quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

A Palavra — Pablo Neruda


... Sim Senhor, tudo o que queira,  mas são as palavras as que cantam,  as que sobem e baixam ...  Prosterno-me diante delas...  Amo-as, uno-me a elas,  persigo-as, mordo-as, derreto-as ...  Amo tanto as palavras ... 
As inesperadas ... As que avidamente a gente espera e espreita até que de repente caem ...
Vocábulos amados ... Brilham como pedras coloridas,  saltam como peixes de prata,  são espuma, fio, metal, orvalho ...  Persigo algumas palavras ... São tão belas que quero colocá-las  todas em meu poema ...
Agarro-as no vôo, quando vão zumbindo,  e capturo-as, limpo-as, aparo-as, preparo-me diante do prato,  sinto-as cristalinas, vibrantes, ebúrneas, vegetais, oleosas,  como frutas, como algas,  como ágatas,  como azeitonas ...
E então as revolvo, agito-as, bebo-as,  sugo-as, trituro-as, adorno-as, liberto-as ...
Deixo-as como estalactites em meu poema;  como pedacinhos de madeira polida, como carvão, como restos de naufrágio, presentes da onda ... Tudo está na palavra ...
Uma idéia inteira muda  porque uma palavra mudou de lugar  ou porque outra se sentou como uma rainha dentro de uma frase que não a esperava  e que a obedeceu ...
Têm sombra, transparência,  peso, plumas, pêlos,  têm tudo o que, se lhes foi agregando de tanto vagar pelo rio, de tanto transmigrar de pátria,  de tanto ser raízes ...
São antiqüíssimas e recentíssimas.  Vivem no féretro escondido e  na flor apenas desabrochada ...
Que bom idioma o meu,  que boa língua herdamos dos conquistadores torvos ...
Estes andavam a passos largos  pelas tremendas cordilheiras, pelas Américas encrespadas,  buscando batatas, butifarras (espécie de chouriço), feijõezinhos, tabaco negro, ouro, milho, ovos fritos, com aquele apetite voraz que nunca. mais,se viu no mundo ...
Tragavam tudo: religiões, pirâmides, tribos, idolatrias iguais às que eles traziam em suas grandes bolsas...
Por onde passavam a terra ficava arrasada... Mas caíam das botas dos bárbaros, das barbas, dos elmos, das ferraduras. Como pedrinhas, as palavras luminosas que permaneceram aqui resplandecentes... o idioma.
 
Saímos perdendo... Saímos ganhando... Levaram o ouro e nos deixaram o ouro... Levaram tudo e nos deixaram tudo... Deixaram-nos as palavras.

A Palavra – Pablo Neruda
Fonte: Texto extraído do livro Confesso que Vivi — Memórias, por Pablo Neruda

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