quinta-feira, 7 de abril de 2016

Primeiro maracanãs, depois ararinhas-azuis



Foto: Luiz Carlos Ribenboim
Maracanã: semelhança biológica
Soltura das aves em Curaçá (BA) faz parte do plano de ação para reintroduzir na natureza a espécie que hoje só existe em cativeiro.

LUCIENE DE ASSIS

Em breve, o som estridente e alegre das ararinhas-azuis (Cyanopsitta spixii) voando na companhia de outro parente, as maracanãs-verdadeiras (Primolius maracana), ecoará pelos ares do sertão baiano, pois as aves voltarão a povoar a região de Curaçá, norte da Bahia. Em dezembro de 2017 (data prevista), durante o período reprodutivo, um bando de 20 maracanãs, entre machos e fêmeas, será solto na fazenda Concórdia, às margens do riacho Melancia, uma área toda cercada de 2.380 hectares, pertencente à Al Wabra Wildlife Preservation.


A Al Wabra é uma organização sem fins lucrativos, sediada no Catar, dona de um criadouro particular de animais silvestres e que abriga o maior número de ararinhas-azuis criadas em cativeiro no mundo. E a soltura das maracanãs representará o início de um projeto-piloto destinado a preparar terreno para o retorno definitivo das ararinhas-azuis, extintas na natureza há mais de 15 anos.


As maracanãs-verdadeiras foram escolhidas pelo Grupo de Trabalho de Recuperação da Ararinha-azul para essa fase de testes por serem as aves mais parecidas, biologicamente, com essas ararinhas, inclusive nos quesitos comportamento e alimentação.


AMBIENTAÇÃO
Na sequência, em 2019, em comemoração aos 200 anos de descoberta da espécie pela ciência, haverá a soltura de um bando misto de ararinhas-azuis e maracanãs, na proporção de dez aves de cada grupo, machos e fêmeas. As aves serão monitoradas por, pelo menos, um ano por pesquisadores da Al Wabra Wildlife Preservation, e acompanhadas por veterinários.



Antes da soltura, as aves passam por uma fase de ambientação, que pode durar de um a três meses, para se adaptar em à alimentação e ao clima da região. Nesse período, as ararinhas serão acompanhadas por especialistas em comportamento, que treinarão os animais para, também, se prevenirem contra o ataque de predadores.


O projeto contará, ainda, com a coordenação de especialistas do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres (Cemave/ICMBio), que atuam no programa de cativeiro do Plano de Ação Nacional para a Conservação da Ararinha-azul, o PAN Ararinha-azul, aprovado em 2012. A iniciativa terá o apoio do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e da comunidade local.


SANTUÁRIO
Os animais devem receber transmissores e anilhas de identificação para facilitar o monitoramento. Para viabilizar o trabalho dos pesquisadores, será construído, na fazenda Concórdia, o Centro de Reintrodução. A área foi escolhida por apresentar as melhores condições de soltura, de acordo com estudos realizados na região por pesquisadores na região de Curaçá. De acordo com informações do Cemave, existem hoje apenas 112 ararinhas, distribuídas em criadouros do Oriente Médio (Catar), Alemanha e Brasil.


O MMA e o ICMBio estão preparando o projeto de criação de uma unidade de conservação de uso sustentável, que deverá abranger, ao todo, 44.582,17 mil hectares. A área engloba, além da fazenda Concórdia, porções dos territórios municipais de Juazeiro e Curaçá, na região do Baixo-Médio Vale do Rio São Francisco, na Bahia.


Esse será o novo lar das ararinhas-azuis, um lugar totalmente inserido no bioma Caatinga, sendo que mais de 80% da área da UC proposta é formada pela vegetação savana estépica, pouco representada em unidades de conservação. Pesquisa realizada em 2014 registrou 204 espécies de aves na região, sendo 28 endêmicas da própria Caatinga, riqueza possibilitada pela grande heterogeneidade de habitats do local.


“Em parceria com a sociedade e os governos estadual e municipal, pretendemos estabelecer uma área na região, que abrangerá 7% do território do município”, explica o diretor de Espécies do MMA, Ugo Vercillo. Segundo ele, os estudos mostram que as melhores áreas para soltura da ave estão nas fazendas Concórdia, Gangorra, Caraibeiras e Prazeres. “Mas a soltura será na fazenda Concórdia, embora saibamos que as aves podem se deslocar para as outras localidades”, lembra o diretor de Espécies do MMA.


COMUNIDADE LOCAL
A unidade de conservação das ararinhas-azuis deve ser concebida e estabelecida como forma de se garantir o restabelecimento e aumento populacional da espécie, contando, também, com o apoio da comunidade local. O apoio da sociedade permitirá resguardar, mais eficazmente, o habitat das aves, a partir do direcionamento, para a região, de políticas públicas específicas, definidas pelo MMA, ICMBio, o governo da Bahia e prefeitura municipal de Curaçá.


Deflagradas essas ações, será possível proteger não apenas a Caatinga, mas, também, os fragmentos florestais de mata de galeria (ciliar) e a parcela de savana estépica importante para o ciclo de vida da ararinha naquele local. Fará parte da estratégia, a adoção de práticas agrícolas compatíveis com a preservação da espécie na área de uso das aves; a promoção da melhoria da qualidade de vida da comunidade local e seu engajamento na proteção das ararinhas-azuis e de outras espécies da região, como jacucaca (Penelope jacucaca), maracanã (Primolius maracana), tatu-bola (Tolypeutes tricinctus), onça-parda (Puma concolor) e gato-do-mato (Leopardus tigrinus).


