segunda-feira, 21 de setembro de 2015

O feminismo traiu uma geração inteira de mulheres e condenou-as a uma vida sem filhos.



A história de Rebecca Walker e da sua mãe feminista

Reverenciada como uma feminista e escritora que desbravou o caminho para outras, Alice Walker tocou as vidas duma geração de mulheres.

Defensora dos direitos das mulheres, ela alegou sempre que a maternidade é uma forma de servidão. No entanto, há uma mulher não se deixou convencer pelas crenças da Alice: a sua filha Rebecca, hoje com 38 anos.

Nas linhas que se seguem, e num texto de 2008, Rebecca descreve como foi crescer sendo filha dum ícone cultural e o porquê dela se sentir abençoada por ser o tipo de mulher que Alice, na altura com 64 anos, despreza: uma mãe.



Há alguns dias atrás, enquanto eu aspirava a casa, o meu filho entrou pelo quarto a dentro. "Mãe, mãe, deixa-me ajudar-te," disse ele. As suas pequenas mãos agarravam-se aos meus joelhos e os seus enormes olhos castanhos olhavam para mim. Fui sobrepujada por uma enorme onda de felicidade.
 

Adoro a forma como a sua cabeça descansa na curvatura do meu pescoço. Adora a forma como a sua cara entra num estado de concentração propositada quando o ajudo a aprender o alfabeto. Mas, acima de tudo, eu simplesmente adoro ouvir a sua voz dizer "Mãe, mãe." Isto traz-me a lembrança o quão abençoada sou.

A verdade dos factos é que eu quase perdia a oportunidade de ser mãe graças à educação que recebi por parte da minha mãe - uma feminista fanática. Ela era da opinião que a maternidade é a pior coisa que pode acontecer a uma mulher.

A minha mãe ensinou-me que os filhos escravizam a mulher. Eu cresci a acreditar que as crianças eram mós amarradas à volta do teu pescoço, e para mim a ideia da maternidade poder tornar uma mulher mais feliz era um conto de fadas.

O que eu descobri é que ser mãe tem sido a experiência mas recompensadora da minha vida. Longe de me "escravizar", o meu filho Tenzin - com 3 anos e meio de idade - abriu o meu mundo. O meu único arrependimento é o de ter descoberto a alegria da maternidade tão tarde. Há dois anos que tento ter um segundo filho mas até agora, não tive sorte.

Fui criada para acreditar que as mulheres precisavam dos homens tal como um peixe precisava duma bicicleta. No entanto, como eu firmemente acreditava que as crianças precisam de dois pais, a hipótese de criar o meu filho Tenzin sem o meu parceiro, Glen, de 52 anos, era aterradora. Como filha de pais divorciados, eu estava plenamente ciente das consequências dolorosas de ser criada nestas circunstâncias.

O feminismo tem muito que responder ao denegrir os homens e ao encorajar as mulheres a buscar a independência, independentemente dos custos para a sua família.

Os princípios feministas da minha mãe coloriam todos os aspectos da minha vida. Enquanto criança, eu nem tinha permissão para brincar com bonecas ou brinquedos de peluche - não fosse isso despertar em mim os instintos maternais. Martelaram-me a cabeça com noção de que, ser mãe, educar crianças e gerir uma casa era uma forma de escravatura. Ter uma carreira profissional, viajar pelo mundo e ser independente eram as coisas que realmente importavam para a minha mãe.

Amo muito a minha mãe mas não a vejo e nem falo com ela desde que engravidei. Ele nunca viu o meu filho - o seu único neto. O meu crime? Atrever-me a questionar a sua ideologia. 

Que seja.

A minha mãe é venerada por mulheres um pouco por todo o mundo - e é bem provável que até haja santuários em sua honra - mas acho que chegou a hora de perfurar o mito e revelar como foi crescer como uma filha da revolução feminista.

Origens.

Os meus pais apaixonaram-se no Mississippi durante a era dos movimentos civis. O meu pai [Mel Leventhal], era um brilhante advogado filho duma família judia que havia fugido do Holocausto. A minha mãe era a empobrecida oitava filha de meeiros da Geórgia. Quando eles se casaram, uniões interraciais eram ainda proibidas em alguns estados.

