- quinta-feira, 16 março 2017 19:21
- 2 Comentários
Do que constava sua fala? Kent comparou a conservação da natureza e das áreas protegidas a Ulisses, na Grécia antiga, que reconhecendo sua vulnerabilidade como homem, já que não era deus, pediu para ser amarrado ao mastro de seu navio para não se deixar tentar pelo canto das sereias. Cabia a ele a responsabilidade de conduzir a embarcação com segurança ao seu destino e, tanto ele quanto sua equipe sabiam que passariam próximos a uma ilha onde viviam as sereias que seduziam por sua beleza e canto cheio de magia.
Os desafios da conservação têm sido marcados pela sedução de aparentes vantagens, hoje responsáveis pela destruição maciça da natureza, seja construção de estradas, exploração de minérios valiosos, plantio de um produto rentável em larga escala, criação de animais para o abate, ou qualquer outra atividade econômica, comuns mundo afora. As escolhas humanas vêm sobrepondo à conservação e o mundo natural encontra-se cada vez mais diminuto e menos protegido. Com isso, temos que ter mais e mais cuidados para não nos deixarmos seduzir pelo canto das sereias que se proliferam exponencialmente.
"Precisamos ter mais e mais cuidados para não nos deixarmos seduzir pelo canto das sereias que se proliferam exponencialmente"
Precisamos proteger a natureza de nós mesmos e de nossas escolhas equivocadas, de modo a que a riqueza da vida permaneça tanto na terra quanto nas águas e no ar. O planeta nos proporcionou abundância de espécies, ecossistemas, biomas que merecem a chance de continuar sua trajetória evolutiva, com os mares salvaguardados, os rios com águas límpidas e cheios de vida, e tudo o mais que herdamos nessa nossa breve passagem por aqui. A cada tentação, amarrem-nos mais fortes e nos tirem as vendas da cegueira da ganância.
Mais recentemente, li sobre outro personagem do mundo mitológico, e achei que valia ser relembrado: Orpheu. Ao tocar sua lira, tamanha era a perfeição do som que produzia que a todos encantava. O mal e o bem se estarreciam diante de tanta beleza. Até as árvores se curvavam ao som de sua música mágica. Orfeu apaixonou-se perdidamente e perdeu seu amor cedo. Foi às profundezas sombrias tentando resgatá-la, e até lá encantou a todos que encontrou, e por isso não foi contagiado pelo mal. Acabou por perder seu amor para sempre, mas ficou a magia de sua música e sua lira se tornou uma constelação da via láctea.
O que Orfeu tem a ver com conservação? Como educadora ambiental, busco formas de encantar as pessoas com as belezas naturais que estão por toda parte. Estão dentro e fora de nós. Estão ao redor e nas alturas, no sistema cósmico a que pertencemos. Todo a intrincada teia de vida da qual dependemos e fazemos parte é de imensa beleza, sutil, delicada e por vezes agressiva, mas sempre em harmonia com um propósito maior, e por isso merecedora de nossa reverência e maravilhamento.
Precisamos encontrar liras que sonorizem nuances de tons que sejam tão bem tocados que nos afastem das tentações de abrir mão do que realmente vale a pena. E no caminho que percorrermos, é fundamental que contagiemos a todos com esse sentimento de êxtase que a natureza é capaz de nos despertar.
Que o IPÊ e todos que buscam proteger a natureza encontrem liras à altura de Orfeu, suficientes para cumprir nosso papel de dar exemplo de que é possível viver sem destruir. É possível proteger e ajudar àqueles que desejam novos modelos de desenvolvimento integrado à vida. Nossa felicidade muito depende desse novo pensar e que nossos caminhos sejam banhados de músicas inspiradoras e não de cantos de sereias tentadoras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário