domingo, 24 de abril de 2016

Desabafo de uma amante da natureza..



Nasci e cresci em São Paulo, na av Brigadeiro Luis Antonio esquina com a rua Estados Unidos. Na frente da minha casa havia já, naquela época, cinco linhas de carros. Já inalei fumaça de carro e de ônibus por cinco gerações. Quero ar puro, muito verde, flores com beija flores.


Sabem o que havia  a poucos metros da minha casa? Auto elétricos. Barulho de serra cortando metal dia e noite! E olha que meu bairro era considerado "bairro nobre" pomposamente chamado de Jardim Paulista.


Mas de Jardim só o quintal da minha casa, uma espécie de oásis dentro daquela nuvem cinza de poluição. Enquanto do lado de fora de casa só se ouvia o barulho de buzinas e de metal, dentro do meu quintal ouvia-se o cantar dos pavões e dos outros pássaros, o latido da mini pinscher da minha mãe, a falação dos nossos papagaios. A gritaria da criançada correndo. A única coisa silenciosa na minha casa era a minha tartaruga cujo casco eu, ainda criança, pintei de verde.


Acho que fiquei com essa dicotomia na minha cabeça: oásis x inferno. A frescura do verde x o cinza da poluição. O barulho irritante do metal sendo serrado X o cantar dos pássaros.


Terminando a historia, chegou um dia, contudo em que o inferno do lado de fora tomou conta do paraíso do lado de dentro. Os empregados dos auto elétricos descobriram que nós tínhamos pássaros em casa e que pássaros podiam ser vendidos por muito dinheiro. Então puseram olheiros para subir no muro de casa de tardezinha-- hora em que nossos pavões e papagaios se recolhiam para dormir-- para descobrir em que árvores estavam. E de noite vinham rouba-los.


Assim foram, pouco a pouco, desaparecendo todos os nossos pássaros. No começo, meu pai pensou que tivessem sido comidos por gatos e pensou até em espalhar gatoeiras pelo jardim. Mas como ele também amava os gatos nada fez.


Primeiro foram os pavões azuis que abriam a cauda em leque à menor provocação.Depois foi a seriema-- minha preferida-- com quem eu repartia meu sorvete de flocos que, por coincidência, era o sabor de sorvete preferido dela também, que desapareceu. Até um tucano de bico quebrado que batia no vidro da minha janela para receber “gradinho” no topo da cabeça, sumiu.


Meu pai, naquela altura com sérios problemas cardíacos, pouco pode fazer.


Minha tartaruga de casco verde foi a ultima a desaparecer. Lembro que ela sumia mas depois aparecia de novo e tivemos a esperança de que ela não seria roubada mas, um dia, desapareceu de vez.


Enfim, na briga entre o oásis e o inferno, na briga entre a frescura do verde e a fumaça toxica do cinza, o lado mais agressivo é o que ganha.

Infelizmente.

Flavia Ribeiro da Luz


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