sábado, 11 de janeiro de 2014

Pelo menos a politica externa vai bem.

A diplomacia da boa vizinhança


Autor(es): JORGE FONTOURA
Correio Braziliense - 10/01/2014

 Se 2014 promete ser febricitante na política interna, espere só para ver o que será o ano da política externa. Para além da escalada de conflitos comerciais que se pronuncia, há em perspectiva uma avalanche de problemas de todos os matizes e em todos os cenários, a demandar crescente atuação do Brasil, com respostas incontinentes do Itamaraty. Foi de resto o que ocorreu na recente reação ao escândalo de espionagem norte-americana que vazou ao mundo. No episódio, a par da insólita infidelidade da arapongagem de lá, também ficou patente que a reação brasileira foi o que todos o gostariam de ter feito e dito aos Estados Unidos. Mesmo a Inglaterra, aliada incondicional, versada sempre na complacência sem limites do silencioso mas eficiente pacto atlântico.

São atuações como essa, por todos reconhecida e enaltecida, acompanhadas de crescente participação em distintos organismos e instituições, a par de abertura de novas embaixadas e consulados sem intenções de proveito mercantil, na África, em particular, que promovem constante e crescente atenção por parte da comunidade internacional. Como raro protagonista da cena mundial a manter relações diplomáticas com todos os países do mundo, o Brasil está fadado a constituir-se interlocutor privilegiado e mediador eficaz para graves ameaças à segurança coletiva e à manutenção da paz, a independer de latitudes e de longitudes.

No plano regional, a mudança de atitude que o país tem revelado, mais atencioso em relação a vizinhos, em contraste com sua tradicional aura de isolamento e mesmo de indiferença, retrata desde logo a realidade política do velho ator em busca de novas falas e enredos. Como traço herdado da diplomacia portuguesa, com sua convicção inabalável de que "de Espanha, nem bons ventos nem bons casamentos", o Brasil foi do Império à República ausente contumaz em seu próprio meio. Aislado pelo particularismo lusitano de língua e de cultura, mais ainda pela caprichosa geografia de distâncias continentais, de vastidões platinas e amazônicas, o país cresceu atlântico e litorâneo. Foi o que levou o poeta e diplomata Guimarães Rosas a cunhar a expressão "vizinhos invizinhos", em alusão à ambivalência que decerto prevaleceu ao largo de nossa história.

Mais recentemente, no entanto, com os efeitos benfazejos da Constituição de 1988, viu-se a inerência sul-americana da nação elevada a princípio de política externa, com a adoção de precedência da relação regional, a privilegiar agendas de cooperação e de integração latino americana. Com o abandono do isolacionismo ancestral, o Brasil passou a investir cultural, política e economicamente na boa vizinhança, onde nem sempre a leitura simplista de vantagens imediatas pode predominar.

A boa vizinhança é árdua consecução, a demandar paciência estratégia e prudência, pelo que tanto decantada em discurso quanto pouco lograda na prática. No entanto, uma vez auferida, a harmonia regional tem seu preço, como insuperável valor agregado, patrimônio de riqueza que transcende à pecúnia. Nesse sentido, se comparado aos demais países do Brics — da Índia, em paz de terror atômico com o Paquistão; da China, que disputa com mão de ferro rochedos inexpressivos contra o Japão; da Rússia, circundada por seculares desafetos, ademais de ódios explosivos ao redor da armada África do Sul — o Brasil se diferencia. Destaca-se e refulge virtuosamente em seu entorno pacífico, estimado e respeitado por vizinhos, sem territórios contestados ou revanches sublimadas.

Na realidade continental permeada por desafetos profundos, fadados ao convívio eterno de fronteiras consolidadas, com a recente proposta de fabuloso bloco trans-pacífico, da América à Ásia — que tanto seduz aos desavisados de sempre — ressurge a velha e falida ideia de também comprar a paz pelo comércio. Sem falso entusiasmo, seria, por fim, apropriado ouvir o que mexicanos têm a dizer sobre essa sempre tão amável e recorrente intenção.

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