09/10/2015
Mensagens de celular, manuscritos e extratos bancários indicam que lobista amigo de Fernando Pimentel recebeu propina para interferir numa norma do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio publicada em 2014 – que favoreceu a montadora Caoa
Relatório
de um inquérito sigiloso da Polícia Federal (PF) aponta que portarias
do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) foram
compradas no governo Dilma Rousseff.
Notas fiscais, extratos bancários,
celulares e manuscritos em posse da PF, apreendidos na Operação Acrônimo
e obtidos por ÉPOCA, revelam que um lobista ligado a Fernando Pimentel,
governador de Minas Gerais e ex-ministro do MDIC, recebeu propinas da
montadora Caoa para habilitar a empresa no programa Inovar-Auto, do
MDIC, que concede benefícios fiscais para o setor automotivo.
Na madrugada do dia 28 de fevereiro de
2014, o empresário Benedito Rodrigues de Oliveira, conhecido como Bené e
amigo íntimo deFernando Pimentel, enviou uma mensagem para o celular de
Antonio Maciel Neto, presidente da Caoa: “Agora à noite sentei com
substituto dele. Amanhã vai resolver”, disse. Bené se referia a Mauro
Borges, que substituira Fernando Pimentel no MDIC no dia 13 de fevereiro
de 2014.
No mesmo dia 28 de fevereiro, Maciel entra em contato com Bené
por mensagem de texto: “O nosso portador estará no edifício às 13h30.
Você me ajuda para que a assinatura ocorra logo em seguida?”. O
executivo da Caoa pedia uma mãozinha na assinatura de uma portaria do
programa Inovar-Auto, do Mdic, que concede redução e suspensão de
impostos como incentivo para o desenvolvimento da indústria. Por volta
das 16h, Bené responde: “Entrega no gabinete para o Rubens Gama. Assim
que entregar me avisa”. Em seguida, reforça: “Ou para o Rubens ou para o
próprio Mauro”. Naquele momento, Rubens Gama era chefe do gabinete do
MDIC.
Após um chá de cadeira de quase sete
horas, o presidente do Caoa escreve para Bené às 20h: “O nosso pessoal
está no escritório desde as 13h30. Até agora não conseguimos a
prioridade para a assinatura. Já perdemos mais um dia. Você pode dar uma
ajuda?”. A ajuda de Bené vem logo em seguida. Às 20h51, o lobista
aciona Mauro Borges, então ministro do MDIC, com uma mensagem: “Opa! Se
você puder botar para andar aquele assunto que te falei ontem. Abs”.
Borges responde com um lacônico “ok”. Em seguida, Bené dá um retorno
para Maciel Neto: “Claro, vai ser feito”. O amigo de Pimentel ainda
reforça com Borges: “Só assinar”.
Às 22h14, Bené pergunta para o executivo
da Caoa se a portaria já saiu. “Ainda não. O nosso pessoal continua lá
na sala do Dr. Raul Aguardando”, responde Maciel Neto, referindo-se a
Raul Lycurgo Leite, então consultor jurídico do MDIC, responsável por
analisar os detalhes técnicos das portarias. Após todo momento de tensão
e espera, Mauro Borges envia uma mensagem para Bené às 22h27: “
Assinei!”. Em seguida, às 22h45, o lobista amigo de Pimentel avisa
Maciel Neto: “Já foi devidamente assinado”. O executivo do Caoa
agradece.
A relação entre Fernando Pimentel, Bené e Mauro Borges sempre foi muito estreita. No dia 10 de março de 2014, Bené e Borges combinam um almoço “na casa do Fernando 114 sul” em Brasília. Esse endereço, no bloco B, era a residência de Carolina de Oliveira Pereira, atual esposa de Pimentel. Bené era o responsável por pagar as viagens e as despesas do governador de Minas Gerais e da sua primeira dama. Borges foi indicado por Pimentel tanto para substituí-lo no MDIC como para a presidência da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), cargo que ocupa desde janeiro deste ano.
Após o suposto encontro entre
os três amigos, no dia 12 de março Bené envia uma mensagem para Maciel
Neto: “Boa noite amigo!!! Tudo bem por aí? Dá uma checada pois não
apareceu nada até o momento. ABS”. Meia hora depois, o executivo do Caoa
responde: “Verifique mais uma vez. Acabo de checar e a informação é que
o assunto foi resolvido hoje conforme o planejado. Abraço”. No dia
seguinte, Bené confirma: Tudo ok!! Obrigado!!”. As exclamações tinham um
motivo: no dia 12 de março, uma conta no banco Itaú da empresa Bridge
Participações, de Bené, recebeu uma transferência de R$ 450.480
realizada pela Caoa. Em maio, a Caoa faz dois novos pagamentos
para a Bridge no valor total de R$ 469.250. Sete dias após a última
transferência, Mauro Borges assina a portaria de número 119, do dia 29
de maio de 2014 – que habilita a Caoa e outras montadoras no programa
Inovar-Auto. Em julho, ÉPOCA revelou que a Caoa repassou R$ 2,21 milhões
às duas empresas de Bené, Bridge e BRO, entre outubro de 2013 e junho
de 2014. Uma das notas fiscais obtidas pela reportagem descrevia o
serviço prestado por Bené: “Estudo de processo produtivo usando como
meio de pesquisa a internet”. Em outras palavras, a Caoa pagou R$ 2,21
milhões para Bené dar um Google.
Em 7 de outubro de 2014, no auge das
eleições, quando Pimentelconcorria a governador de Minas Gerais, um
avião de prefixo PR-PEG, da Bridge, de Bené, foi alvo de apreensão da
Polícia Federal. Na aeronave, foram encontrados R$ 113.280 em espécie.
