segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Hydro enlameia o mito

Hydro enlameia o mito

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A lama ver­melha que a mul­ti­na­ci­onal no­ru­e­guesa Norsk Hydro des­pejou, sem o de­vido tra­ta­mento, nas águas do es­tuário do rio Pará, não po­luiu apenas o meio am­bi­ente e pre­ju­dicou a saúde e a vida da po­pu­lação da área: ful­minou também a pró­pria em­presa e seu país de origem. Ambos se or­gu­lhavam se dar tra­ta­mento di­fe­ren­ciado à na­tu­reza e ao ser hu­mano.
Esta tra­dição, que, na Hydro, tem mais de 100 anos de exis­tência, foi cor­roída na en­trada da re­gião amazô­nica, que abriga a maior flo­resta tro­pical do pla­neta e a maior bacia hi­dro­grá­fica da terra, com 8% da sua água doce.
A 40 quilô­me­tros de Belém, a Hydro se tornou pro­pri­e­tária do maior polo de alu­mínio do Brasil e dos mai­ores do mundo. Em 2011, com­prou da Vale, maior mi­ne­ra­dora mun­dial de ferro, a maior ja­zida de bau­xita do Brasil, e das mai­ores do mundo, a maior fá­brica de alu­mina do mundo, a oi­tava maior planta de alu­mínio do mundo e a maior da Amé­rica do Sul.
A Hydro pulou vá­rios es­tá­gios no ran­king mun­dial, tor­nando-se das poucas cor­po­ra­ções in­ter­na­ci­o­nais a atuar desde a origem, na ex­tração do mi­nério, até a úl­tima fase do be­ne­fi­ci­a­mento do metal de alu­mínio.
O polo de Bar­ca­rena, no Pará, re­cebeu o maior in­ves­ti­mento da Hydro fora da Eu­ropa. Uma nota que a em­presa di­vulgou no dia 18, em Belém, mos­trou que o ganho que a em­presa ob­teve com a sua fi­xação na en­trada do maior rio do mundo, o Ama­zonas, não cor­res­pondeu ao tra­ta­mento que dis­pensou a essa re­gião.
No dia 17 do mês pas­sado, quando ocorreu a con­ta­mi­nação de rios e iga­rapés pró­ximos às uni­dades in­dus­triais da Hydro Alu­norte, po­luição com­pro­vada pelo Ins­ti­tuto Evandro Chagas, a com­pa­nhia alegou que a pe­ne­tração de lama ver­melha se devia ao ex­cesso de chuvas. Não podia ser por uma falha no seu sis­tema de cap­tação, tra­ta­mento e des­pejo de re­sí­duos só­lidos e eflu­entes lí­quidos.
Esse sis­tema era o mesmo que a em­presa ado­tava na No­ruega, com re­co­nhe­ci­mento in­ter­na­ci­onal sobre a sua qua­li­dade. Logo, teria sido um aci­dente im­pre­vi­sível e ine­vi­tável.
Na nota a em­presa fi­nal­mente ad­mitiu que des­pejou re­sí­duos tó­xicos do pro­cesso pro­du­tivo, com a pre­sença de soda cáus­tica, pro­duto usado na la­vagem do mi­nério. Re­co­nheceu que ca­nais e dutos, que de­viam estar de­sa­ti­vados ou que fun­ci­o­navam sem li­cen­ci­a­mento am­bi­ental, aca­baram le­vando lama ver­melha até o es­tuário do rio Pará, um dos mai­ores e mais im­por­tantes do li­toral bra­si­leiro, em cuja margem está a 10ª maior ci­dade bra­si­leira.
A Hydro res­salta que se an­te­cipou ao laudo de uma con­sul­toria in­de­pen­dente, que só es­tará con­cluído no dia 9 de abril. E tratou logo de re­co­nhecer as fa­lhas e seu mau pro­ce­di­mento, com­bi­nando o fator oca­si­onal com o efeito causal. Um dia, o fun­ci­o­na­mento do sis­tema iria re­sultar em aci­dente porque não es­tava sendo mo­ni­to­rado ade­qua­da­mente – nem pela em­presa nem pela Se­cre­taria de Meio Am­bi­ente e Sus­ten­ta­bi­li­dade do Pará, que a li­cen­ciou e tinha a in­cum­bência legal de fis­ca­lizá-la.
A ne­gli­gência é agra­vada porque só agora a Hydro se com­pro­mete (com in­ves­ti­mento em torno de meio bi­lhão de reais, 15 vezes maior do que o or­ça­mento do Ins­ti­tuto Evandro Chagas, que com­provou a con­ta­mi­nação) para im­plantar o que de­veria ter exis­tido desde o início, no pro­jeto da fá­brica, ou no cum­pri­mento in­te­gral das con­di­ci­o­nantes do li­cen­ci­a­mento.
A Hydro, assim, quer voltar no tempo e cor­rigir seus erros. É uma ini­ci­a­tiva sa­lutar. Mas essa re­missão pre­cisa ser feita por con­trole ex­terno, apu­rando as res­pon­sa­bi­li­dades, pu­nindo os res­pon­sá­veis e ga­ran­tindo que a na­tu­reza e os seres hu­manos estão ade­qua­da­mente pro­te­gidos de aci­dentes – e a ver­dade dos fatos de­mar­cará as re­la­ções entre a em­presa, o poder pú­blico e a so­ci­e­dade.
Ou a moral da his­tória será que, ao invés de ser tra­tado como uma No­ruega, a Amazônia está mais para um Haiti na visão dos donos dos grandes em­pre­en­di­mentos econô­micos.


Lúcio Flávio Pinto é jor­na­lista desde e autor de mais de 20 li­vros sobre a Amazônia.
Pu­bli­cado ori­gi­nal­mente no Portal Amazônia Real.

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