A minha infância foi feliz, embora os meus pais estivessem terrivelmente ocupados e eu tivesse sido encorajada a crescer rapidamente. Eu tinha apenas um ano quando me mandaram para o infantário. Disseram-me que eles até me obrigaram a andar pela rua até chegar a escola.

Quando eu tinha 8 anos, os meus pais divorciaram-se. A partir desse momento, a minha vida ficou dividida entre dois mundos - a comunidade conservadora, tradicional, abastada e suburbana de Nova Iorque, donde provinha o meu pai, e a comunidade multirracial e avant garde californiana, donde a minha mãe se encontrava inserida. Eu passava dois anos com cada um deles - uma forma bizarra de fazer as coisas.

Ironicamente, a minha mãe vê-se como alguém muito maternal. Acreditando que as mulheres são oprimidas, a minha mãe lutou pelos seus direitos um pouco por todo o mundo, chegando a criar organizações que visavam ajudar as mulheres africanas abandonadas - oferecendo-se a ela mesmo como figura materna.
 
Mas embora ela tenha tomado conta de filhas por todo o mundo, e seja imensamente reverenciada publicamente pelos seus serviços, a minha infância conta um história muito diferente. Em termos das suas prioridades, eu estava num ponto muito baixo; eu encontrava-me depois do emprego, integridade política, auto-realização, amizades, vida espiritual, fama e viagens.

A minha mãe fazia sempre o que queria - por exemplo, viajar para a Grécia durante dois meses, deixando-me com familiares quando eu era adolescente. Isto é independência ou puro egoísmo?

Eu tinha 16 anos quando descobri o agora-famoso poema que ela escreveu comparando-me a várias calamidades que atingiram e paralisaram a vida de muitas escritoras. A Virginia Woolf era uma doente mental e as [irmãs] Brontes morreram prematuramente. A minha mãe deu-me à luz - eu, uma "deliciosa distracção" mas mesmo assim uma calamidade. Na altura considerei isso um choque enorme e algo muito irritante.

Segundo a estridente ideologia feminista dos anos 70, as mulheres eram primeiramente irmãs, e como tal a minha mãe resolveu olhar para mim como uma irmã e não como uma filha. A partir dos meus 13 anos, comecei a passar dias seguidos sozinha enquanto a minha mãe se retirava para o seu estúdio de escrita - a cerca de 100 milhas do local onde eu estava [+/- 160 quilómetros]. Eu ficava com dinheiro para comprar as refeições e vivia à base de "fast food".
 
Irmãs juntas.
Uma vizinha, não muito mais velha do que eu, foi comissionada para tomar conta de mim. Nunca me queixei. Eu pensava que a minha função era proteger a minha mãe e nunca lhe distrair da escrita. Nunca me passou pela cabeça que eu precisava do seu tempo e da sua atenção. 


Quando eu era espancada na escola - acusada de ser snob por ter uma pele mais clara que as minhas colegas negras - eu dizia sempre à minha mãe que estava tudo bem, que eu tinha vencido a luta. Eu não queria preocupá-la.


A verdade é que eu sentia-me sozinha, e, com o conhecimento da minha mãe, comecei a ter relações sexuais aos 13 anos. Acho que isso foi um alívio para a minha mãe uma vez que eu passaria a ser menos exigente em termos de atenção. Para além disso, ela era de opinião que ser sexualmente activa era uma forma de ganhar poder uma vez que isso significava que eu estava no controle do meu corpo.


Hoje em dia, não entendo o porquê dela ter sido tão permissiva. Eu nem sequer quero que o meu filho tenha um encontro romântico de brincadeira, quanto mais começar a dormir por aí mal termine o preparatório.

Uma boa mãe é atenciosa, estabelece limites e torna o mundo mais seguro para a sua criança. Mas a minha mãe não fez nada disto.

Embora eu estivesse a tomar a pílula - algo que eu havia arranjado quando da minha visita ao médico - engravidei aos 14 anos. Eu mesmo organizei o aborto.
 
Hoje, quando penso nisso, estremeço. Eu era apenas uma menina. Não me lembro da minha mãe ficar chocada ou zangada. Ela tentou dar-me apoio, acompanhando-me com o seu namorado.

