Países
da América Latina e Caribe assinam seu próprio Acordo sobre o Meio Ambiente
Por
Amelia Gonzalez, G1
01/10/2018
18h19 Atualizado há 10 horas
Na
sexta-feira (28), o advogado, engenheiro ambiental e ambientalista Rubens Born,
atualmente diretor interino da ONG 350.org, estava em frente a um hotel na
Barra da Tijuca para tentar, como membro da sociedade civil, participar do leilão da Agência
Nacional do Petróleo (ANP). Não conseguiu entrar, mesmo tendo um mandato de segurança que foi
derrubado por uma juíza sob alegação de que não havia espaço para as 12 pessoas
que estavam na mesma situação de Rubens.
"O
setor de petróleo não se interessa que a gente levante questões de clima",
concluiu ele.
Um dia
antes, no entanto, Rubens estava comemorando a assinatura do Acordo de Escazú,
no âmbito das Nações Unidas, conseguido entre pelo menos 14 países da América
Latina e Caribe, para garantir o "Acesso à Informação, à Participação
Pública e o Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais".
Se tudo der
certo, ou seja, se o Congresso brasileiro quiser ratificar o Acordo já assinado
e ele entrar em vigor, num futuro próximo aquelas pessoas que estavam à porta
do hotel não teriam seu acesso barrado. É disso, basicamente, que se trata o
Acordo: assegurar a participação de todos num assunto que, no fim das contas,
vai impactar a todos.
Mas tem
outras muitas coisas envolvidas, entre elas um artigo inteiro que trata de
garantir "um entorno seguro às pessoas, grupos e organizações que promovem
e defendem os direitos humanos relacionados a assuntos do meio ambiente".
Trata-se, por exemplo, de permitir que pessoas como Chico Mendes ou a Irmã Dorothy Stang, assassinados por tentarem impedir
que garimpeiros e madeireiros causassem devastação na floresta, possam levar
adiante suas reivindicações sem represálias.
Rubens Born
esteve todo o tempo à frente das negociações do Acordo de Escazú, e comemora
que, pela primeira vez, a sociedade civil teve acento e voz numa negociação tão
delicada sob os auspícios da ONU. Segue a entrevista:
Qual a
importância do Acordo de Escazú? Aliás, por que ele recebeu este nome?
Rubens
Born – Em
geral, as convenções da ONU recebem o nome do lugar onde a convenção foi
fechada. Escazú é uma cidade na Costa Rica onde aconteceu a última reunião para
concluir o Acordo. Ele está baseado no princípio número 10 da Declaração do Rio
de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da Eco-92, que fala que a
melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, num
nível apropriado, de todos os interessados. O Princípio 10 diz ainda que os
governos têm que facilitar a conscientização popular e entrou na Eco 92 porque
houve pressão dos ambientalistas desde a Conferência de Estocolmo. Hoje em dia,
a expressão que se usa é melhor governança, já que ter mais transparência é um
atributo de uma governança democrática.
O que
isto significa para a sociedade?
Rubens
Born – Alguns
traduzem como controle social, e para mim é a capacidade de a sociedade
controlar o rumo, tanto das políticas públicas como do desenvolvimento
econômico, de tal maneira que eles satisfaçam os direitos e as necessidades
humanas. O Acordo de Escazú, em resumo, é voltado a melhorar a governança não
só na área ambiental, mas como em tudo o que afeta o meio ambiente. Ele
reflete, de alguma forma, o artigo 25 da Declaração dos Direitos Humanos, que fala
que todas as pessoas têm direito ao bem estar, à saúde, à educação etc. Não se
falava em meio ambiente porque na época não se falava nisso.
A base
do Acordo então é o acesso à informação, sem o qual uma sociedade não pode nem
conhecer os riscos que corre quando um empreendimento, por exemplo, está se
instalando em sua região. É isso?
Rubens
Born – Sim, é
isso. E tem um detalhe importante: ele é legalmente vinculante, ou seja, os
países são obrigados a cumprir. Não se trata de uma “soft law”, como foi a
Declaração da Rio-92. O esforço desde então é a construção de acordos
vinculantes para que o acesso à informação, a questão da participação e os
mecanismos judiciais para a superação desses conflitos envolvendo questões
ambientais estejam normatizados. Tudo isso faz parte do exercício de
governança. O interesse público tem que prevalecer.
Já temos
o Acordo de Paris, o de Kyoto, o da Biodiversidade, e outros que são feitos
para garantir a melhor convivência entre humanidade e meio ambiente. Como foi
que os países da América Latina e Caribe concluíram que precisariam ter seu
próprio Acordo?
