Brasil de Fato
Pesquisadores denunciam risco de contaminação por mercúrio de mananciais
que abastecem o DF
Estudo revela que houve um aumento de 250% de mercúrio no solo que cerca
estação que abastece Planaltina e Sobradinho
19.maio.2024 às 14h13
Brasília (DF)
ia.
Estudos
em andamento, que estão sendo realizados por pesquisadores da Universidade de
Brasília no campus de Planaltina, apontam a presença de alto nível de mercúrio no
solo e na vegetação em toda a área de borda da Estação Ecológica de Águas
Emendadas (Esec-AE) e até 2 quilômetros dentro da unidade de conservação.
Apesar
de o nível de contaminação na área de tratamento de água estar ainda em níveis
aceitáveis, grande parte do solo da região está
severamente comprometido. O estudo revela que houve um aumento de 250% da
presença de mercúrio no solo que cerca a Estação.
De
acordo com a pesquisa, a causa do problema se deve à queima de combustível fóssil (gasolina
e diesel) e intensa atividade de automóveis nas rodovias da região.
O mercúrio, além de
ser altamente tóxico, cancerígeno e causador de danos neurológicos, apresenta
duas características que agravam a situação. A primeira é o fator de
bioacumulação, ou seja, uma vez ingerido, o elemento não sai do corpo humano,
só acumula. A segunda é a biomagnificação, o que significa um aumento
progressivo do nível de concentração em organismos vivos.
Por
sua periculosidade que afeta água, ar, solo, plantas,
animais e seres humanos, o elemento foi considerado pela Convenção
de Minamata do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente como um
"poluente global de controle primário". O elemento pode inclusive
estar na forma de vapor, se disseminar pelo ar e afetar a respiração. O
relatório da convenção recomenda fortemente a produção de inventários de
emissões antrópicas e mobilização para os ecossistemas aquáticos e terrestres e
o monitoramento das concentrações de mercúrio em regiões geograficamente
representativas.
A área
mais afetada pelo mercúrio é a BR-020, exatamente onde está localizada a
Estação de Captação de Água da Caesb no córrego do Fumal, que leva água para a
Estação de Tratamento de Água (ETA) de Pipiripau. Esse setor é responsável pelo
abastecimento de toda a cidade de Planaltina do DF e
parte de Sobradinho,
fornecendo recurso hídrico para cerca de 200 mil pessoas.
"Precisamos urgentemente chamar
a atenção dos dirigentes públicos em todos os níveis, das cidades, municípios,
estados e do governo federal. O que está acontecendo no nosso país, e no caso
específico da região de Águas Emendadas, é assustador. É urgente que o
governador Ibaneis tome uma decisão imediata na proteção e recuperação dessa
área. Uma parte já está perdida, talvez não se recupere mais. Mas nós
precisamos fazer alguma coisa para salvar Águas Emendadas", alerta
Rosângela Corrêa, pós-doutora em Ecologia Humana e diretora geral do Museu do
Cerrado.
Corrêa alerta que a Estação Fumal
fica perigosamente próxima à rodovia BR-020, área com alto índice de
contaminação. "Ou seja, mesmo que o índice de mercúrio na Estação Fumal
esteja dentro dos limites de referência (o que ainda precisa ser esclarecido),
ainda assim pode ser potencialmente danoso à vida dos seres humanos e à biodiversidade",
explica.
Ameaças
De
acordo com o pesquisador Lucas Monteiro, doutorando em Geoestatística da UnB, a
estação ecológica de Águas Emendadas,
tornou-se um tipo de ilha que, apesar de muito bem preservada, é bastante
vulnerável por sua proximidade com os riscos externos correntes nas rodovias
locais.
"Não
não adianta deixar tudo preservado dentro da estação se o entorno está
gravemente comprometido por atividades antrópicas. Podemos comparar desde 1985
uma grande mudança no uso e ocupação em torno da Esec-AE. Houve ao redor um
crescimento das áreas urbanas e expansão de setores que foram completamente
convertidos para monocultura das lavouras de
soja", observa.
O período histórico presente é
marcado pelo alto índice de emissão de mercúrio, que pode se dar por fontes
naturais como erupções vulcânicas, desgastes de rocha e, particularmente desde
a Revolução Industrial, pelas emissões industriais de queima de carvão e
mineração de ouro.
Na
escala local, Lucas ressalta que "por aqui, as principais fontes de
emissão são os incêndios florestais,
o desmatamento e a queima de combustíveis fósseis como gasolina e diesel. Seja
na forma líquida ou na forma de vapor, o mercúrio pode ser facilmente
disseminado no ar, na água e no solo. Acaba sendo transferido para
invertebrados, como insetos, formigas, aranhas e besouros que servem de
alimento para animais como aves, anfíbios, répteis e pequenos mamíferos. Também
se dissemina para plantas, peixes e seres humanos".