Embora eu acredite que fazer o aborto foi a decisão correcta para a altura [ed: não foi. Matar um bebé inocente nunca é uma "decisão correcta"] , o que veio depois assombrou-me durante décadas. O que havia acontecido comeu a minha auto-confiança e, até dar à luz o Tenzin, vivia aterrorizada ante a perspectiva de nunca vir a ser capaz de ter um filho devido ao que eu tinha feito à criança que eu destruí. 

Quando as feministas dizem que o aborto não acarreta consequências, elas estão erradas.


Durante a minha infância eu estava muito confusa uma vez que, embora eu estivesse a ser "alimentada" com a mensagem feminista, eu ansiava ser uma mãe tradicional. A segunda mulher do meu pai. Judy, era uma mulher caseira, amorosa e maternal com os seus 5 filhos. Havia sempre comida no frigorífico e ela fazia todas as coisas que a minha mão não fazia - tais como ir aos eventos escolares, tirar um número infindável de fotografias, e, sempre que podia, dizer aos filhos o quão maravilhosos eles eram. 
 
A minha mãe era exactamente o contrário. Ela nunca ia aos eventos escolares, nunca me comprava roupa, e nem chegou a ajudar-me a comprar o meu primeiro sutiã - uma amiga foi paga para ir às compras comigo. Quando eu precisava de ajuda com os trabalhos de casa, eu pedia à mãe do meu namorado.


Movimentar-me entre as duas casas era terrível. Quando estava em casa do meu pai, eu sentia-me cuidada, mas se dissesse isso à minha mãe - que me tinha divertido na casa da Judy - ela sentia-se desolada, fazendo-me sentir que eu estava a escolher esta mulher branca e privilegiada no lugar dela. Fizeram-me sentir que eu tinha que colocar uma conjunto de ideias acima das outras.


Quando fiz 20 anos, e senti o desejo de ser mãe, fiquei confusa. Podia sentir o tic-tac do meu relógio biológico mas sentia também que, se eu o ouvisse, estaria a trair a minha mãe e tudo o que ela me havia ensinado. Tentei abafar o mais que podia esses sentimentos mas durante os dez anos que se seguiram, esses desejos apenas se tornaram mais fortes


Quando, há 5 anos atrás, conheci o Glen (professor) num seminário, sabia que havia encontrado o homem com quem queria ter um filho. Gentil, terno e imensamente apoiante, ele é - tal como eu sabia que seria - um pai maravilhoso.


Embora soubesse o que a minha sentia em relação aos bebés, eu ainda ansiava que, quando lhe dissesse que estava grávida, ela ficaria contente comigo.


"Mãe, estou grávida"
Em vez disso, quando, numa manhã primaveril de 2004, e enquanto me encontrava a tomar conta duma das suas casas, lhe liguei e lhe dei a novidade - e lhe disse que não poderia estar mais feliz - ela ficou silenciosa por alguns instantes. Tudo o que ela podia dizer é que estava chocada. Depois disso, ela pediu-me para verificar o seu jardim. 


Eu baixei o telefone e chorei. De modo deliberado ela havia suspendido a sua aprovação com a clara intenção e me magoar. Que mãe amorosa faz uma coisa dessas?


Mas o pior veio depois. Ela ficou ressentida quando eu disse numa entrevista que os meus pais não me protegiam ou olhavam por mim. Ela enviou-me um e-mail, ameaçando destruir a minha reputação como escritora. Nem poderia acreditar que ela poderia ser tão perniciosa, especialmente durante a altura em que eu me encontrava grávida.


Devastada, pedi-lhe que pedisse desculpa e reconhecesse o quanto ela me havia magoado - através dos anos - com a sua negligência, e por não me ter dado carinho e afeição devido a coisas que eu não conseguia controlar - o facto de ser de raça mista, o facto de ter um pai rico, branco e profissional, e pelo facto de ter nascido. 

Mas ela não recuou. Em disso, escreveu-me uma carta dizendo que há anos que a nossa relação estava a ser inconsequente e que ela já não tinha interesse em ser minha mãe. Ela chegou até a assinar a carta com o seu nome em vez de "Mãe".