Rubens
Born – Foi na
Rio + 20 (2012), quando foi feito um balanço de todas as conferências
convocadas pela ONU desde a Rio-92. Um grupo de dez países da América do Sul
concluiu que estava na hora de construírem um marco vinculante para aplicar o
princípio 10 na nossa região. O Brasil assinou em novembro de 2012. Foram
inúmeras reuniões na etapa de pré-negociação culminando em 2014, com um
encontro no Chile, onde ficou definido o escopo e o calendário do acordo
vinculante. O texto do acordo foi sendo concebido a partir de um texto
preliminar da Cepal, a pedido dos países. Eles fizeram tudo com muito cuidado
com a história constitucional e as legislações de cada país.
Teve
alguma inovação com relação às outras reuniões da ONU?
Rubens
Born – Tenho
participado das Conferências das Partes desde a Rio-92, e as ONGs tiveram
limitações para ter voz nas negociações, mas ao longo dos anos tem havido
alguma evolução, embora lenta, no tocante às contribuições da sociedade civil.
Nesta, tiveram. Houve um cadastro aberto para um mecanismo público de
participação, e mais do que isso: quem estava cadastrado não precisava esperar
o final do dia para falar. Eu mesmo levantei a mão várias vezes e fui ouvido.
Se algum representante de algum país endossasse, o que foi dito teria que estar
no texto.
Vamos
pegar um exemplo, o do vazamento de lama em Mariana, causado pelas atividades
de mineração da Samarco. Em que o Acordo de Escazú ajudaria
neste caso?
Rubens
Born - A
empresa apresentou impacto ambiental, ganhou licença, fez a barragem, medidas
mitigadoras, mas isso não elimina o risco. E ela vai ter que informar sobre
este risco, não pode mais alegar sigilo porque está lá no Artigo 2: "Por
'informação ambiental' se entende qualquer informação escrita, visual, sonora,
eletrônica ou registrada en qualquer outro formato, relativa ao meio ambiente e
seus elementos e aos recursos naturais, incluindo a que está relacionada com os
riscos ambientais e os possíveis impactos adversos associados que afetem ou
podem vir a afetar o meio ambiente e a saúde". Ou seja: tem alguma ameaça,
tem que informar para que a população possa se salvaguardar.
Estamos
nos referindo a autoridades e empresas?
Rubens
Born – Sim.
Para evitar uma segunda tragédia como esta da Samarco, com base neste Acordo
será possível ir ao DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral) e pedir
informações sobre as atividades da empresa. Isto é importante para aferirmos se
estamos no caminho do desenvolvimento sustentável.
Quando
entra em vigor este Acordo?
Rubens
Born – Entra
em vigência quando 11 países ratificarem, o que é diferente de assinatura. Até
ontem (30) já tínhamos 15 países que assinaram. No Brasil, o Congresso Nacional
tem que decidir se aprova ou não, mas sem mudar uma linha. Se aprovar, o
presidente da República pode ratificar e 90 dias depois entra em vigor para o
Brasil, se o Acordo já estiver em vigência com onze ratificações antes da
brasileira.
As
populações tradicionais, ribeirinhas, os quilombolas, os indígenas, já têm
garantido seu direito de se posicionar, mas quando são ouvidos, é em audiências
públicas que nem sempre resolvem. O Acordo vai mudar isto?
Rubens
Born – Sim,
isto foi objeto de muita polêmica. O texto diz que tem que dar prazos para
informar ao público e determina também a maneira como vai ser informado: se não
tiver internet, só poste, vai ter que ser colocada no poste a convocação para a
audiência. E as informações têm que ser dadas em linguagem acessível. Se for
alguma coisa que vá afetar, por exemplo, os ianomâni, tem que ser informado na
língua deles.
Vai ter
uma COP na América Latina, é isso? Escazú seria uma espécie de regionalização
das COPs?
Rubens
Born – Vai
ter, um ano depois da entrada em vigência. Veja, este texto é importante para o
Brasil, mas também é importante para muitos países que nem tem legislação
ambiental, é muito inovador neste sentido. Além disso, é o primeiro Acordo do
mundo que tem um artigo levando em conta a questão dos defensores ambientais. A
América Latina é a região
onde há mais defensores ambientais mortos.
Estamos
vivendo uma época bem crítica no Brasil, de muita polarização por causa das
eleições, e a sociedade civil tem ido às ruas para garantir ainda direitos
básicos e para lutar contra a homofobia, por exemplo. Não é um paradoxo ter um
Acordo tão inovador?
Rubens
Born – Costumo
dizer que há 230 anos a França fez uma revolução e um acordo por igualdade,
fraternidade, liberdade. Hoje, em Paris, certamente há desigualdade. A luta é
diária, e a sociedade civil precisa se engajar, se mobilizar e perseverar.
Temos conquistas também. O Acordo de Escazú, para mim, é um farol que ilumina o
futuro.
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