NOVO COLORIDO
Os estudos socioeconômicos e fundiários para a criação dessa UC federal, um polígono situado na bacia hidrográfica do rio Curaçá, afluente do São Francisco, foram realizados, ainda em 2013, na área histórica de ocorrência original da ararinha-azul. Importa destacar que o estado da Bahia também está conduzindo um processo para criação de UCs estaduais na região próxima aos limites da UC federal indicada e que também ajudarão a proteger a Caatinga.


As áreas contemplam as serras existentes no entorno imediato da UC federal, onde estão alguns dos fragmentos de Caatinga em melhor estado de conservação do município de Curaçá, em particular as serras da Natividade, Canabrava, Borracha e Grutão. A Serra da Borracha, inclusive, é tida como um local histórico de ocorrência da ararinha-azul e da arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari).


De acordo com a regulamentação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), constante na Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, e no Decreto nº 4.330, de 22 de agosto de 2002, as UC são criadas por ato do poder público federal, estadual ou municipal, após a realização de estudos técnicos e consulta pública que permitam identificar a localização, a dimensão e os limites mais adequados para a unidade.


Ugo Vercillo esclarece que a realização da consulta pública antes da criação da UC permite que a sociedade participe ativamente do processo, oferecendo subsídios para o aprimoramento da proposta. Compete ao órgão que está propondo a criação da nova UC elaborar os estudos técnicos preliminares e realizar a consulta pública e os demais procedimentos para a criação da unidade.


READAPTAÇÃO
Sobre a reintrodução, a estratégia é soltar aves jovens, que usarão sua curiosidade nata para obter uma variedade considerável de alimentos, esquivando-se de predadores. O problema é que quanto mais tempo as aves passarem em cativeiro, menor o potencial de desenvolvimento cerebral, sendo menos flexíveis às mudanças, o que as torna mais vulneráveis ao ataque de predadores.


O plano é soltar, naquele espaço, aves de mais ou menos seis meses de vida, que podem retornar ao viveiro de ambientação quando quiserem, recebendo alimentação suplementar durante o período de transição entre o cativeiro e a vida livre na natureza (método conhecido como soft release).


Em 2014, nasceram 20 filhotes de ararinhas-azuis nos três criatórios particulares que abrigam exemplares da espécie, localizados no Brasil, Alemanha e Catar. “Percebemos que, aos poucos, essa ave pode voltar ao seu habitat”, diz, confiante, a analista ambiental do ICMBio/Cemave, Camile Lugarini. Ela esclarece que a região de Curaçá foi escolhida pelos especialistas “por sabermos que nesse município foi observado, há anos, o último macho da espécie e por ser uma área confirmada de distribuição histórica das ararinhas-azuis”.


A reintrodução das aves ocorrerá no período de chuvas, quando a disponibilidade de alimento será maior, entre os meses de dezembro e fevereiro. Estações de alimentação serão colocadas em árvores altas, facilitando o monitoramento da espécie e a suplementação alimentar. As aves serão soltas no período da manhã e, se necessário, ficarão presas no espaço de ambientação durante a noite, se retornarem ao recinto.


PLANEJAMENTO
Na verdade, Curaçá já está se preparando para receber as ararinhas-azuis. Em janeiro deste ano, dias 16 e 17, ocorreu uma reunião na cidade para tratar da reintrodução da ave na região. Representantes do poder público (MMA e ICMBio) e de associações populares, instituições estaduais e organizações não governamentais, e da prefeitura municipal de Curaçá debateram sobre um conjunto de ações com essa finalidade.

As ações contemplarão cinco eixos: proteção da Caatinga; adoção de práticas agroecológicas e agroflorestais para a preservação da espécie na área de uso das aves; melhoria da qualidade de vida da comunidade local; fiscalização e monitoramento; e educação, cultura, comunicação e engajamento da comunidade na proteção da espécie.


Para reforçar a estratégia conservacionista do governo federal, a coordenação do Programa Bolsa Verde, instituído pelo MMA, pretende incluir no programa as famílias da região que vivam em situação de extrema pobreza nas áreas tidas como berçário de animais ameaçados de extinção.  

CONSERVAÇÃO
O Programa Bolsa Verde visa beneficiar famílias que atuem na conservação do ambiente e na proteção de espécies ameaçadas de extinção, trazendo benefícios sociais à comunidade de Curaçá, inclusive com apoio do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec).

A diretora de Extrativismo do MMA, Juliana Simões, explica que o Bolsa Verde visa apoiar as ações de conservação ambiental, além de produzir benefício social à comunidade.

O Programa de Apoio à Conservação Ambiental Bolsa Verde foi lançado em setembro de 2011 pelo governo federal. O propósito é repassar, a cada trimestre, R$ 300 a famílias em situação de extrema pobreza e que vivem em áreas consideradas prioritárias para conservação ambiental.

O benefício é concedido por um período de dois anos, com possibilidade de renovação. O objetivo é aliar o aumento de renda dessas populações à conservação dos ecossistemas e ao uso sustentável dos recursos naturais.

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