Cartaz no Rio de Janeiro |
Artigo de Fernando Gabeira, publicado hoje no jornal O Globo, declarando ser favorável à saída de Dilma: "Não
tenho meta: impeachment ou renúncia. Mas quando chegar a essa meta,
desejaria dobrá-la e levar também Eduardo Cunha e Renan Calheiros".
Hoje é
domingo, dia de manifestação. Dia singular, pois podemos sair às ruas e
dizer em alta voz o que queremos para o país. Digo singular porque o
grito nas ruas nos libera do esforço, construindo mediações nas relações
cotidianas. Outro dia, ia entrevistar um prefeito do PT no interior a
propósito de algo muito positivo que acontece em sua cidade. No entanto,
eu me vi planejando uma pergunta indispensável, com o máximo de
diplomacia: “O que o senhor acha dessas coisas que acontecem com o PT?”
Entre
amigos, às vezes, a discussão sobre política vai para a sobremesa. Mesmo
reconhecendo o desastre do projeto do PT, há os que ainda,
sentimentalmente de esquerda, temem as mudanças. Nesses casos, é
possível uma abstração ainda maior, quando tocamos no tema:
— Está grave a crise.
— Gravíssima.
É um diálogo parecido com os ouvidos no interior:
— Compadre, vem chuva.
— Vem não, esse vento engana.
— Olha que vem, compadre.
A partir
de um grito coletivo, como o de hoje, sem ferir a sensibilidade do
outro, será mais fácil demonstrar que não é possível, nesse momento,
deixar de considerar uma solução para a crise.
Sou pela
saída de Dilma. Não tenho meta: impeachment ou renúncia. Mas quando
chegar a essa meta, desejaria dobrá-la e levar também Eduardo Cunha e
Renan Calheiros. Essa frase de não ter meta e dobrá-la ao atingi-la me
lembra o zen-budismo. Uma de formas de transmissão de seus ensinamentos é
o koan, de um modo geral uma frase desconcertante: ouvir o batido da
palma de uma só mão.
Dilma é
uma mestre zen que tomou um porre de saquê. Uma boa razão para segui-la.
Outro dia, em Mumbuca, no Jalapão, os fiéis saíram do culto na igreja
local e comeram uma imensa bacia de mandioca. Logo depois, passei por
uma casa em que a mulher raspava a mandioca e os filhos a molhavam e
amassavam. Saudei os produtores de mandioca. Se saudasse apenas a
própria, podiam não entender. Cumpri meu dever cívico.
Respeitosamente,
portanto, analiso os caminhos da queda. O impeachment é algo feito nas
instituições. É preciso alguém investigar as contas, tribunal julgar,
advogados pra cá, advogados pra lá, enfim, algo que corre muito longe do
alcance de um indivíduo. Só podemos vigiar e cobrar. Já a renúncia
depende mais da sociedade, de suas formas de demonstrar que não quer ser
governada por ela. Dilma tem 8% de aprovação. Existem duas maneiras de
ver seu futuro. Ela pode se convencer do movimento declinante e, num
gesto de grandeza, renunciar. Ou ela pode chegar a 1% de aprovação e
também, num gesto de grandeza, renunciar, dizendo: “Nunca um presidente
será tão impopular como eu”.
Ela terá
de escolher entre entrar para a História ou para o “Guinness”. Isso não
significa subestimar o caminho institucional do impeachment. Apenas
fazer o que está ao alcance da sociedade. Dependem dela o ritmo e a
intensidade da pressão sobre Dilma.
Dá uma
certa ansiedade ver o Brasil sem rumo. Dilma mostra que ganhou o apoio
da UNE e do MST. Agora vai. Fechada no gueto, promove atos
cirurgicamente preparados para evitar protestos. Apenas uma forma de
dizer que está viva. Os jornais falam que Renan Calheiros foi chamado a
salvar Dilma. Mas quem salvará o salvador? Renan está implicado na
Lava-Jato e ainda corre aquele processo em que empreiteiras pagavam a
mesada de sua bela amante.
Essa
dança de encontros em Brasília é, na verdade, um ritual vazio, destinado
a jogar areia nos olhos da plateia. Todos sabem que a polícia está
chegando e que a crise econômica não se debela com algumas medidas
anotadas no guardanapo do bar. A mais recente aparição de Dilma foi em
Roraima. Ela estava inaugurando casas. O discurso sobre a casa é mais
patético que os outros porque faz sentido, é possível detectar alguma
lógica nele.
Dilma
evoluiu e já está em condições de escrever sua primeira composição
infantil. Segundo ela, na casa mora a família, as pessoas comem, têm
laços afetivos, amam suas crianças. Ela viajou tanto para fazer esse
discurso espontâneo mas também para justificar o recado ensaiado sobre
sua capacidade de resistir a pressões. Vestiu de novo a máscara da
militante com vontade de ferro, uma reminiscência stalinista na esquerda
armada latino-americana. Ela confunde o momento da ditadura com a
aspiração popular de acabar com a roubalheira e retomar o curso de nossa
vida republicana. Confunde panelaço com pau de arara, rejeição política
com tortura.
Congelados
num momento histórico de resistência, prosseguem na vida como se cada
dia fosse uma oportunidade de mostrar heroísmo, coragem e coração
valente. Um coração valente não dispensa uma cabeça pensante, sobretudo
no momento de crise. Dilma já consegue escrever um parágrafo sobre a
casa. Não consegue entender uma vírgula do processo histórico.
Compete a
cada um de nós mostrar que esse sistema criminoso de governo chegou ao
fim. O momento é de abrir a janela para o sol e o ar puro. Respirar de
novo.
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