Brasília, patrimônio dos quiosques
Grupo de moradores do Plano Piloto levou seis meses para fazer um levantamento detalhado das ilegalidades cometidas por quiosques, trailers e reboques instalados em áreas públicas. Muitos invadem calçadas e vagas de estacionamento
» HELENA MADER
Publicação: 16/08/2015 04:00
Setor bancário sul |
Candangolândia |
516 sul |
Setor de indústrias gráficas (sig) |
Com máquina fotográfica pendurada no
pescoço, bloquinho em mãos e a ajuda de um GPS, um grupo de moradores do
Plano Piloto executou uma complicada missão para comprovar os abusos
que desvirtuam a capital federal. Esses abnegados defensores de Brasília
percorreram a pé toda a área tombada para mapear quiosques, trailers,
reboques e tendas instalados em áreas públicas.
No total, gastaram 750h
de trabalho. O levantamento inédito, ao qual o Correio teve acesso, será
apresentado amanhã, quando se comemora o Dia do Patrimônio Histórico.
Os responsáveis pelo estudo identificaram 1.041 estruturas em regiões
como as asas Sul e Norte, Cruzeiro, Octogonal e Sudoeste — a maioria
fica sobre calçadas e em áreas verdes ou está instalada em vagas de
estacionamento.
O grupo apresentará o levantamento amanhã
à noite, no Clube de Vizinhança da 108/109 Sul. Na ocasião, também será
lançada a Frente Comunitária do Sítio Histórico de Brasília e Distrito
Federal, uma nova entidade que reunirá dezenas de organizações,
associações e lideranças que lutam pela preservação da área tombada da
capital federal. Ex-presidente do Conselho Comunitário da Asa Sul,
Heliete Bastos foi uma das autoras do trabalho. Ao lado da geógrafa e
ambientalista Mônica Veríssimo, ela levou seis meses para percorrer
todas as regiões da zona protegida pela Unesco. O trabalho era feito
sempre aos domingos e feriados: a dupla se reunia antes mesmo de o sol
nascer e saía a campo para fotografar e catalogar todos os quiosques.
Durante a empreitada, Heliete e Mônica se
depararam com muitos absurdos. Estruturas precárias, de madeira, ferro
ou alvenaria, quiosques praticamente emendados uns nos outros, o que é
proibido por lei, e até gramados cimentados para abrigar mesas. “Não se
trata de uma campanha contra os quiosques, mas de um trabalho em defesa
da legalidade e da cidade”, explica Heliete Bastos.
Pela legislação, esse tipo de estrutura na área tombada só pode ter até 15 metros quadrados. Segundo o levantamento, 77% daquelas identificadas estão fora das normas. Mônica Veríssimo diz que a situação de ilegalidade é ainda mais grave, pois até hoje não foi realizado um plano de ocupação pelo governo. A lei prevê a criação desse projeto, que dirá quantos quiosques cada região pode ter e que produtos poderão ofertar, por exemplo. “Se não há plano de ocupação, se não houve liberação por parte do Iphan e já que as áreas deveriam ser licitadas, subentende-se que todos estão em situação irregular”, avalia Mônica.
Para cada quiosque, trailer ou tenda
identificado, as autoras do levantamento verificaram 23 características,
como a existência de ocupação de vaga de estacionamento ou de área
verde, se as estruturas tinham informações como nome do estabelecimento,
telefone e horário de funcionamento, se deixavam 10m livres entre
diferentes comércios e se as caixas d’água estavam escondidas, como
determina a norma.
Políticas públicas
O superintendente do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no DF, Carlos Madson
Reis, elogia o trabalho desenvolvido pelo grupo de moradores. “Aloísio
Magalhães, que foi presidente do instituto nos anos 1980, costumava
dizer uma frase que a gente transformou em princípio para a nossa
atuação: ‘A comunidade é a maior guardiã do seu patrimônio’. Este estudo
que será lançado na segunda-feira é importantíssimo para a definição de
políticas públicas para o espaço tombado”, comenta.
Para o representante do Iphan, existe uma
cultura de invasão de espaços públicos. Ele critica o excesso de
quiosques na capital federal. “Há uma mentalidade de ocupação indevida
que não é entendida como espaço coletivo. Quando a gente anda pela
cidade, logo percebe que a quantidade desses comércios é um problema que
está se agravando. Não há critérios”, critica.
O Iphan e o GDF firmaram um acordo de
cooperação técnica para gestão compartilhada da área tombada. “O debate
sobre os quiosques está na nossa pauta. A ideia é fazer um plano de
fiscalização. Há uma orientação e uma cobrança do MP para que se elabore
o plano de ocupação e de distribuição dos quiosques”, detalhou Carlos
Madson.
O superintendente do instituto sugere que
a definição sobre a destinação e a quantidade de estruturas seja feita
por unidade de vizinhança. Mas ele lembra que o controle deve ser do
GDF. “O Iphan não tem a atribuição direta de fiscalizar o espaço urbano,
essa deve ser uma ação dos estados, dos municípios e do DF. A União não
fiscaliza espaços urbanos. Mas, em áreas tombadas, o instituto tem o
dever de fazer esse trabalho conjunto”, reconheceu.
Processos
O secretário de Gestão do Território e
Habitação, Thiago de Andrade, explica que os planos de ocupação dos
quiosques devem ser feitos por administração regional, mas lembra que os
técnicos da pasta oferecem apoio para a elaboração. Estão prontos os
planos do Sudoeste, Octogonal e do Setor Comercial Sul. “Temos um
cronograma e estamos fazendo uma força-tarefa para a execução desses
planos. A ideia é que todas as administrações concluam o trabalho em um
prazo máximo de dois anos”, explica o secretário.
Além de elaborar os projetos, o governo
analisa os processos de concessão e de regularização. “É preciso sanear
os processos que existem e ver se a licença foi emitida corretamente,
por exemplo.” Thiago acrescenta que os quiosques em desacordo com a
legislação terão de sair ou se adequar às normas. “A lei estabelece quem
é passível de regularização e em quais condições”, resume.
A Agefis informou que os comércios
ilegais estão sujeitos a ações administrativas e podem ser demolidos. A
Administração Regional do Plano Piloto explicou que a regularização
depende do plano de ocupação, mas garantiu que realiza um levantamento
sobre o problema. A Administração Regional do Cruzeiro deu as mesmas
explicações. A Administração Regional do Sudoeste e da Octogonal
reconheceu que alguns quiosques estão irregulares e sujeitos à
fiscalização, mas assegura que pontos de táxis e bancas estão dentro das
normas.
“Não se trata de uma campanha contra os quiosques, mas de um trabalho em defesa da legalidade e da cidade”
Heliete Bastos, uma das autoras do mapeamento
Mônica Veríssimo, também responsável pelo estudo
“Quando a gente anda pela cidade, logo percebe que a quantidade desses comércios é um problema que está se agravando”
Carlos Madson Reis, superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)
Fonte: Correio Braziliense
MADER, Helena. Brasília, patrimônio dos quiosques. Correio Braziliense. Brasília, p. 19-20. 16 ago. 2015. Disponível em: <http://impresso.correioweb.com.br/app/noticia/cadernos/cidades/2015/08/16/interna_cidades,179299/brasilia-patrimonio-dos-quiosques.shtml>.
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