José Maria Tomazela, Enviada especial - O Estado de S.Paulo
29 Novembro 2015 | 03h 00
Pecuarista alega ter pago dívida suspeita com sêmen vindo de fazenda usada em churrascos
CAMPO GRANDE - Uma estrada esburacada margeia o
aeroporto internacional de Campo Grande e leva ao palco de festas
exclusivas e notórias. A mansão com piscina e churrasqueira contrasta
com as casas em bairros de pouca infraestrutura e núcleos habitacionais
populares. Quem vai além do portão com cadeado entra na fazenda Rancho
Alegre, do pecuarista José Carlos Costa Marques Bumlai, lugar que poucos
conhecem.
“Nem a Polícia Federal foi lá”, diz um pecuarista que já
participou de festas à beira da piscina.
A Rancho Alegre é uma das 12 fazendas de Bumlai, o
amigo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva preso na terça-feira
pela Operação Lava Jato, suspeito de tráfico de influência e de
intermediar repasses ao PT. Além de receber convidados, ali são colhidos
embriões e sêmen para fertilização in vitro e produção de bezerros em
vacas que servem de “barrigas de aluguel”.
Vista aérea da fazenda Rancho Alegre, do pecuarista, próxima de aeroporto da capital, Campo Grande
Conforme as investigações, Bumlai tomou empréstimo de R$ 12,1
milhões do Grupo Schahin e teria repassado o dinheiro ao PT para pagar
dívidas de campanha. Em troca, teria conseguido para o grupo um contrato
de US$ 1,6 bilhão com a Petrobrás em 2009. Ao negar a acusação, o
pecuarista disse ter pago o empréstimo com o fornecimento de embriões e
sêmen, registrado em documentos fiscais.
Entre pecuaristas reunidos na quarta-feira, em Campo Grande, a
história foi vista com ceticismo e ironia. Um deles dizia não saber da
existência de “boi de ouro”. Com o celular, outro criador fez uma conta e
concluiu que, ao preço de mercado, seria possível inseminar 126 mil
vacas.
O zootecnista da Rancho Alegre, que se identificou só como
Diego, disse que Bumlai faz melhoramento genético de gado das raças
senepol e nelore e que o valor de um embrião fértil ou do sêmen de um
bom reprodutor pode chegar a R$ 30 mil.
Campanha.O pecuarista
é dono de outras fazendas no Estado, mas as propriedades que puseram
Bumlai na mira da Justiça são as que ele já não possui. A fazenda Cristo
Rei, com 130 mil hectares, em Miranda, no coração do Pantanal, foi
vendida para André Esteves, do Banco BTG Pactual, preso um dia depois de
Bumlai, sob suspeita de obstrução à Justiça. Ele teria participado com o
senador Delcídio Amaral (PT-MS) de um esquema para dar fuga ao
ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró, preso na Lava Jato.
Foi lá que Lula gravou propaganda eleitoral na vitoriosa
campanha de 2002. Nos vídeos, o petista assumia compromissos com a
defesa da produção. Bumlai, que não escondia o medo de ter as terras
invadidas, estreitou a amizade com Lula. A aproximação foi apadrinhada
pelo então governador Zeca do PT.
As pescarias de pacu e os churrascos, regados a cerveja e
cachaça pantaneira, puseram Bumlai no círculo de amigos de Lula e o
tornaram “mais influente que o Delcídio e o Zeca”, segundo um criador
que lhe vendeu gado. A versão é confirmada pelo presidente da Associação
dos Criadores do Mato Grosso do Sul (Acrissul), Jonathan Pereira
Barbosa, amigo de Bumlai.
Na gestão Lula, os negócios do amigo do presidente
deslancharam e ele passou a ser conhecido como “o rei do gado” em Mato
Grosso do Sul. Em 2005, Bumlai negociou com o Incra a fazenda São
Gabriel, em Corumbá, por R$ 20,6 milhões. Três anos antes, ele a havia
comprado por R$ 2 milhões. Para o Ministério Público Federal, o valor
justo era R$ 13,3 milhões. Os pagamentos chegaram a ser suspensos, mas a
Justiça liberou o montante com base em laudo pericial falso – os dois
peritos estão sendo processados.
Barbosa considera que Bumlai foi usado. “Eu estava com o
Bumlai, tocava o telefone, e quem era? O ex-presidente. Aí, nessa hora,
ele era amigo, pedindo que fizesse favor, fizesse isso e aquilo, e o Zé
Carlos, muito gentil, concordava.” Segundo ele, o pecuarista era chamado
para ir a São Paulo e Brasília. “Ele falava que o presidente o estava
chamando para resolver uns problemas, mas não dizia o que era.”
Falência. O declínio começou quando Bumlai entrou no
setor sucroalcooleiro e montou em Dourados a usina São Fernando – para
Barbosa, por influência do ex-presidente. “Quando o Lula estava saindo
do governo, convenceu o Bumlai de que o etanol seria negócio do futuro.
Ele entrou, com o piloto Emerson Fittipaldi e uma parte do Grupo Bertin.
O álcool começou a dar para trás e, primeiro o Emerson, depois os
Bertin, saíram do negócio. Ele teve de comprar a parte dos outros e não
se recuperou.”
Bumlai se desfez da Cristo Rei para socorrer a usina, que
havia entrado em recuperação judicial. O dinheiro não foi suficiente
para impedir que o BNDES entrasse com pedido de falência da usina.
Os administradores da São Fernando não quiseram falar à
reportagem. Advogados da família de Bumlai não responderam às ligações. O
Instituto Lula informou que o ex-presidente não se manifestaria sobre
as declarações do presidente da Acrissul.
Prisões afetam PT sul-mato-grossense
O empresário Pedro Chaves dos Santos Filho, do PSC,
primeiro-suplente do senador Delcídio Amaral (PT-MS), preso na
quarta-feira suspeito de tentar obstruir as investigações da Operação
Lava Jato, é ligado à família do pecuarista José Carlos Bumlai, preso no
dia anterior. Uma filha de Pedro, Neca Chaves Bumlai, é casada com
Fernando Bumlai, filho de José Carlos Bumlai e um dos gestores da Usina
São Fernando.
Na sexta-feira, em Campo Grande, o PT discutiu os efeitos das
duas prisões. "Estamos abalados, mas precisamos juntar os cacos e seguir
com nosso trabalho. O partido tem 40 mil filiados no Estado", disse
Antônio Carlos Biffi, presidente do diretório estadual. Segundo ele, o
ex-governador e deputado Zeca do PT, que participou do encontro,
confirmou a disposição de concorrer à prefeitura de Campo Grande.
O PT governa 12 cidades em Mato Grosso do Sul, mas o número
deve cair na próxima eleição. "Estamos trabalhando para fortalecer o
partido no Legislativo", disse Biffi. Ele assumiu o posto após renúncia
do ex-presidente Paulo Duarte, prefeito de Corumbá - ele alegou que a
cidade sofria com a crise econômica e precisava de sua dedicação
integral.
O diretório de Mato Grosso do Sul e o de Campo Grande emitiram
nota criticando o posicionamento do presidente do partido, Rui Falcão,
que dissera que o "PT não se julga obrigado a qualquer gesto de
solidariedade" com Delcídio. Os diretórios disseram se sentir
"absolutamente desamparados politicamente", cobraram "lucidez política" e
manifestaram "solidariedade ao companheiro senador Delcídio Amaral".
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