Além do dinheiro, a Polícia Federal deteve um manuscrito com os
seguintes dizeres: “ix35”, “14 milhões (por mês)”, “condições de mercado
está no termo”, “termo de compromisso”, “Raul está elaborando o termo
até quarta-feira parta quinta-feira reunião com o Raul”.
A linha de
produção do automóvel Hyundai ix35 foi inaugurada um ano antes, em
outubro de 2013, com a participação especial de Pimentel na fábrica da
Caoa em Anápolis, Goiás. Naquela ocasião, o empresário Carlos Alberto de
Oliveira Andrade, dono da Caoa, disse, sorrindo: “O Inovar-Auto é que
viabilizou esse nosso investimento de mais de R$ 600 milhões”. Desde
2013, a Caoa foi beneficiada pelo programa de incentivo fiscal em ao
menos quatro portarias.
A última delas foi assinada em 28 de maio de
2015 pelo atual ministro Armando Monteiro — que até o mês passado tinha
como o seu chefe de gabinete Rubens Gama, ex-assessor especial de
Pimentel, autor da primeira norma.
A PF suspeita que Bené tenha
sido a ponte que ligava Caoa ao MDIC e aos ex-ministros Mauro Borges e
Pimentel. Numa anotação de 4 de agosto de 2014 no celular do lobista
dono da Bridge continha o seguinte recado: “Portaria que o Mauro precisa
ver”. No mês seguinte, no dia 24 de setembro, foi registrada no celular
de Bené uma imagem
da portaria número 257 de 23 de setembro de 2014, assinada por Borges e
que trata da regulamentação complementar do Inovar-Auto.
No dia
seguinte, segundo a PF, Bené acessou por meio do seu celular uma rede de
internet sem fio denominada “DrCaoa”. O empresário Oliveira Andrade é
conhecido no mercado como “doutor Caoa”. As reuniões entre Bené e
Oliveira Andrade ocorriam geralmente numa casa localizada no Jardim
Europa, em São Paulo, onde mora o dono da Caoa. A PF suspeita que
Pimentel tenha participado de um desses encontros.
No último dia 1º de outubro, a
Polícia Federal deflagrou a 3ª fase daOperação Acrônimo, que apura
suspeitas de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo Pimentel, Bené e
alguns órgãos públicos. Agentes fizeram buscas em Belo Horizonte,
Brasília e São Paulo. Um dos alvos da PF foi o dono e o presidente da
Caoa, que foram conduzidos até delegacia da PF para prestar
esclarecimentos.
Outro foi a sede da Cemig, onde trabalha Mauro Borges.
Nessa nova etapa da investigação, o objetivo era coletar documentos das
empresas que contrataram a MR Consultoria, de Mario Rosa – que pagou R$ 2
milhões à Oli Comunicação, de Carolina Oliveira, mulher de Pimentel.
Entre essas companhias, estão a Camargo Corrêa, a Marfrig, a Odebrecht
Ambiental, além da CBF (Confederação Brasileira de Futebol). A PF apura se houve favorecimento desses suspeitos tanto no MDIC como no BNDES ou em outra instância do governo.
Procurada, a Caoa disse por meio da sua
assessoria de imprensa que todas as informações solicitadas foram
devidamente providenciadas para as autoridades competentes e que o
programa Inovar Auto “foi feito para 23 empresas do setor automotivo e a
Caoa é apenas uma delas”, sendo que “todo processo do Inovar-Auto,
feito pela Caoa, segue rigorosamente os procedimentos legais”.
O
advogado da empresa, José Roberto Batochio, ainda disse que a Caoa
“jamais teve a intervenção do Bené para a sua inclusão na portaria 119”.
“O que há na relação entre Bené e Caoa é que as empresas BRO e Bridge
prestaram serviços. Os dossiês desses trabalhos foram apreendidos pela
PF. Não tem nada a ver com Inovar Auto”, diz o criminalista. O advogado
de Fernando Pimentel, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, disse
que “entrará com uma petição em que pedirá a paralisação do uso desses
documentos obtidos pela Polícia Federal sem fundamentação legal”. “A PF e
o MPF sabiam que o Pimentel era investigado e isso só foi comunicado
recentemente. Desde outubro do ano passado, essas mensagens e documentos
estão em poder da polícia. Houve uma usurpação de competência.
Por
isso, não vamos responder a nenhum fato”. O advogado José Luis de
Oliveira Lima, que defende Benedito Rodrigues de Oliveira, disse: “Tendo
em vista que o procedimento é sigiloso, em respeito ao judiciário, os
esclarecimentos serão prestados perante a autoridade competente”. O MDIC
disse por meio de sua assessoria de imprensa que “assim como todas as
outras empresas habilitadas no Inovar-Auto, os critérios de habilitação e
a documentação apresentada pelo pleiteante (Caoa), após avaliação
técnica e jurídica, atenderam ao disposto na legislação do Programa”.
Procurado, o advogado Pedro Ivo Rodrigues Velloso Cordeiro, que defende
Mario Rosa, disse que o seu cliente tem “mais de 30 contratos apenas com
empresas privadas, de objeto totalmente lícito”. “É uma questão de
tempo para se desfazer o mal entendido sobre a sua atividade”, diz ele. A
defesa de Mauro Borges, conduzida pelo advogado Marcelo Leonardo, diz
que “não se manifestará, porque a investigação está sob segredo de
Justiça”. Raul Lycurgo, executivo da Cemig, não respondeu até a
publicação desta matéria.
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