Uma hora sem luz para refletir sobre mudanças
Próximo
sábado (24), às 20h30, as luzes do planeta, sobretudo as dos principais
monumentos, deverão ser apagadas durante uma hora. Trata-se de uma
campanha global que reúne milhões de pessoas no mundo, anualmente, para
exigir uma atitude que possa ajudar a deter um pouco o avanço do
aquecimento global. A ideia é reunir amigos, organizar eventos, fazer
algum tipo de barulho possível para que se possa pensar um pouco sobre o
forte impacto que a humanidade está exercendo no meio ambiente. No ano
passado, só no Reino Unido, os organizadores da campanha contam que 9 milhões de pessoas participaram do evento.
Parêntesis:
Sim, eu sei que muitos cidadãos não terão luz a apagar porque não têm
acesso a este serviço que deveria ser para todos. De qualquer forma,
sempre será uma oportunidade, também, de lembrar a desigualdade que se
alastra por causa de um afã desenvolvimentista pouco inclusivo e muito
impactante ao meio ambiente.
A
sugestão dos organizadores do movimento é simpática e razoável: que as
pessoas aproveitem essa hora e pensem, se programem para fazer alguma
coisa que diminua sua pegada ecológica na Terra. No Reino Unido, o
recorte é o alimento. O que podemos reduzir ou mudar em nossos hábitos
alimentares para ajudar o meio ambiente? Para estimular os britânicos,
os organizadores do EarthHour como
é chamado o movimento, publicaram os dados de uma pesquisa que mostra
que os pratos mais queridos deles – peixe com fritas e frango massala –
vão precisar sofrer modificações fundamentais até 2050 por causa das
mudanças climáticas. O peixe usado no prato é o bacalhau,cuja existência
vai diminuir bastante, quiçá acabar, por causa do aquecimento dos
mares. A produção da soja que alimenta os frangos também ficará
comprometida, e vai ser preciso lançar mão de uma alternativa, tipo
algas, para dar-lhes o que comer. O tomate, a cebola, o arroz, também
sofrerão revezes, e aí o mundo todo vai sentir.
Trata-se,
na realidade, de um estudo que se propõe, muito mais, a fornecer dados
para ajudar a uma tomada de consciência coletiva do que qualquer outra
coisa. Estamos vivendo momentos difíceis, não só aqui no Rio de Janeiro,
no Brasil, como em todo mundo. Esperar por uma mobilização coletiva em
tempos tão polarizados politicamente é de uma ousadia sem limites. Mas
gosto da ideia, até porque pode ser, sim, que de gota em gota seja
possível conseguir a mudança que se quer.
Quando
escrevo sobre isso, sempre imagino o leitor se perguntando o quê, no
fim das contas, será preciso fazer para participar desse afã coletivo em
prol do meio ambiente.Muita gente já conhece o caminho das pedras, e
vai nele muito bem, obrigada. Outros não acreditam, não querem
participar, têm verdadeira aversão a se considerarem cúmplices de algo
que julgam ser uma espécie de campanha
anti-desenvolvimento-dos-países-pobres. Todos têm o meu respeito.
Dialogo, porém, com aqueles que acreditam no que os cientistas estão
demonstrando, não é de hoje, e que nós mesmos vimos observando, através
de várias “mensagens” da natureza.
Mas
há quem ainda não foi atraído e, vez ou outra, se sente afetado por
este ou aquele dos variados, múltiplos temas que envolvem as questões do
meio ambiente, de preservação, de aquecimento global, de mudanças
climáticas, de desenvolvimento sustentável. É para essas pessoas que a
campanha EarthHour, assim como tantas outras, vão ser dirigidas. Não se
trata de tentar apoio pela linha do convencimento. O interessante é a
proposta de instigar reflexões sobre um padrão de consumo que pode ser
mudado sem detrimento da saúde humana e em prol da saúde de flora e
fauna.
Para que
consumir carne diariamente, por exemplo? Sabe-se que a altíssima
produção de gado é um problema para o meio ambiente, embora seja a
solução para os bolsos dos pecuaristas. Mas o equilíbrio, nesse caso, é
necessário, já que a pecuária está entre os setores de produção mais
poluentes, que demanda mais água, que desmata muito, que provoca um
terrível mal-estar aos bichos confinados cuja vida tem um único
objetivo: morrer para alimentar humanos. Causa indignação descrever como
os bois são transportados, vivos, por oceanos e mares, dias seguidos,
em navios sem ventilação, com pouca comida e água, para virar churrasco.
Desculpem-me,
mas este é um assunto que, de fato, me faz alcançar um nível acima da
imparcialidade que me vejo perseguindo em meus textos. Assino embaixo,
compartilho quantas vezes forem necessárias, o alerta do historiador
Yuval Noah Harari, que escreveu “Sapiens,
uma breve história da humanidade” (Ed. L&PM). Para ele, um dos
maiores crimes da história da humanidade é a forma como tratamos os
animais, só porque acham que eles são seres de raças “inferiores”.
Feito
o novo parêntesis, volto à questão dos hábitos que viraram padrão e
podem ser modificados. O movimento “Segunda sem carne”, da Sociedade Vegetariana Brasileira, ofereceuma
opção bem razoável, sem grandes sacrifícios, para quem quer começar a
participar da campanha em prol do meio ambiente e, consequentemente (bom
não se esquecer disso) da manutenção da humanidade no planeta. Que tal
experimentar, a partir de segunda-feira (26), ficar um dia, um diazinho
só, por semana, sem comer carne de bicho? A campanha foi lançada
mundialmente em 2003, mas aqui no Brasil existe desde 2009 e já está em
mais de cem municípios, alcançando cerca de 3 milhões de pessoas, em média.
Esta
já é uma ótima mudança, e pode ser feita como promessa na Hora do
Planeta do dia 24. Pode ser até divertido, sobretudo se o grupo de
amigos aderir.
Mas há
outras mudanças para quem mora em cidades, que incluem andar menos de
carros e usar mais o transporte coletivo ou a bicicleta; consumir menos
objetos inúteis; usar um tipo de iluminação que gaste menos. E fazer
mais contato, simplesmente isso, contato, com o entorno. Tenho a
sensação, e compartilho aqui com vocês, de que os tempos estão tão
difíceis que a maioria anda preferindo voltar os olhos para os
dispositivos móveis de internet do que olhar em volta para descobrir
caminhos e alternativas.
Para terminar, reproduzo a pesquisa compartilhada pelo site da organização Observatório do Clima que
foi publicada na segunda-feira (19) pela revista “Nature Climate
Change”. O estudo monitorou 154 áreas urbanas e concluiu que se os
citadinos do mundo decidirem se unir em prol de ações para baixar as
emissões de carbono será possível evitar a morte de 153 milhões de
pessoas. Não é pouca coisa. Vale a pena, portanto, ao menos começar.
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