Hydro enlameia o mito
- Lúcio Flávio Pinto
- 27/03/2018
A lama vermelha que a multinacional norueguesa Norsk Hydro despejou, sem o devido tratamento, nas águas do estuário do rio Pará, não poluiu apenas o meio ambiente e prejudicou a saúde e a vida da população da área: fulminou também a própria empresa e seu país de origem. Ambos se orgulhavam se dar tratamento diferenciado à natureza e ao ser humano.
Esta tradição, que, na Hydro, tem mais de 100 anos
de existência, foi corroída na entrada da região amazônica, que
abriga a maior floresta tropical do planeta e a maior bacia
hidrográfica da terra, com 8% da sua água doce.
A 40 quilômetros de Belém, a Hydro se tornou
proprietária do maior polo de alumínio do Brasil e dos maiores do
mundo. Em 2011, comprou da Vale, maior mineradora mundial de ferro,
a maior jazida de bauxita do Brasil, e das maiores do mundo, a maior
fábrica de alumina do mundo, a oitava maior planta de alumínio do
mundo e a maior da América do Sul.
A Hydro pulou vários estágios no ranking
mundial, tornando-se das poucas corporações internacionais a
atuar desde a origem, na extração do minério, até a última fase do
beneficiamento do metal de alumínio.
O polo de Barcarena, no Pará, recebeu o maior
investimento da Hydro fora da Europa. Uma nota que a empresa
divulgou no dia 18, em Belém, mostrou que o ganho que a empresa
obteve com a sua fixação na entrada do maior rio do mundo, o
Amazonas, não correspondeu ao tratamento que dispensou a essa
região.
No dia 17 do mês passado, quando ocorreu a
contaminação de rios e igarapés próximos às unidades industriais
da Hydro Alunorte, poluição comprovada pelo Instituto Evandro
Chagas, a companhia alegou que a penetração de lama vermelha se
devia ao excesso de chuvas. Não podia ser por uma falha no seu sistema
de captação, tratamento e despejo de resíduos sólidos e
efluentes líquidos.
Esse sistema era o mesmo que a empresa adotava
na Noruega, com reconhecimento internacional sobre a sua
qualidade. Logo, teria sido um acidente imprevisível e
inevitável.
Na nota a empresa finalmente admitiu que
despejou resíduos tóxicos do processo produtivo, com a presença
de soda cáustica, produto usado na lavagem do minério. Reconheceu
que canais e dutos, que deviam estar desativados ou que
funcionavam sem licenciamento ambiental, acabaram levando
lama vermelha até o estuário do rio Pará, um dos maiores e mais
importantes do litoral brasileiro, em cuja margem está a 10ª maior
cidade brasileira.
A Hydro ressalta que se antecipou ao laudo de
uma consultoria independente, que só estará concluído no dia 9 de
abril. E tratou logo de reconhecer as falhas e seu mau
procedimento, combinando o fator ocasional com o efeito causal.
Um dia, o funcionamento do sistema iria resultar em acidente
porque não estava sendo monitorado adequadamente – nem pela
empresa nem pela Secretaria de Meio Ambiente e
Sustentabilidade do Pará, que a licenciou e tinha a incumbência
legal de fiscalizá-la.
A negligência é agravada porque só agora a Hydro
se compromete (com investimento em torno de meio bilhão de reais,
15 vezes maior do que o orçamento do Instituto Evandro Chagas, que
comprovou a contaminação) para implantar o que deveria ter
existido desde o início, no projeto da fábrica, ou no cumprimento
integral das condicionantes do licenciamento.
A Hydro, assim, quer voltar no tempo e corrigir
seus erros. É uma iniciativa salutar. Mas essa remissão precisa
ser feita por controle externo, apurando as responsabilidades,
punindo os responsáveis e garantindo que a natureza e os seres
humanos estão adequadamente protegidos de acidentes – e a
verdade dos fatos demarcará as relações entre a empresa, o poder
público e a sociedade.
Ou a moral da história será que, ao invés de ser
tratado como uma Noruega, a Amazônia está mais para um Haiti na visão
dos donos dos grandes empreendimentos econômicos.
Lúcio Flávio Pinto é jornalista desde e autor de mais de 20 livros sobre a Amazônia.
Publicado originalmente no Portal Amazônia Real.
Lúcio Flávio Pinto é jornalista desde e autor de mais de 20 livros sobre a Amazônia.
Publicado originalmente no Portal Amazônia Real.
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