22/2/2014 às 00h10 R7
A tragédia de Osasco mostra como a violência doméstica não vê diploma nem classe social
Edemir de Mattos, 52 anos, era professor de inglês e faixa preta de
judô. Célia Regina Pesquero, 49 anos, é professora da Faculdade de Saúde
Pública da USP, onde se formou em Química, fez mestrado e doutorado.
Depois de mais uma briga, na noite da última segunda-feira (17), Célia teve o maxilar fraturado pelo marido, que logo depois se jogou do 13º andar do prédio onde moravam, em Osasco, com filho do casal, Ivan, de 6 anos, no colo.
À polícia, Celia confirmou que o marido era agressivo e disse que “sempre apanhava”.
O caso, que chocou a opinião pública esta semana, expõe outro drama que nem sempre ganha os holofotes: a violência doméstica contra mulheres com alta escolaridade e nível socioeconômico que, no imaginário social, estariam fora do “grupo de risco” das agredidas, formado por mulheres que dependem financeiramente dos maridos e não teriam para onde ir após uma agressão.
Lidia Aratangy, terapeuta familiar com mais de 20 livros publicados sobre casamento (entre eles “O Anel que Tu Me Deste: O Casamento no Divã”), alerta que as relações amorosas fazem desabrochar o melhor e o pior das pessoas, e suportar agressões faz parte de uma “loucura” que se instaura no casal. Independente de escolaridade ou saldo bancário.
— O que elas são é afetivamente menos favorecidas. A mulher que não se separa e continua vivendo com o agressor se sustenta na esperança de que tudo vai mudar. Quando acaba aquele momento de pavor, ela se apega nas outras coisas boas que a relação possui.
A pesquisa 'Mulheres Brasileiras e Gênero nos Espaços Público e Privado" da Fundação Perseu Abramo, lançada no final de 2013, comprova a tese. O estudo investigou 20 diferentes modalidades de violência, agrupadas por controle ou cerceamento, violência física, psíquico-verbal, sexual e assédio.
Os números mostram que há uma variação muito pequena entre os segmentos. A violência física atinge 19% das mulheres com curso superior ou mais, contra 25% das que têm só o ensino fundamental.
No entanto, as formas de controle ou cerceamento atingem 19% das mulheres com menor escolaridade, contra 27% das que possuem diploma superior. Já a violência psíquico-verbal é igual para todas, com 21%, e a sexual aponta uma diferença irrisória: 11% para quem tem ensino fundamental e 8% das diplomadas.
Segundo Lidia, quando há momentos de ruptura interna no relacionamento, que escapam a qualquer lógica, o diploma e o conhecimento não valem de nada. Para ela, é enlouquecedor ver a pessoa amada perder completamente o controle, como ocorre com os maridos e companheiros agressores.
— Esses monstros todos moram dentro da gente, e a maioria de nós, por sorte, desenvolve canais para controlá-los. Quem tem estudo possui uma visão de mundo mais ampla, o que dá mais recursos emocionais para poder desenvolver esses canais.
No entanto, diante desse tipo de patologia afetiva, as pessoas perdem o acesso à sua parte mais sofisticada. Podemos ficar todos muito primários. A questão não é dar um conselho para a mulher que sofre agressão. O conselho é para todas as mulheres. Quando ultrapassa a barreira física, não tem um tapinha que mereça desculpa. O conselho é violência zero.
Rihanna, MC Sexy e Maria da Penha
Quem não se lembra do caso da Rihanna, que tomou a maior surra do namorado, Chris Brown, deu queixa, fez B.O, exame de corpo de delito, e acabou voltando para ele? Depois, a cantora disse que se envergonhou de ter perdoado.
“Isso aconteceu comigo e eu sou uma pessoa forte. Pode acontecer com qualquer um", declarou na época, dizendo ter se arrependido de dar um mau exemplo para suas fãs. A cantora ainda justificou sua decisão dizendo que agiu por amor.
"É normal voltar depois que algo assim acontece. Você começa a mentir para si mesma. Eu preciso dizer às garotas que passaram por violência doméstica que não reajam por amor", declarou.
Por isso os especialistas aconselham que é importante não ter vergonha de contar para uma amiga, uma irmã. Normalmente, as pessoas em volta não acreditam, especialmente quando se trata de pessoas com bom nível cultural. A mulher tem de ter alguém de confiança a quem pedir socorro caso a agressão se concretize.
As estatísticas, é bom lembrar, apontam para um quadro sinistro: a cada dois minutos, cinco mulheres são agredidas violentamente no Brasil.
E o pior: nem o advento da Lei Maria da Penha, em 2006, que estabelece que todo o caso de violência doméstica em uma família é crime, que deve ser apurado por inquérito policial e remetido ao Ministério Público, foi capaz de reduzir os homicídios de mulheres no Brasil.
Estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e divulgado em setembro do ano passado, revelou que a proporção de feminicídios por 100 mil mulheres em 2011 (5,43) superou o patamar visto em 2001 (5,41).
Comparando a taxa de mortes por agressão nos períodos anteriores e posteriores à lei, a pesquisa do Ipea também constatou um retrocesso.
De 2001 a 2006, foi verificada uma taxa de 5,28 feminicídios por 100 mil mulheres, semelhante à encontrada entre 2007 e 2011, de 5,22. Segundo o Ipea, os parceiros íntimos são os principais assassinos de mulheres, sendo responsáveis por aproximadamente 40% de todos os homicídios no mundo. Essa proporção é de 6% entre os homens assassinados pelas parceiras.
Escapar por um triz das estatísticas deixa, por outro lado, vítimas
fragilizadas. É o caso de Mc Sexy, que há uma semana foi violentamente
agredida pelo então namorado, Lucas Luan Aguiar, de 24 anos, que foi
preso nesta quarta-feira (19/2).
Juntos há seis meses, os dois já faziam planos de casamento. Tudo foi interrompido pelo acesso de fúria do rapaz, que ao ter tido uma “visão de que estava sendo traído”, partiu com tudo para cima da parceira.
— Ainda estou passada. Eu ainda tremo, tenho muito medo, a cabeça fica descontrolada. Ele tinha um comportamento estranho, quebrava porta, notebook, mas nunca tinha feito isso, me tratava como uma rainha.
Eu tentei terminar com ele, por esse temperamento, mas ele não aceitou. Percebi que havia algo estranho com ele, tinha um pó branco dentro do nariz, peguei minha bolsa, fui indo pro meu carro na garagem.
Foi quando ele me deu uma garrafada na cabeça. Eu ainda tentei arrancar com o carro, mas ele alcançou, entrou pela janela do passageiro e me agrediu. Ele me jogou pra fora com o carro andando. Acordei sendo puxada por um porteiro, que chamou a polícia. No hospital é que fui lembrar tudo o que aconteceu.
MC Sexy acredita que muitas mulheres desistam da denúncia, pois a polícia exige testemunhas, provas, e nem todo mundo consegue, fica sem alternativa. Ela compreende as dificuldades que as vítimas devem enfrentar, mas, para ela, perdoar é impossível.
— Perdoar é não ter amor próprio. Eu vou te falar... gosto muito do Lucas, mas nunca mais na vida ele vai ver a minha cara. Agora é esquecer, é bola pra frente. A carne tá sarando, mas a alma, o coração, ainda estão muito abalados.
Depois de mais uma briga, na noite da última segunda-feira (17), Célia teve o maxilar fraturado pelo marido, que logo depois se jogou do 13º andar do prédio onde moravam, em Osasco, com filho do casal, Ivan, de 6 anos, no colo.
À polícia, Celia confirmou que o marido era agressivo e disse que “sempre apanhava”.
O caso, que chocou a opinião pública esta semana, expõe outro drama que nem sempre ganha os holofotes: a violência doméstica contra mulheres com alta escolaridade e nível socioeconômico que, no imaginário social, estariam fora do “grupo de risco” das agredidas, formado por mulheres que dependem financeiramente dos maridos e não teriam para onde ir após uma agressão.
Lidia Aratangy, terapeuta familiar com mais de 20 livros publicados sobre casamento (entre eles “O Anel que Tu Me Deste: O Casamento no Divã”), alerta que as relações amorosas fazem desabrochar o melhor e o pior das pessoas, e suportar agressões faz parte de uma “loucura” que se instaura no casal. Independente de escolaridade ou saldo bancário.
— O que elas são é afetivamente menos favorecidas. A mulher que não se separa e continua vivendo com o agressor se sustenta na esperança de que tudo vai mudar. Quando acaba aquele momento de pavor, ela se apega nas outras coisas boas que a relação possui.
A pesquisa 'Mulheres Brasileiras e Gênero nos Espaços Público e Privado" da Fundação Perseu Abramo, lançada no final de 2013, comprova a tese. O estudo investigou 20 diferentes modalidades de violência, agrupadas por controle ou cerceamento, violência física, psíquico-verbal, sexual e assédio.
Os números mostram que há uma variação muito pequena entre os segmentos. A violência física atinge 19% das mulheres com curso superior ou mais, contra 25% das que têm só o ensino fundamental.
No entanto, as formas de controle ou cerceamento atingem 19% das mulheres com menor escolaridade, contra 27% das que possuem diploma superior. Já a violência psíquico-verbal é igual para todas, com 21%, e a sexual aponta uma diferença irrisória: 11% para quem tem ensino fundamental e 8% das diplomadas.