Devastação ambiental
O
processo de devastação ambiental em voga na região é um fator preocupante nessa
situação. Lucas afirma que isso "pode influenciar o ciclo biogeoquímico do
mercúrio. Temos aqui uma grande perda de habitat, já perdemos cerca de 50% das
áreas naturais do cerrado, isso são mais de 99 milhões de hectares. E outro
ponto importante são as áreas queimadas. Somente nos anos de 2020 a 2023 foram
mais de 2 milhões de hectares no bioma Cerrado".
A resolução 420/2009 do Conselho
Nacional do Meio Ambiente (Conama) define como limite de prevenção a quantidade
de 0,5 miligramas de mercúrio por cada quilo de solo.
Apesar da concentração do elementar
estar dentro da meta aceitável na área da Esec-AE, nas rodovias próximas
encontra-se uma quantidade cerca 40 vezes superior ao limite de prevenção.
"Comparando com estudos internacionais que incluem países como China, Nova
Zelândia, Canadá, Paquistão, Grécia e Japão, o Brasil fica atrás somente do Paquistão.
O Brasil fica numa situação de contaminação maior do que o permitido na
legislação nacional e também na média global", declara Monteiro.
O coordenador da entidade Guardiões
das Águas Emendadas (GAE) e morador do Núcleo Rural Bonsucesso, Marcelo Benini,
acrescenta também que esses fatores de risco são ameaças crescentes devido aos
"projetos do GDF como o asfaltamento da rodovia DF-131 e o alargamento de
faixas da DF-128, que tendem a aumentar o fluxo de veículos e o nível de
contaminação. São ameaças às áreas rurais e ao município de Planaltina, em
Goiás. Cerca de 109 mil pessoas têm sua fonte de captação de água a apenas 50m
da rodovia DF-128".
Ele também explica que já solicitou
informações do GDF e questionou sobre qual a capacidade da rede de tratamento
de água no DF em analisar o problema e tomar soluções de acordo com as
indicações da pesquisa realizada pela UnB. Segundo Benini, "na resposta, a
Caesb não deu nenhuma explicação, nem uma palavras sequer. Se limitou a anexar
um relatório de uma empresa privada. Esse relatório apenas aponta que o índice
de mercúrio está dentro do limite de 0,0002 mg/l estabelecido pela Resolução
Conama 357 para águas de classe 2".
Classe 2 se refere a águas destinadas
ao abastecimento doméstico após tratamento convencional, à proteção das comunidades
aquáticas, à recreação de contato primário, irrigação de hortaliças e
frutíferas e à criação natural e/ou intensiva de espécies destinadas à
alimentação humana.
Benini critica o parâmetro utilizado.
"Como assim a Caesb usa como parâmetro o índice de classe 2 para uma água
que nasce dentro de uma Unidade de Conservação de proteção integral e é captada
lá mesmo? A água de Águas Emendadas deveria ser uma água de 'classe especial',
de maior nível de pureza. Classificar a água da Esec-AE como classe 2 é
flexibilizar o nível de contaminação dessas águas e vai contra a resolução da
Conama."
Estação Ecológica
A Estação está localizada no coração
do Cerrado brasileiro, Mais precisamente a 50 quilômetros da capital federal e
a 5 quilômetros de Planaltina. Sob a tutela do Instituto Brasília Ambiental
(Ibram), a área de 10.547 hectares se destaca como um oásis de preservação
ambiental, pesquisa científica e educação conservacionista.
Criada em 1968, a Estação ostenta um
título de relevância internacional. Em 1992, foi reconhecida pela Unesco como
área nuclear da Reserva da Biosfera do Cerrado. Mais do que um mero rótulo,
essa distinção reforça o valor inestimável do local para a biodiversidade e o
equilíbrio ambiental do planeta.
Com visitação controlada, a Estação
abre suas portas para visitantes que desejam mergulhar na riqueza natural do
Cerrado, dispõe de trilhas ecológicas com guias para paisagens exuberantes de
fauna e flora.
Possíveis soluções
Visando possíveis soluções para o
problema, Marcelo Benini acredita que "é preciso interromper imediatamente
os projetos de alargamento de faixas/duplicação da DF-128 e o viaduto que vai
ligar a BR-020 à DF-128. Essas obras irão agravar ainda mais o risco de
contaminação dos mananciais".
Lucas Monteiro aponta que outras
medidas seriam a implementação de barreiras vegetais e gesso agrícola, que
possui grande aderência ao mercúrio e que poderia contar o elemento, evitando a
passagem para a água.
Questionado
pelo Brasil de Fato sobre as evidências da pesquisa, o
GDF informou que "a qualidade da água produzida a partir desse sistema é
monitorada, rigorosamente, pela Caesb e atende a todos os padrões de
potabilidade exigidos para o abastecimento da população. O Ibram tem
conhecimento do estudo realizado pela UnB e informa que as pesquisas apresentam
níveis que não são considerados alarmantes, contudo, demonstram uma
contribuição importante de poluentes provenientes de emissões veiculares na
ESEC-AE e uma capacidade das bordas da unidade de reter esse poluente de forma
a reduzir consideravelmente sua concentração no interior".
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Edição: Márcia Silva
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