Vladimir Safatle
Folha
O Estado de São Paulo está acostumado a catástrofes apresentadas como questões gerenciais. Esta é uma interessante forma de governo na qual o completo desgoverno é apresentado como prova máxima da eficiência. Nada estranho para um Estado no qual a mais crassa incompetência administrativa costuma dar prêmios, haja vista a inacreditável premiação dada ao sr. Geraldo Alckmin pela sua pretensa competência da gestão da crise da água que ele mesmo criou, invenção auxiliada pelos próceres de seu partido. Uma crise que, segundo a novilíngua reinante no Tucanistão, sequer existiu, já que, por exemplo, nunca existiu racionamento, mesmo que você tenha passado dias sem água.
Dentro desse paradigma de governo, governar não é resolver problemas, mas gerenciar a língua e as informações. O número de homicídios caem porque eles não são declarados. Documentos da Sabesp, do Metrô e da PM entram em sigilo de décadas. Assim, o Tucanistão permanece feliz e Alckmin pode sonhar aplicar, em um futuro próximo, seu método de redescrição neurolinguística para todo o país.
A última pérola do desgoverno é a educação estadual. Entre 2000 e 2014, a rede estadual de ensino perdeu 1,8 milhão de alunos. O número de matrículas caiu 32,2%, produzindo, segundo dados do próprio governo, 2.900 “classes ociosas”. O número de professores encolheu 11% em relação a 2014. Em um ano, o Estado ficou com 26,6 mil professores a menos. Como é de praxe, o governo apareceu afirmando que deveríamos então dar um “choque gerencial” de eficiência na rede estadual, “entregando” 94 escolas (o tucanato é inacreditável na arte do eufemismo) e criando escolas de apenas um ciclo.
ARGUMENTOS FANTÁSTICOS
Talvez seria mais honesto começar por se perguntar por que a rede estadual perdeu tantos alunos e professores. Os argumentos palacianos são fantásticos: as famílias têm menos filhos, maior municipalização do ensino.
Mais honesto, no entanto, seria reconhecer que a qualidade do ensino estadual é catastrófica, seus professores são miseravelmente pagos, enfrentando condições de trabalho deterioradas, a estrutura de suas escolas é falimentar. Para se ter uma ideia, na cidade de São Paulo, a mais rica da Federação, apenas 12,4% das escolas públicas (estaduais e municipais) têm biblioteca. Isso fez com que todos os que podiam abandonar a rede estadual o fizessem o mais rápido possível.
São Paulo, mesmo sendo o Estado mais rico, nunca se destacou em estudos que medem a qualidade da educação pública. Se o Estado parasse de tratar professores de escola pública como inimigos, ele poderia descobrir a razão para isso. Em uma situação normal, na qual a qualidade pode ser assegurada, as famílias procuram a escola pública para matricular seus filhos. Aqui, elas fogem da escola pública o mais rápido possível.
GREVE CONTRA A REFORMA
Agora, ao menos 40 escolas estaduais estão ocupadas por alunos e professores. Eles são contrários à “reformulação” imposta pelo governo, que prevê a mudança de 311 mil alunos de escolas, a tal “entrega” de escolas, que certamente levará ao aumento do número de alunos por sala. Como de praxe, a resposta padrão do governo consiste em mandar sua polícia espancar professores e jogar spray de pimenta em alunos. Quem quiser detalhes brutais, procure informações sobre a ocupação da escola estadual José Lins do Rego, por exemplo.
No entanto, essas pessoas protestam, entre outras coisas, por não aceitarem mais esse padrão de governo que consiste em impor decisões opacas resultantes da arrogância de tecnocratas de gabinete, como se essa mesma racionalidade tecnocrata não fosse, na verdade, a responsável maior pelos descalabros. Não ocorreu consulta e debate algum com professores e alunos sobre decisões que afetarão diretamente suas vidas.
Os mesmos professores e alunos que conhecem a realidade bruta das escolas estaduais melhor do que qualquer consultor em educação pago a peso de ouro. Como sempre, aqueles que mais conhecem a realidade, aqueles dotados de uma inteligência prática resultante do contato concreto e cotidiano com os problemas são ignorados e tratados como cães quando protestam.
Um verdadeiro governo começaria por mudar radicalmente esse padrão de decisões, ouvindo e permitindo que as pessoas realmente envolvidas no problema pudessem deliberar. Ele compreenderia que, em uma verdadeira democracia, o Estado não impõe, o Estado ouve. Mas ouvir nunca foi uma qualidade muito prezada no Tucanistão.
