segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Aquecimento Global como argumento para privatizar a Petrobrás (???!!!)

Aquecimento Global como argumento para privatizar a Petrobrás

Ale­xandre Araujo Costa

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Ape­li­dada de "rainha das pri­va­ti­za­ções", Elena Landau não nega o aque­ci­mento global. Apenas de­fende uma po­lí­tica econô­mica que o agra­vará!

Elena Landau, eco­no­mista, pu­blicou um texto de opi­nião no Es­tadão em que de­fende a pri­va­ti­zação da Pe­tro­brás. Até aqui, ne­nhuma sur­presa, evi­den­te­mente, afinal ela já havia tra­ba­lhado na ad­mi­nis­tração de Fer­nando Hen­rique Car­doso, na con­dição de di­re­tora do BNDES, jus­ta­mente no pro­grama de pri­va­ti­zação de es­ta­tais.

A pre­fe­rência por uma agenda ne­o­li­beral, de "Es­tado mí­nimo", por parte de Landau, não é de hoje. A no­vi­dade fica pelo fato de que ela tenta usar o aque­ci­mento global como um ar­gu­mento a mais para a de­fesa da venda da com­pa­nhia de pe­tróleo ao ca­pital pri­vado. Mas... será que isso faz sen­tido?

Uma "pri­va­ti­zação como outra qual­quer"?

http://www.struggle.pk/wp-content/uploads/2013/06/Capitalism-Global-Warming-Enviroment-Destruction-cartoon-2.jpg
Lem­brar do aque­ci­mento global e de­fender mais pri­va­ti­zação das re­servas fós­seis é um con­tras­senso. Ou me­lhor, é pura de­so­nes­ti­dade.

Em pleno sé­culo 21, es­pe­ci­al­mente quando se trata de com­bus­tí­veis fós­seis, in­cluindo pe­tróleo, o de­bate econô­mico não pode se res­tringir à tra­di­ci­onal con­fron­tação entre uma di­reita pri­va­tista e uma es­querda es­ta­ti­zante. Além de dis­cu­tirmos a questão da pro­pri­e­dade dos meios de pro­dução (se pri­vada ou pú­blica) é pre­ciso ques­ti­onar in­clu­sive que se­tores "pro­du­tivos" pre­cisam ser des­con­ti­nu­ados, em função de li­mites am­bi­en­tais pla­ne­tá­rios.
No fundo, Landau sabe disso, daí, a frase final do seu ar­tigo ("não há ne­nhuma di­fe­rença entre as ra­zões para a re­ti­rada do Es­tado do con­trole da Pe­tro­brás e de qual­quer outra em­presa es­tatal") entra em con­tra­dição com o que ela usa como um dos ar­gu­mentos para de­fender que o Es­tado bra­si­leiro pre­cisa se li­vrar da em­presa.

A ló­gica de Landau é que "o aque­ci­mento global vem im­pondo res­tri­ções ao uso de com­bus­tí­veis fós­seis, o que reduz o valor da em­presa para a so­ci­e­dade ao longo do tempo" e que em vir­tude disso "sua venda de­veria ser feita o mais breve pos­sível". Claro, ela se dá ao tra­balho de ex­cluir a pos­si­bi­li­dade de "gastar re­cursos pú­blicos para re­o­ri­entar suas ati­vi­dades para ener­gias re­no­vá­veis", sem apre­sentar ne­nhuma jus­ti­fi­ca­tiva plau­sível para isso.

Per­cebam, por­tanto, como se chega a um nível de ci­nismo e non se­quitur im­pres­si­o­nantes: a pessoa con­segue usar a dra­ma­ti­ci­dade do aque­ci­mento global para dizer que a em­presa vai "perder valor" e que por isso é pre­ciso vendê-la logo... Mas "es­quece" que nessa ló­gica, o ca­pital pri­vado irá ex­plorar as ja­zidas fós­seis num ritmo ainda mais fre­né­tico, e des­pejar o car­bono todo na at­mos­fera, agra­vando jus­ta­mente o pro­blema!

Na­ci­o­na­lizar as re­servas fós­seis para deixá-las no sub­solo

Há muito tempo tenho in­sis­tido que é pre­ciso su­perar o dis­curso de­sen­vol­vi­men­tista do var­guismo e as ilu­sões de ex­plorar pe­tróleo para fi­nan­ciar edu­cação, saúde etc. Landau usa ci­ni­ca­mente um ar­gu­mento "ge­ra­ci­onal", mas aqui o ver­da­deiro de­bate sobre o le­gado para as fu­turas ge­ra­ções é que mesmo que usemos todo re­curso da ex­plo­ração de pe­tróleo com saúde e edu­cação pú­blicas, a conta não fecha, pelo con­trário.