Segundo Lidia, quando há momentos de ruptura interna no relacionamento, que escapam a qualquer lógica, o diploma e o conhecimento não valem de nada. Para ela, é enlouquecedor ver a pessoa amada perder completamente o controle, como ocorre com os maridos e companheiros agressores.
— Esses monstros todos moram dentro da gente, e a maioria de nós, por sorte, desenvolve canais para controlá-los. Quem tem estudo possui uma visão de mundo mais ampla, o que dá mais recursos emocionais para poder desenvolver esses canais.
No entanto, diante desse tipo de patologia afetiva, as pessoas perdem o acesso à sua parte mais sofisticada. Podemos ficar todos muito primários. A questão não é dar um conselho para a mulher que sofre agressão. O conselho é para todas as mulheres. Quando ultrapassa a barreira física, não tem um tapinha que mereça desculpa. O conselho é violência zero.
Rihanna, MC Sexy e Maria da Penha
Quem não se lembra do caso da Rihanna, que tomou a maior surra do namorado, Chris Brown, deu queixa, fez B.O, exame de corpo de delito, e acabou voltando para ele? Depois, a cantora disse que se envergonhou de ter perdoado.
“Isso aconteceu comigo e eu sou uma pessoa forte. Pode acontecer com qualquer um", declarou na época, dizendo ter se arrependido de dar um mau exemplo para suas fãs. A cantora ainda justificou sua decisão dizendo que agiu por amor.
"É normal voltar depois que algo assim acontece. Você começa a mentir para si mesma. Eu preciso dizer às garotas que passaram por violência doméstica que não reajam por amor", declarou.
Por isso os especialistas aconselham que é importante não ter vergonha de contar para uma amiga, uma irmã. Normalmente, as pessoas em volta não acreditam, especialmente quando se trata de pessoas com bom nível cultural. A mulher tem de ter alguém de confiança a quem pedir socorro caso a agressão se concretize.
As estatísticas, é bom lembrar, apontam para um quadro sinistro: a cada dois minutos, cinco mulheres são agredidas violentamente no Brasil.
E o pior: nem o advento da Lei Maria da Penha, em 2006, que estabelece que todo o caso de violência doméstica em uma família é crime, que deve ser apurado por inquérito policial e remetido ao Ministério Público, foi capaz de reduzir os homicídios de mulheres no Brasil.
Estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e divulgado em setembro do ano passado, revelou que a proporção de feminicídios por 100 mil mulheres em 2011 (5,43) superou o patamar visto em 2001 (5,41).
Comparando a taxa de mortes por agressão nos períodos anteriores e posteriores à lei, a pesquisa do Ipea também constatou um retrocesso.
De 2001 a 2006, foi verificada uma taxa de 5,28 feminicídios por 100 mil mulheres, semelhante à encontrada entre 2007 e 2011, de 5,22. Segundo o Ipea, os parceiros íntimos são os principais assassinos de mulheres, sendo responsáveis por aproximadamente 40% de todos os homicídios no mundo. Essa proporção é de 6% entre os homens assassinados pelas parceiras.
A MC Sexy após ser agredida pelo namorado
Juntos há seis meses, os dois já faziam planos de casamento. Tudo foi interrompido pelo acesso de fúria do rapaz, que ao ter tido uma “visão de que estava sendo traído”, partiu com tudo para cima da parceira.
— Ainda estou passada. Eu ainda tremo, tenho muito medo, a cabeça fica descontrolada. Ele tinha um comportamento estranho, quebrava porta, notebook, mas nunca tinha feito isso, me tratava como uma rainha.
Eu tentei terminar com ele, por esse temperamento, mas ele não aceitou. Percebi que havia algo estranho com ele, tinha um pó branco dentro do nariz, peguei minha bolsa, fui indo pro meu carro na garagem.
Foi quando ele me deu uma garrafada na cabeça. Eu ainda tentei arrancar com o carro, mas ele alcançou, entrou pela janela do passageiro e me agrediu. Ele me jogou pra fora com o carro andando. Acordei sendo puxada por um porteiro, que chamou a polícia. No hospital é que fui lembrar tudo o que aconteceu.
MC Sexy acredita que muitas mulheres desistam da denúncia, pois a polícia exige testemunhas, provas, e nem todo mundo consegue, fica sem alternativa. Ela compreende as dificuldades que as vítimas devem enfrentar, mas, para ela, perdoar é impossível.
— Perdoar é não ter amor próprio. Eu vou te falar... gosto muito do Lucas, mas nunca mais na vida ele vai ver a minha cara. Agora é esquecer, é bola pra frente. A carne tá sarando, mas a alma, o coração, ainda estão muito abalados.
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