Folha
O Estado de São Paulo está acostumado a catástrofes apresentadas como questões gerenciais. Esta é uma interessante forma de governo na qual o completo desgoverno é apresentado como prova máxima da eficiência. Nada estranho para um Estado no qual a mais crassa incompetência administrativa costuma dar prêmios, haja vista a inacreditável premiação dada ao sr. Geraldo Alckmin pela sua pretensa competência da gestão da crise da água que ele mesmo criou, invenção auxiliada pelos próceres de seu partido. Uma crise que, segundo a novilíngua reinante no Tucanistão, sequer existiu, já que, por exemplo, nunca existiu racionamento, mesmo que você tenha passado dias sem água.
Dentro desse paradigma de governo, governar não é resolver problemas, mas gerenciar a língua e as informações. O número de homicídios caem porque eles não são declarados. Documentos da Sabesp, do Metrô e da PM entram em sigilo de décadas. Assim, o Tucanistão permanece feliz e Alckmin pode sonhar aplicar, em um futuro próximo, seu método de redescrição neurolinguística para todo o país.
A última pérola do desgoverno é a educação estadual. Entre 2000 e 2014, a rede estadual de ensino perdeu 1,8 milhão de alunos. O número de matrículas caiu 32,2%, produzindo, segundo dados do próprio governo, 2.900 “classes ociosas”. O número de professores encolheu 11% em relação a 2014. Em um ano, o Estado ficou com 26,6 mil professores a menos. Como é de praxe, o governo apareceu afirmando que deveríamos então dar um “choque gerencial” de eficiência na rede estadual, “entregando” 94 escolas (o tucanato é inacreditável na arte do eufemismo) e criando escolas de apenas um ciclo.
ARGUMENTOS FANTÁSTICOS
Talvez seria mais honesto começar por se perguntar por que a rede estadual perdeu tantos alunos e professores. Os argumentos palacianos são fantásticos: as famílias têm menos filhos, maior municipalização do ensino.
Mais honesto, no entanto, seria reconhecer que a qualidade do ensino estadual é catastrófica, seus professores são miseravelmente pagos, enfrentando condições de trabalho deterioradas, a estrutura de suas escolas é falimentar. Para se ter uma ideia, na cidade de São Paulo, a mais rica da Federação, apenas 12,4% das escolas públicas (estaduais e municipais) têm biblioteca. Isso fez com que todos os que podiam abandonar a rede estadual o fizessem o mais rápido possível.
São Paulo, mesmo sendo o Estado mais rico, nunca se destacou em estudos que medem a qualidade da educação pública. Se o Estado parasse de tratar professores de escola pública como inimigos, ele poderia descobrir a razão para isso. Em uma situação normal, na qual a qualidade pode ser assegurada, as famílias procuram a escola pública para matricular seus filhos. Aqui, elas fogem da escola pública o mais rápido possível.
GREVE CONTRA A REFORMA
Agora, ao menos 40 escolas estaduais estão ocupadas por alunos e professores. Eles são contrários à “reformulação” imposta pelo governo, que prevê a mudança de 311 mil alunos de escolas, a tal “entrega” de escolas, que certamente levará ao aumento do número de alunos por sala. Como de praxe, a resposta padrão do governo consiste em mandar sua polícia espancar professores e jogar spray de pimenta em alunos. Quem quiser detalhes brutais, procure informações sobre a ocupação da escola estadual José Lins do Rego, por exemplo.
No entanto, essas pessoas protestam, entre outras coisas, por não aceitarem mais esse padrão de governo que consiste em impor decisões opacas resultantes da arrogância de tecnocratas de gabinete, como se essa mesma racionalidade tecnocrata não fosse, na verdade, a responsável maior pelos descalabros. Não ocorreu consulta e debate algum com professores e alunos sobre decisões que afetarão diretamente suas vidas.
Os mesmos professores e alunos que conhecem a realidade bruta das escolas estaduais melhor do que qualquer consultor em educação pago a peso de ouro. Como sempre, aqueles que mais conhecem a realidade, aqueles dotados de uma inteligência prática resultante do contato concreto e cotidiano com os problemas são ignorados e tratados como cães quando protestam.
Um verdadeiro governo começaria por mudar radicalmente esse padrão de decisões, ouvindo e permitindo que as pessoas realmente envolvidas no problema pudessem deliberar. Ele compreenderia que, em uma verdadeira democracia, o Estado não impõe, o Estado ouve. Mas ouvir nunca foi uma qualidade muito prezada no Tucanistão.
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