Isto aconteceu um mês antes do aniversario de Tenzin, em Dezembro de 2004; desde então, nunca mais tive qualquer contacto com a minha mãe. Ela nem se quer entrou em contacto comigo quando ele foi levado de urgência para a unidade de cuidados especiais para os bebés depois dele ter nascido com dificuldades de respiração.

Desde então, fiquei a saber que a minha mãe retirou-me do seu testamento em favor dum dos meus primos. Sinto-me terrivelmente triste; a minha mãe está a perder uma oportunidade única de estar perto da sua família. Mas mesmo assim, estou aliviada. 


Ao contrário de outras mães, a minha nunca demonstrou qualquer tipo de orgulho pelas minhas conquistas. Ela teve sempre uma espírito de competição que causou a que ela me minasse sempre que podia.

Quando entrei na Universidade de Yale - um grande feito - ela perguntou o porquê de eu querer obter uma educação num bastião masculino. Sempre que eu publicava algo, ela queria escrever a sua versão, eclipsando a minha. Quando escrevi as minhas memórias, "Black, White and Jewish", a minha mãe insistiu em publicar a sua versão. Ela tem grande dificuldade em sair da ribalta, o que não deixa de ser irónico se consideramos isso à luz da sua posição de que todas as mulheres são irmãs e como tal deveriam apoiar-se mutuamente.

Presente.
Já se passaram quase 4 anos desde que tive o meu último contacto com a minha mãe. Talvez seja melhor assim - tanto para a minha auto-protecção mas também para o bem estar do meu filho. Fiz tudo o que era possível para ser uma filha leal e amorosa mas já não posso ter esta relação venenosa a destruir-me a minha vida.


Sei que muitas mulheres encontram-se chocadas com a minha visão. Elas esperam que a filha de Alice Walker transmita uma mensagem diferente. Sim, o feminismo sem dúvida que forneceu às mulheres mais oportunidades [ed: não, não forneceu. O feminismo apenas disse à mulher que a única opção que conta é sair de casa]. Ajudou a abrir mais portas para nós nas escolas, nas universidades e nos locais de emprego. Mas o que dizer dos problemas que causou à minha geração?


E as crianças?
A facilidade com que as pessoas se divorciam hoje em dia não leva em conta o efeito que isso tem nas crianças [Em Portugal, a maior parte dos divórcios - 80% - é iniciado pelas mulheres]. Isso faz parte do trabalho incompleto do feminismo.


Há também a questão de não se ter filhos. Mesmo nos dias que correm, eu encontro mulheres na casa dos 30 que são ambivalentes na questão da família. Elas dizem coisas do tipo:


Eu gostaria de ter uma criança. Se acontecer, aconteceu.

Eu digo-lhes logo:

Vai para casa e começa a tratar disso porque a tua janela de oportunidade é reduzida.
[Vêr este texto]

E eu sei o quão reduzida essa janela é.

Para além disso, eu deparo-me com mulheres na casa dos 40, devastadas por terem passado duas décadas a trabalhar para o doutoramento, ou para um lugar numa firma de advocacia, apenas para descobrirem que já não têm oportunidade de fazer uma família. Graças ao movimento feminista, elas ignoraram os seus relógios biológicas, perderam a oportunidade e encontram-se agora desoladas.

O feminismo traiu uma geração inteira de mulheres e condenou-as a uma vida sem filhos


Isto é devastador. Mas em vez de assumirem a sua responsabilidade em torno deste facto, as líderes do movimento das mulheres cerram fileiras contra qualquer pessoa que se atreva a questioná-las - como eu vim a descobrir.

Não quero magoar a minha mãe, mas não posso ficar calada. Acho que o feminismo é uma experiência e como experiência que é, ela tem que ser avaliada pelos resultados. Depois dos resultados avaliados, toma-se nota dos erros e fazem-se alterações.

Espero que um dia eu e a minha mãe nos reconciliemos. O meu filho Tenzin merece ter uma avó. Mas eu estou bastante aliviada pelo facto do meu ponto de vista não estar distorcido pelo ponto de vista da minha mãe.


Sou dona de mim mesmo e vim a descobrir o que realmente importa: uma família feliz.



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