segunda-feira, 17 de março de 2014

De perto, ninguém é normal-- Época-- Walcyr Carrasco


Vou contar um segredo: não suporto usar nada amarelo. Sinto que algo ruim acontecerá

WALCYR CARRASCO
 
 
27/02/2014 21h05 
 
Estava conversando com um amigo quando ele perguntou:

– Você tem algum problema mental?

Me assustei com a pergunta. Eu? Ele lembrou que faço terapia com um psiquiatra. É verdade. Conheço Remo há muito tempo, fui e voltei de seu consultório várias vezes. Não tomo remédios psiquiátricos. A não ser rivotril, para me ajudar a dormir. Pretendo deixar. Só passei a usar há pouco tempo. 

Como escrevo de madrugada, no ápice da novela, não conseguia adormecer, ficava pensando nos personagens. Até aí tudo bem... espero! Depois, lembrei. Várias vezes, na minha vida, ouvi a mesma pergunta. Ou afirmação:

– Você é meio doido.

Confesso, sou. Vou contar um segredo: não suporto usar nada amarelo. Adoro a cor, acho linda. Mas, se me dão roupa amarela, dou um sorriso também amarelo, agradeço e escondo. Sou assim desde a adolescência. Consigo impedir que a doidice cresça. Houve uma época em que  fugia até dos livros de capa amarela. Fiz um esforço para voltar a lê-los. 

Tenho a sensação de que algo muito ruim pode me acontecer quando uso amarelo. Já tentei me curar, quando morava numa chácara. Acordei e tinha desabrochado uma rosa amarela. Passei o dia  dizendo a mim mesmo que tudo bem, era uma rosa linda etc. No dia seguinte, minha cachorra amanheceu morta. Racionalmente, um fato nada tem a ver com o outro. Adianta? É o que chamo de golpe do destino.

Também me identifico demais com personagens dos livros que leio. Se é um policial, ando preocupado nas esquinas. Numa história de amor, suspiro de paixão por não sei o quê. No caso de um bom livro de culinária, basta ler as receitas e ver as fotos para engordar. Um drama.

A sensação de perseguição é comum entre atrizes. Sempre dou um conselho a meus amigos produtores:

– Se, no primeiro dia de ensaio de uma peça, uma atriz reclamar do cafezinho, demita. Esse cafezinho se transformará numa avalanche até a estreia.

Garanto! Em muitos elencos, uma atriz começa a se sentir perseguida pelo diretor, ou por outra atriz, e reage fortemente. Estabelece uma guerra nos bastidores. Jamais direi os nomes, mas grandes estrelas já rolaram no chão durante as gravações de uma novela. Cada uma se sentia perseguida pela outra, e isso despertou uma fúria irracional.

Muitas das exigências dos grandes artistas internacionais, quando vêm ao Brasil, como 100 toalhas brancas no camarim, são o quê? Coisa de  gente pirada, mas preferem dizer que é mania de artista. 

Qualquer um, de perto, não é normal. E, vamos lá, o que é normal? Só na intimidade percebemos essas estranhezas. Como uma amiga minha que, ao sair do escritório, apagava a luz uma vez. Voltava cinco, seis, para verificar se estava realmente apagada. 

Tem de se controlar para ir embora sem retornar. No trânsito, até um executivo sério, bom pai de família, é capaz de se atirar sobre o próximo, num acesso de raiva por causa de uma simples batida de para-choques. 

Acabo de entrar no Facebook. É meia-noite. Um amigo reclama que o vizinho está ouvindo “Meiga e abusada”, da Anitta, desde as 21 horas. O vizinho tem obsessão pela cantora. Meu amigo está pirando. Quem não enlouqueceria ouvindo Anitta horas inteiras?

A revista Plos Medicine relata que a frequência dos problemas de comportamento é maior do que se imagina. Ou seja, não estou sozinho! A atriz Charlize Theron só consegue se instalar num quarto de hotel depois de verificar todas as gavetas e armários. 

Caso contrário, sofre uma crise de ansiedade. O jogador de futebol inglês David Beckham tem obsessão pela ordem. Em torno dele, tudo tem de estar aos pares. Se vê três livros sobre uma mesa, manda retirar um.

Uma pesquisa semelhante feita no Brasil revelou um caso curioso. Uma professora solteira, após a morte de seu pai, desenvoleu uma obsessão por velórios. Se vê um vestido, já imagina se ficará bem ou não num velório. 

Compra. Depois se informa, até pelos obituários. Comparece ao velório. Cumprimenta as pessoas. Ao voltar, tira o vestido e não usa mais. Semana seguinte, tudo igual. 

Fico imaginando a professora dando aula a seus aluninhos... e se eles soubessem disso? E seus colegas? No dia a dia, é uma mulher comum, ninguém desconfia. 

O mais importante, não faz mal a ninguém. Você pode achar que ela é completamente maluca. Não concordo. É como eu, ou você, tem uma porção doida, mas mansa. E daí?

Aproveite e confesse a si próprio: qual a sua loucura?

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