Sem conter o aque­ci­mento global, o que im­plica im­pedir a queima da grande mai­oria das re­servas fós­seis, o le­gado para a ge­ração se­guinte é mais eventos ex­tremos: ondas de calor, secas, tem­pes­tades se­veras, ele­vação do nível do mar.

É um con­junto de im­pactos cuja se­ve­ri­dade afe­tará as vidas das pes­soas em todos os seus as­pectos, com con­sequên­cias di­retas sobre a saúde, seja pela di­fi­cul­dade de acesso à água po­tável (nos ex­tremos, a Ci­dade do Cabo pode en­trar em co­lapso de abas­te­ci­mento por seca ex­trema - para não falar de For­ta­leza, que pode es­capar por um fio - e Porto Rico teve grande parte de seu ter­ri­tório pri­vado de água po­tável por conta da en­chente pro­du­zida), seja pela pro­li­fe­ração de ve­tores trans­mis­sores de do­enças, seja pelos ma­le­fí­cios di­retos de ondas de calor, como as que ma­taram mi­lhares de pes­soas na Eu­ropa em 2003 e na Índia e Pa­quistão em 2015. E imi­gração for­çada em massa é um risco real e con­creto

Daí a saída é jus­ta­mente o con­trário do que propõe Landau. O cor­reto é sair de "o pe­tróleo é nosso" para "o pe­tróleo é nosso pra ficar no chão", como de­fendo neste ar­tigo.

Com seu ci­nismo e ma­la­ba­rismo ar­gu­men­ta­tivo, Landau acha que de­vemos trocar "o pe­tróleo é nosso" para "o pe­tróleo é de vocês pra queimar à von­tade e f*der de vez com o clima global".

Fran­ca­mente, ela pa­rece su­bes­timar a in­te­li­gência dos lei­tores e joga às favas qual­quer ves­tígio de ho­nes­ti­dade in­te­lec­tual. Ou seja, para evitar passar ver­gonha com um ne­ga­ci­o­nismo cli­má­tico ex­plí­cito, Landau re­solve passar ver­gonha equi­li­brando ele­mentos an­tagô­nicos numa mesma linha de ra­ci­o­cínio.

E fa­lando em au­sência de ho­nes­ti­dade in­te­lec­tual...

Tratar o gás de xisto como "com­bus­tível al­ter­na­tivo" é uma piada de mau gosto. Como pro­va­vel­mente Elena Landau não é ig­no­rante, acre­di­tamos que ela atue in­tei­ra­mente de má fé ao es­conder os pro­blemas as­so­ci­ados ao frac­king.


... Landau se re­fere ao gás de xisto como "com­bus­tível al­ter­na­tivo", res­sal­tando que sua des­co­berta foi "mé­rito do ca­pital pri­vado". Im­pres­si­o­nante...


Para início de con­versa, o gás na­tural em si já é um com­bus­tível fóssil como carvão e pe­tróleo e, por­tanto, o gás na­tural também pre­cisa ser aban­do­nado como fonte de energia. A queima de me­tano (seu prin­cipal cons­ti­tuinte) produz dió­xido de car­bono e a parte que es­capa, cons­ti­tuindo aquilo que cha­mamos de "emis­sões fu­gi­tivas", também tem im­pacto bas­tante sig­ni­fi­ca­tivo sobre o clima, já que o po­ten­cial de aque­ci­mento global da mo­lé­cula de CH₄ é vá­rias vezes maior do que o do CO₂.

Além disso, o gás de xisto é ex­traído via frac­king, uma das tec­no­lo­gias mais sujas que foram in­ven­tadas nas úl­timas dé­cadas no setor de energia. Aliás, exa­ta­mente por ter emis­sões fu­gi­tivas mai­ores que o gás ex­traído em moldes con­ven­ci­o­nais, o gás de frac­king é tão de­sas­troso para o clima quanto o carvão, como mos­tramos em nosso blog no ar­tigo "Uma Fra­tura no Clima".

Pri­va­ti­zação fóssil ou de­mo­cra­ti­zação com des­car­bo­ni­zação?


100% pú­blica, de­mo­crá­tica e des­car­bo­ni­zada. A Pe­tro­brás po­deria virar uma So­lar­brás!

