A diplomacia da boa vizinhança
Autor(es): JORGE FONTOURA |
Correio Braziliense - 10/01/2014 |
Se 2014 promete ser febricitante na
política interna, espere só para ver o que será o ano da política
externa. Para além da escalada de conflitos comerciais que se pronuncia,
há em perspectiva uma avalanche de problemas de todos os matizes e em
todos os cenários, a demandar crescente atuação do Brasil, com respostas
incontinentes do Itamaraty. Foi de resto o que ocorreu na recente
reação ao escândalo de espionagem norte-americana que vazou ao mundo. No
episódio, a par da insólita infidelidade da arapongagem de lá, também
ficou patente que a reação brasileira foi o que todos o gostariam de ter
feito e dito aos Estados Unidos. Mesmo a Inglaterra, aliada
incondicional, versada sempre na complacência sem limites do silencioso
mas eficiente pacto atlântico.
São
atuações como essa, por todos reconhecida e enaltecida, acompanhadas de
crescente participação em distintos organismos e instituições, a par de
abertura de novas embaixadas e consulados sem intenções de proveito
mercantil, na África, em particular, que promovem constante e crescente
atenção por parte da comunidade internacional. Como raro protagonista da
cena mundial a manter relações diplomáticas com todos os países do
mundo, o Brasil está fadado a constituir-se interlocutor privilegiado e
mediador eficaz para graves ameaças à segurança coletiva e à manutenção
da paz, a independer de latitudes e de longitudes.
No
plano regional, a mudança de atitude que o país tem revelado, mais
atencioso em relação a vizinhos, em contraste com sua tradicional aura
de isolamento e mesmo de indiferença, retrata desde logo a realidade
política do velho ator em busca de novas falas e enredos. Como traço
herdado da diplomacia portuguesa, com sua convicção inabalável de que
"de Espanha, nem bons ventos nem bons casamentos", o Brasil foi do
Império à República ausente contumaz em seu próprio meio. Aislado pelo
particularismo lusitano de língua e de cultura, mais ainda pela
caprichosa geografia de distâncias continentais, de vastidões platinas e
amazônicas, o país cresceu atlântico e litorâneo. Foi o que levou o
poeta e diplomata Guimarães Rosas a cunhar a expressão "vizinhos
invizinhos", em alusão à ambivalência que decerto prevaleceu ao largo de
nossa história.
Mais
recentemente, no entanto, com os efeitos benfazejos da Constituição de
1988, viu-se a inerência sul-americana da nação elevada a princípio de
política externa, com a adoção de precedência da relação regional, a
privilegiar agendas de cooperação e de integração latino americana. Com o
abandono do isolacionismo ancestral, o Brasil passou a investir
cultural, política e economicamente na boa vizinhança, onde nem sempre a
leitura simplista de vantagens imediatas pode predominar.
A
boa vizinhança é árdua consecução, a demandar paciência estratégia e
prudência, pelo que tanto decantada em discurso quanto pouco lograda na
prática. No entanto, uma vez auferida, a harmonia regional tem seu
preço, como insuperável valor agregado, patrimônio de riqueza que
transcende à pecúnia. Nesse sentido, se comparado aos demais países do
Brics — da Índia, em paz de terror atômico com o Paquistão; da China,
que disputa com mão de ferro rochedos inexpressivos contra o Japão; da
Rússia, circundada por seculares desafetos, ademais de ódios explosivos
ao redor da armada África do Sul — o Brasil se diferencia. Destaca-se e
refulge virtuosamente em seu entorno pacífico, estimado e respeitado por
vizinhos, sem territórios contestados ou revanches sublimadas.
Na
realidade continental permeada por desafetos profundos, fadados ao
convívio eterno de fronteiras consolidadas, com a recente proposta de
fabuloso bloco trans-pacífico, da América à Ásia — que tanto seduz aos
desavisados de sempre — ressurge a velha e falida ideia de também
comprar a paz pelo comércio. Sem falso entusiasmo, seria, por fim,
apropriado ouvir o que mexicanos têm a dizer sobre essa sempre tão
amável e recorrente intenção.
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