Por Daniela Chiaretti | De São Paulo
Um vazamento de petróleo na bacia da foz do rio Amazonas tem até 72% de probabilidade de atingir Trinidad e Tobago, no pior cenário. Além disso, seria desastroso para a segurança alimentar e subsistência de comunidades de pescadores que vivem no Amapá e Pará. Poderia danificar seriamente uma das mais importantes descobertas da ecologia marinha das últimas décadas - os recifes de corais da foz do Amazonas.
Estes dados estão no estudo "Amazônia em águas profundas: como o petróleo ameaça os corais da Amazônia", feito por pesquisadores contratados pelo Greenpeace. O trabalho, que será lançado hoje e ao qual o Valor teve acesso, analisa os Estudos de Impacto Ambiental (EIA) apresentados ao Ibama pelas empresas interessadas na exploração na área, a francesa Total e a britânica BP.
"O recife do Amazonas é, provavelmente, um dos maiores do mundo e é um corredor de conexão entre a fauna que ocorre no Caribe e a do Brasil", destaca o biólogo Ronaldo Francini, um dos 40 autores envolvidos com um artigo publicado na "Science Advances" e que revelou a existência do bioma nas águas turvas do encontro do rio Amazonas com o Atlântico.
"É um recife profundo, que começa em 60 metros de profundidade e vai até 200 metros", continua. Recifes com estas características são menos sensíveis à mudança do clima do que os rasos, além de serem fontes de biodiversidade e terem potencial biotecnológico. Ele lembra ainda que no Norte do país está a segunda maior zona contínua de manguezais, que são considerados berçários de espécies marinhas. Os manguezais, somados aos recifes de corais, criam um bioma único e ainda desconhecido. "Podemos estar matando a galinha de ovos de ouro", diz ele.
Os pesquisadores apontam inconsistências nos EIA. Em agosto, o Ibama deu ultimato à Total, pedindo que a empresa responda às pendências listadas pelos técnicos da agência de licenciamento ambiental. A Total já tentou três vezes aprovar o licenciamento, mas os técnicos do Ibama consideraram os estudos de impacto inconclusivos e deficientes. "Caso o empreendedor não atenda aos pontos demandados pela equipe técnica mais uma vez, o processo de licenciamento será arquivado", avisou a presidente Suely Araújo. A maior preocupação do Ibama é o risco de um eventual vazamento causar um incidente internacional.
Até agora se conhece apenas 5% da área do recife amazônico. "Sentimos falta também de informações socioeconômicas", diz a ecóloga Verena Almeida, que analisou os EIA pela ótica socioambiental. A região é importante para a pesca de peixes como o pargo e a lagosta. "Se um problema afetar diretamente os corais, irá comprometer a vida daquelas populações", diz ela.
O grupo de pesquisadores contratados pela ONG reúne especialistas em geologia, hidrologia, biologia marinha e aspectos socioeconômicos. No estudo estão relatadas as tentativas mal-sucedidas de explorar petróleo na bacia da Foz do Amazonas. Foram 95 poços perfurados desde o fim dos anos 60.
Destes, 27 foram abandonados por acidentes mecânicos. Nove empresas estrangeiras perfuraram 21 poços de prospecção e a Petrobras investiu US$ 1 bilhão em 71 perfurações em águas rasas na região. "Ainda assim, nenhum reservatório de hidrocarbonetos, petróleo ou gás comercialmente e/ou tecnicamente viável foi encontrado até agora", diz o relatório.
"São muitos os pontos problemáticos", diz Thiago Almeida, especialista em energia do Greenpeace. O estudo destaca, por exemplo, que lugares com situação geológica pouco conhecida, onde o solo é instável e as condições oceanográficas difíceis, são algumas condições que a indústria do petróleo considera que ampliam o risco de explosão em perfurações no mar. Esses fatores "estão todos presentes nos empreendimentos na bacia da foz do Amazonas, que potencializam o risco de acidentes", diz o relatório.
"O Brasil e o mundo já têm diversas soluções energéticas para não depender das energias fósseis", diz Almeida. "Não há por que abrir nova fronteira de exploração de petróleo em um mundo que está saindo dos combustíveis fósseis."
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