"There is no al­ter­na­tive". A frase de efeito, sen­tença bai­xada sobre a ca­beça da hu­ma­ni­dade pelos ideó­logos ne­o­li­be­rais, teima em apa­recer nos textos que de­fendem de­ter­mi­nadas agendas econô­micas. Landau afirma pe­remp­to­ri­a­mente que não existe a "al­ter­na­tiva de in­vestir em re­no­vá­veis" e que não há al­ter­na­tiva para a Pe­tro­brás que não a pri­va­ti­zação, mas a frase não re­siste a uma aná­lise mi­ni­ma­mente séria...

In­ves­ti­mentos di­retos da pró­pria com­pa­nhia e in­ves­ti­mentos de bancos pú­blicos podem e pre­cisam ser feitos para tornar as ener­gias re­no­vá­veis o centro da Pe­tro­brás. É jus­ta­mente a po­tência de in­ves­ti­mentos que esse se­tores ainda têm que per­mite ori­entar a po­lí­tica in­dus­trial bra­si­leira para longe do papel pri­mário-ex­tra­ti­vista-ex­por­tador e cons­truindo a base de uma tran­sição ener­gé­tica.

Esse pro­cesso não apenas não pe­na­li­zaria a mai­oria da po­pu­lação como, pelo con­trário, se re­ver­teria em energia limpa e ba­ra­teada (com pai­néis so­lares nos te­lhados das casas as­se­gu­rando a re­dução da conta de luz).

Também con­tri­buiria para a ma­nu­tenção das re­servas hí­dricas, pois não apenas hi­dre­lé­tricas como também ter­me­lé­tricas (fós­seis e nu­cle­ares) de­mandam grandes quan­ti­dades de água.


A pri­va­ti­zação do setor elé­trico bra­si­leiro produz contas caras e tornou a ma­triz ainda mais suja. A in­serção de uma em­presa pú­blica como a Pe­tro­brás, con­ver­tida em com­pa­nhia de energia limpa, no setor, pode con­tri­buir para que­brar esse ciclo per­verso.


A al­ter­na­tiva, por­tanto, não é uma pri­va­ti­zação fóssil da Pe­tro­brás. Ao con­trário, a rota é a da trans­for­mação da Pe­tro­brás em uma em­presa 100% pú­blica, o que im­plica jus­ta­mente em na­ci­o­na­lizar a sua me­tade não-pú­blica e tirá-la da ló­gica de mer­cado e em anular os lei­lões de pe­tróleo, re­na­ci­o­na­li­zando as ja­zidas; de­mo­crá­tica, isto é, ge­rida pelo con­junto de seus tra­ba­lha­dores e tra­ba­lha­doras ao lado do con­junto da so­ci­e­dade; des­car­bo­ni­zada, isto é, ori­en­tada para uma tran­sição ace­le­rada que a con­verta em uma em­presa pú­blica de energia limpa, con­tri­buindo para li­vrar o povo bra­si­leiro do jugo das cor­po­ra­ções do setor ener­gé­tico.

Já abor­damos o tema de quão de­sas­troso é en­tregar ja­zidas fós­seis nas mãos do ca­pital in­ter­na­ci­onal no ar­tigo "E o clima? Por um ver­da­deiro de­bate sobre o pré-sal". Nas mãos das cor­po­ra­ções, pe­tróleo, gás e carvão serão ex­plo­rados para muito além do li­mite, pois nada está acima, para elas, do que o pró­prio lucro.

Às mai­o­rias so­ciais, pelo con­trário, in­te­ressa deter a ex­plo­ração de com­bus­tí­veis fós­seis e conter o aque­ci­mento global. Ao ca­pital in­te­ressa que a Pe­tro­brás vire "Pe­tro­brax", isto é, que o caos cli­má­tico siga se ace­le­rando, com lu­cros cada vez mai­ores para as cor­po­ra­ções in­ter­na­ci­o­nais.

Às mai­o­rias so­ciais in­te­ressa que ela não apenas per­ma­neça como em­presa pú­blica, mas que seja ra­di­cal­mente trans­for­mada, desde sua gestão até a fonte ener­gé­tica com a qual tra­balha. Já que o pro­blema não é só o "Brax", mas também o "Petro", se é para mudar, que a Pe­tro­brás vire So­lar­brás.


Ale­xandre Araújo Costa é ci­en­tista do clima.


Ale­xandre Araujo Costa
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