segunda-feira, 11 de julho de 2016
O plano olímpico agrava os desequilíbrios do Rio, ao concentrar os
investimentos na Barra da Tijuca, uma equivocada expansão urbana para o
oeste, iniciada nos anos 1970, com “elevados investimentos em túneis,
estradas e viadutos, em um circuito especulativo de altos custos
sociais”.
Rio de Janeiro, Brasil, 11/7/2016 – Os Jogos Olímpicos começarão no dia 5
de agosto, na cidade do Rio de Janeiro, como um alívio para os taxistas
locais, não pelos ganhos adicionais que poderão obter com turistas, mas
pelo fim das obras que bloquearam muitas avenidas nos dois últimos
anos. Porém, dezenas de milhares de famílias se sentem excluídas do
festival esportivo e da cidade. São as vítimas de deslocamentos forçados
pela construção de vias de transporte e instalações para a Olimpíada.
“Mais de 77 mil pessoas perderam suas casas desde 2009”, quando o Rio de
Janeiro foi escolhida sede dos Jogos Olímpicos 2016, denunciou Mario
Campagnani, membro do Comitê Popular da Copa e da Olimpíada, como
representante da organização não governamental Justiça Global. Nem todas
essas pessoas foram deslocadas, mas muitas comunidades pobres, como
Vila Harmonia e Recreio II, foram totalmente desalojadas, em razão do
que “chamamos de jogos da exclusão”, explicou à IPS.
Este será o quarto grande evento esportivo que afeta a cidade desde os
Jogos Pan-Americanos de 2007. Depois vieram a Copa das Confederações em
2013 e o Mundial da Fifa no ano seguinte, esta disputada em várias
cidades mas com encerramento no Rio de Janeiro, a sede principal. A
maioria das famílias foi reassentada em bairros distantes do centro e de
locais de trabalho, com infraestrutura precária; outras receberam
indenizações insuficientes para refazerem suas vidas e alguns não
receberam qualquer compensação por suas casas ou comércios demolidos,
segundo o Comitê.
Quatro linhas de BRT (TransporteRápido por Ônibus) somando mais de 150
quilômetros, uma linha de metrô de 16 quilômetros, uma reforma radical
da zona portuária central, agora denominada Porto Maravilha, e alguns
estádios foram as principais obras impulsionadas pela Olimpíada. O BRT
Transcarioca, que une a Barra da Tijuca, o novo bairro rico onde foi
construído o Parque Olímpico e outros estádios, ao aeroporto
internacional do Rio de Janeiro, reflete o objetivo de servir ao turismo
primeiro, antes da população local.
O Rio Janeiro se converteu em uma das capitais mundiais dos megaeventos,
que são “uma máquina de entretenimento, uma indústria múltipla que
gerou um novo conceito de lazer turístico, ativo e não mais
contemplativo”, afirmou à IPS Luiz Cesar Ribeiro, professor de
planejamento urbano na Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Trata-se
de um setor complexo, que envolve em sua preparação e realização vários
serviços, obras públicas, meios de comunicação e outros negócios, como a
indústria de material esportivo, além da Fifa e do Comitê Olímpico
Internacional”, acrescentou.
A cidade se adequa a essa atividade, “por ser uma grande metrópole, de
paisagem natural maravilhosa e um centro cultural atraente, onde até a
pobreza das favelas se converteu em produção interessante”, destacou o
professor, que coordena o Observatório de Metrópoles, uma rede de
pesquisa. Além disso, essa inclinação por grandes espetáculos e seus
negócios tem um desenvolvimento endógeno.
O carnaval local se converteu em um negócio turístico e televisivo
internacional. Em 1950, o Rio foi o coração da Copa do Mundo de Futebol,
construindo o Maracanã, maior estádio do mundo durante muitas décadas.
Em 1985, o empresário Roberto Medina criou o Rock in Rio, reunindo
multidões, bandas e cantores internacionais. Mas os megaeventos custam
muito e exigem grandes investimentos em detrimento de serviços públicos,
como saúde e educação.
