terça-feira, 7 de novembro de 2017

O Estado de S. Paulo - Precisamos falar sobre o clima

Caroline Prolo

A mobilização em torno das mudanças climáticas não é de hoje, mas, apesar de ter visto muitos avanços, ainda tem muito trabalho pela frente. Desde 1992, a Convenção-Quadro da ONU sobre mudança do clima reúne países para buscar soluções para combater o aumento da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera e evitar o aquecimento da Terra.


São 25 anos de cooperação internacional de 196 países para lutar contra um inimigo comum e que muitas vezes vive dentro de casa: as emissões de gases de efeito estufa são também causadas por nós humanos, e somos os maiores responsáveis pela concentração que está aí hoje na atmosfera.


Mas por que isso é um problema? E se depende de nós, por que é tão difícil resolvê-lo? Afinal, o que pode ser feito?


Muitos de vocês já sabem as respostas destas perguntas; outros talvez nunca tenham se interessado em saber a resposta; outros ainda talvez nunca tenham sequer se feito a pergunta. Para estes dois grupos, a próxima pergunta essencial então é: por que você precisa saber disso?


Isso é o que vamos tentar responder ao longo de uma série de artigos nas próximas duas semanas, durante a 23.ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima (a famosa “COP” do clima), que começou nesta segunda em Bonn, na Alemanha.


Você deve se lembrar de que em uma dessas COPs, em novembro de 2015, na cidade de Paris, foi adotado um novo acordo internacional de mudança do clima. Pois é, o Acordo de Paris é a principal pauta desta COP.


Por que você precisa saber disso?
Primeiro porque isso é lei, e, no Brasil, se você descumprir alguma lei não pode alegar que não a conhecia. Presume-se que todo cidadão brasileiro conheça as leis que o governam.
Mas sabemos que num país com quase 10% da população analfabeta e 17% analfabeta funcional não é razoável esperar conhecimento da lei. E sabemos também que este país é regido por leis demais, e elas nem sempre são acessíveis.

Mas calma que a gente vai ajudar.
A Convenção do Clima, de 1992, e também o Acordo de Paris, de 2015, são tratados internacionais, com força de lei em tribunais internacionais. O Brasil os assinou e promulgou decretos-leis especificamente para reconhecer que estes tratados equivalem a leis nacionais. Dessa forma, independentemente do valor de lei desses tratados no plano internacional, eles são leis no Brasil.

Para regulamentar a aplicação prática destes tratados no Brasil, em 2009 entrou em vigor a Política Nacional sobre Mudança do Clima (lei 12.187/2009), que trouxe diretrizes gerais e os primeiros passos para que a mudança do clima seja efetivamente considerada nos diversos setores da economia brasileira.

A política prevê a implementação de planos de ação setoriais nas áreas de florestas, geração e distribuição de energia elétrica, no transporte público urbano e de cargas e passageiros, na indústria de transformação e na de bens de consumo duráveis, nas indústrias químicas fina e de base, na indústria de papel e celulose, na mineração, na indústria da construção civil, nos serviços de saúde e na agropecuária, com metas gradativas de redução de emissões.

A Política Nacional também prevê a criação de um mercado brasileiro de redução de emissões para a negociação dos chamados “créditos de carbono”, que poderão ser utilizados no cumprimento dessas metas.

Seguindo isso, outros Estados e municípios resolveram também lançar leis para instituir políticas de mudança do clima, como o município de São Paulo, o Estado do Rio de Janeiro, e diversos outros. Essas políticas preveem metas de redução de emissões e algumas medidas de controle, como a exigência de elaboração de inventários de emissões de gases de efeito estufa no licenciamento ambiental de atividades com significativas emissões, por exemplo.

E onde entra o Acordo de Paris?
O Acordo de Paris veio justamente para dar um empurrão nesse processo, que andava meio lento, não somente no Brasil, mas em todos os países signatários da Convenção do Clima, para que acelerem e implementem efetivas políticas de clima.
Aqui, por exemplo, é necessário atualizar a política do clima de 2009 para refletir essas novas disposições do regime internacional. Mas também será necessário criar novas leis para se adequar ao futuro do acordo.

Ao fecharem o tratado, 196 países se comprometeram a apresentar consecutivos planos de redução de emissões de gases de efeito estufa, com metas e/ou medidas a serem alcançadas, a cada cinco anos. Estes planos são chamados “contribuições nacionalmente determinadas” (ou NDCs na sigla em inglês do diplomatiquês).


Cada país precisa agora definir como pretende implementar este plano e como vai renová-lo a cada ciclo, acrescentando medidas mais ambiciosas do que o plano anterior. Para manter estes ciclos sucessivos de uma forma coerente, o país precisa instituir ou revisar suas políticas nacionais de mudanças climáticas, já prevendo esta necessidade de atualização do plano a cada cinco anos, inclusive suas metas e medidas, de uma forma crescente.
Nesta COP, os hoje quase 170 países que ratificaram o Acordo de Paris estão trabalhando nisso. Eles buscam regulamentar o processo de divulgação internacional dos planos a serem apresentados por cada um, como eles serão revisados, validados, e o que deve estar contido neles.


Os países deverão apresentar um plano revisado em 2020, já levando em consideração essas diretrizes.
Então você já percebeu que, até 2020, o Brasil também deverá submeter um novo plano sobre como pretende reduzir mais suas emissões de gases de efeito estufa. Sabemos que isso é um grande desafio, pois os impactos de mudança do clima estão relacionados a diversas esferas políticas e setores da economia, e todos precisam ser engajados num processo com ampla consulta à população.


A sociedade civil tem um papel fundamental neste processo, pois as mudanças do clima já estão trazendo consequências reais hoje para a população, que já sofre com fenômenos climáticos cada vez mais frequentes muitas vezes por causa da falta de estrutura para resistir a estes eventos, e também para as futuras gerações, que vão sofrer isso tudo com ainda mais intensidade.
No mundo inteiro, em especial nestes 170 países, políticas nacionais estão sendo criadas e implementadas para cumprir o Acordo de Paris. Como vai ser no Brasil? Essa é uma pergunta que vale a pena ser feita e cuja resposta interessa para você.

* Caroline Prolo é advogada especialista em Direito Ambiental do Stocche Forbes, consultora do International Institute for Environment and Development (IIED) e presta assessoria legal ao grupo dos países menos desenvolvidos.

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