que não roube, aquele que respeita o erário mas não consegue mostrar o resultado de seu trabalho será castigado na próxima eleição.
Fica bem na fita aquele político que mostra ações, não importa o que esconda por trás. Esses são os mais perigosos, porque conseguem se perpetuar no poder. É por meio deles que ocorre a hemorragia de verbas que, em última escala, causa a falta de escolas e hospitais.
São também esses políticos os maiores responsáveis pela necessidade cada vez maior de novos presídios. Não para eles, porque crime do colarinho branco dar cadeia é mais difícil do que encontrar um novo Mimi Sodré no futebol. Novos presídios são necessários para atender à clientela produzida pela falta de recursos para a educação.
Onde estão esses recursos? Estão nas mansões milionárias erguidas por quem passou uma temporada no governo; estão naquele jatinho do deputado que uma década antes andava de carro popular; estão na casa de praia do político que multiplicou seu patrimônio por 20 em poucos anos, mas não consegue fazer o mesmo para obter verbas para seu Estado.
Milhões de cruzes dos cemitérios brasileiros são o resultado final do dinheiro público desviado – direta ou indiretamente, por ação ou omissão – de estradas, hospitais, escolas, creches, pontes, parques e do salário de servidores. Enquanto isso, nas câmaras, assembleias e palácios, Diógenes procura avidamente por Mimi Sodré.
Não adianta os honestos chiarem. Sim, políticos honestos, eles existem! A esses justos — uma minoria que paga e pagará, com a mancha de sua honra, pelo comportamento dos pecadores – é inútil e nada produtivo lutar contra esse sentimento geral da Nação: no imaginário da população brasileira, a imagem do político ladrão já está consolidada. Podem até considerá-lo trabalhador, fazedor de obras, responsável, lutador, simpático, atencioso, disponível, competente, etc., etc. Mas será difícil, dificílimo, que esse político também não seja enxergado por esse mesmo brasileirinho, que o classifica de tais formas, com outro adjetivo: corrupto.
Obviamente, a culpa não é dos detentores de poder nos dias de hoje. A classe política e os que a cercam vêm roubando o País desde que se instalaram burocraticamente por aqui. Brasil Colônia, Brasil Império, Brasil República, República Velha, política do café-com-leite, Estado Novo, era desenvolvimentista, governos militares, Nova República até os dias atuais: em cada uma dessas fases, em maior ou menor grau, o País foi saqueado do Oiapoque ao Chuí, da câmara de vereadores da menor cidadezinha ao Palácio do Catete ou à Praça dos Três Poderes.
Daí o estranhamento embasbacado de todos os que, cumprindo a missão do grego Diógenes – o filósofo que, com uma lâmpada em punho, procurava um homem virtuoso pelas ruas de Atenas – encontram alguém aparentemente honesto na política. Entre os próprios políticos, alguém que se caracterize por certo zelo “excessivo” com a probidade é visto como um ET: mas como, esse cara não quer receber verba de gabinete? Ele não vai aceitar o auxílio-moradia? É, literalmente, um estranho no ninho das raposas – que, claro, já tomaram o galinheiro e devoraram as galinhas.
É bom aqui relatar outra redundância: a de que o Brasil não detém exclusividade de celeiro de políticos ladrões. Uma terceira obviedade, entretanto, é a de que o mesmo Brasil retém, com justiça, a fama corrente de país corrupto mundo afora.
Mas aqui ou alhures, a corrupção dos valores da política é tamanha que alguns já foram assimilados como “coisa da política”. Ou seja, passaram a ser parte do “jogo”. Algo semelhante aconteceu com o futebol, não por acaso a paixão nacional: rezava o antigo “fair play” do esporte que o jogador não deveria tentar enganar o árbitro.
Mimi Sodré, artilheiro do Botafogo na década de 1910, foi ainda mais radical: acusava o próprio erro para o juiz. Assim relata, sobre o jogador, o jornalista Mario Filho no livro “O Negro no Futebol Brasileiro”:
“Às vezes ele estava a três passos do gol, era só empurrar a bola, o referee [árbitro] não tinha visto nada, se a bola entrasse apontaria para o meio-de-campo. Mimi Sodré não queria saber disso. A bola batera na mão dele, era hands [mão na bola], e hands não valia. [...] Certas vezes, aquele gesto tirava uma vitória do Botafogo. O gol feito, o referee apontando para o centro. Mimi Sodré vinha e estragava tudo, levantando o dedo. Ficava o gesto como único consolo.”
Em um jogo pela seleção militar brasileira contra o Chile, Mimi Sodré falou ao juiz para anular um gol que ele tinha feito, mas no qual a bola tocara-lhe a mão antes. De sua atitude à de Diego Maradona e Túlio Maravilha fazendo belos gols com a mão e se vangloriando disso, passou-se quase um século. Mudança de costumes no futebol.
Assim também ocorre com os hábitos na política. A corrupção está tão entranhada que certas ações ganharam o nome de “manobras”. É o caso de movimentações para travar a pauta do Congresso – como a da mobilização da bancada evangélica contra o kit gay – ou a ameaça de uma “rebeldia contra a base” se não houver atendimento a reivindicações pessoais – geralmente cargos ou pastas no governo. Chantagem virou “estratégia”.
Falamos, até aqui, do que virou uma espécie de corrupção lícita. Essa o povo em geral nem conta mesmo como “defeito” do político. O problema é que o “rouba, mas faz” passa, a cada dia, a ganhar mais adeptos no eleitorado carente de referências contrapostas a esse padrão. Parece não haver mimis-sodrés de terno e gravata.
Assim, o que exige o eleitor é que seu político mostre algo de útil, ainda que desvie algumas verbas e receba certa quantia de propina. Pragmático e desiludido, o eleitor só quer ver o resultado. E como não crê que exista político que não roube, aquele que respeita o erário mas não consegue mostrar o resultado de seu trabalho será castigado na próxima eleição.
Fica bem na fita aquele político que mostra ações, não importa o que esconda por trás. Esses são os mais perigosos, porque conseguem se perpetuar no poder. É por meio deles que ocorre a hemorragia de verbas que, em última escala, causa a falta de escolas e hospitais.
São também esses políticos os maiores responsáveis pela necessidade cada vez maior de novos presídios. Não para eles, porque crime do colarinho branco dar cadeia é mais difícil do que encontrar um novo Mimi Sodré no futebol. Novos presídios são necessários para atender à clientela produzida pela falta de recursos para a educação.
Onde estão esses recursos? Estão nas mansões milionárias erguidas por quem passou uma temporada no governo; estão naquele jatinho do deputado que uma década antes andava de carro popular; estão na casa de praia do político que multiplicou seu patrimônio por 20 em poucos anos, mas não consegue fazer o mesmo para obter verbas para seu Estado.
Milhões de cruzes dos cemitérios brasileiros são o resultado final do dinheiro público desviado – direta ou indiretamente, por ação ou omissão – de estradas, hospitais, escolas, creches, pontes, parques e do salário de servidores. Enquanto isso, nas câmaras, assembleias e palácios, Diógenes procura avidamente por Mimi Sodré.
Nenhum comentário:
Postar um comentário