“Somente cidades ricas e sem problemas deveriam recebê-los”, opinou
Ribeiro. “Mas não é assim, porque a indústria do entretenimento prefere
cidades como o Rio de Janeiro, Com mecanismos de corrupção que facilitam
seus negócios, o que inclui as da Rússia e África do Sul, ou mesmo
países ou cidades-empresas como o Catar”, acrescentou, ressaltando que
se trata de uma atividade cujos preços não são fixados pelo mercado, mas
por acordos, sem parâmetros.
O Brasil é um pouco o inventor do novo conceito, já que foi um
brasileiro, João Havelange, como presidente da Fifa entre 1974 e 1998,
que “se deu conta do grande negócio que o futebol poderia representar ao
ser globalizado” e envolvendo diferentes setores, desde a venda do
espetáculo, até a indústria e o comércio de jogadores.
Agora, Ribeiro se preocupa principalmente com o que virá depois dos
Jogos Olímpicos. “Teremos uma fragilidade econômica acentuada, uma volta
aos anos 1980, com crise social, desemprego e mais violência”, previu.
Isso porque o Rio não conta com uma base industrial estruturada e é mais
vulnerável do que outras cidades à crise econômica nacional. Acabarão
os empregos gerados pelo megaevento, em um momento em que o Estado do
Rio de Janeiro está quebrado e em crise de governabilidade.
Além disso, o momento anterior, de relativa melhora econômica e social,
gerou expectativas que serão frustradas depois dos Jogos, com a
população perdendo renda e sofrendo a deterioração de serviços de saúde,
ressaltou Ribeiro. O grande avanço nos transportes coletivos urbanos,
anunciado como legado da Olimpíada, não ocorrerá, porque se investiu
muito nos BRT, de efeitos limitados aos seus circuitos, sem uma política
geral de transporte de massa, o que exigiria melhorias nos trens
suburbanos,“nos quais não houve nenhum investimento”, lamentou.
O plano olímpico também agrava os desequilíbrios do Rio, ao concentrar
os investimentos na Barra da Tijuca, uma equivocada expansão urbana para
o oeste, iniciada nos anos 1970, com “elevados investimentos em túneis,
estradas e viadutos, em um circuito especulativo de altos custos
sociais” para a cidade, destacou Ribeiro. Assim, segundo o professor, se
perdeu a oportunidade da Olimpíada para “criar outras centralidades a
fim de equilibrar a cidade”, revitalizar o centro e “sair do modelo que
amplia investimentos em áreas ricas, ao contrário do que fez Londres”
para os Jogos de 2012.
Por outro lado, a violência na cidade está aumentando, segundo
Campagnani. As mortes provocadas pela Polícia Militar local chegaram a
40 em maio, 138% mais do que em igual mês de 2015, e a maioria das
vítimas é de jovens negros. A sucessão de megaeventos fomenta uma
crescente militarização da cidade, com o exército convocado para manter a
segurança pública. Durante os Jogos, que acontecerão de 4 a 21 de
agosto, atuarão 21 mil militares no Rio e mais 20 mil em outras cidades
onde também haverá competições, como os jogos de futebol.
Os cerca de 10.500 atletas e 25 mil jornalistas, além de um número maior
de turistas, chegarão ao Rio em um momento desfavorável. Além da crise
econômica e política, o Brasil sofre, desde o ano passado, um foco do
vírus Zika, transmitido pelo Aedes aegypti e fator de microcefalia em
bebês de mães contagiadas.
O ministro dos Esportes, Leonardo Picciani, no cargo há apenas dois
meses, descartou riscos, em uma teleconferência com jornalistas
estrangeiros no dia 7 de julho. Os casos de zika já caíram 90% no Rio,
passando para 700 em maio e deverão “se aproximar de zero em agosto”,
assegurou o ministro.Sobre segurança, recordou que a cidade tem longa
experiência com o Mundial de Futebol e outros megaeventos, a visita do
papa Francisco em 2013, sem incidentes, e afirmou que haverá um número
sem precedentes de policiais e militares.
Fonte: Envolverde
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