Documentos obtidos pelo site de VEJA mostram que os controladores do banco Cruzeiro do Sul disparam ações na Justiça numa tentativa de retardar - e até anular - os processos movidos contra eles por fraudes realizadas na instituição
Talita Fernandes
TEMPOS DE GLÓRIA - Luís Felippe e Luís Octávio em 2009, durante uma de suas megafestas
(Luciana Prezia/Estadão)
Os controladores do banco Cruzeiro do Sul, Luís Felippe e Luís
Octávio Indio da Costa (pai e filho, respectivamente) são acusados de
cometer "uma das mais graves fraudes da história financeira brasileira",
segundo termos usados pela própria Justiça.
Mas a dupla não tem
aceitado muito bem o peso dos processos dos quais são alvo.
Documentos
obtidos pelo site de VEJA mostram que, no ano passado, os banqueiros
deram início a uma ofensiva nas áreas cível e criminal para tentar
atrasar - com a pretensão de anular – as ações que recaem sobre suas
costas.
A reportagem identificou pelo menos três tentativas – ainda em vão –
de barrar os processos movidos contra os Indio da Costa.
Todas têm como
artífice Luís Felippe, de 83 anos, cuja velhice tem se mostrado mais
agitada e transgressora que a vida de um adolescente rebelde. Seu filho,
Luís Octávio, ex-presidente do banco, se sentia mais confortável na
figura de playboy fanfarrão ostentando carros importados e festas com
artistas internacionais.
A primeira investida de pai e filho ocorreu na
esfera criminal, quando alegaram irregularidades na administração
temporária do FGC no Cruzeiro do Sul; a segunda foi contra o Banco
Central, ao contestarem as provas levantadas pela autoridade monetária
de que a instituição executava empréstimos fraudulentos; e a última
delas foi apresentada à Comissão de Valores Imobiliários (CVM), alegando
que o FGC não fez comunicação adequada ao mercado no período de sua
administração do banco em apuros – entre junho e setembro de 2012.
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Luís Felippe Indio da Costa, o banqueiro que odeia as regras de mercado
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A artilharia — A
premissa usada pelos banqueiros para tentar reverter o jogo é clichê no
mundo da advocacia, além de ser também um famoso dito popular: a melhor
defesa é o ataque.
Para tentar frear o processo criminal, a
dupla conseguiu uma suspensão temporária do andamento do caso, alegando
irregularidades nas provas e na administração do FGC.
O Fundo fez a
gestão do Cruzeiro do Sul durante o período do Regime de Administração
Especial Temporária (RAET), que se sucedeu à intervenção e durou até 14
de setembro de 2012, quando foi decretada sua liquidação extrajudicial.
Para conseguir a suspensão, os Indio da Costa alegaram que o ex-diretor
do FGC Celso Antunes teria sido sócio da empresa contratada para gerir
as carteiras do Cruzeiro Sul após a intervenção.
Apesar do esforço, a empreitada foi em vão. No dia 13 de novembro, a
juíza federal Sílvia Maria Rocha decidiu pelo andamento normal do
processo, argumentando que “não há causa legal que impeça a regular
tramitação das ações penais”.
Antes de passar pelo crivo da Justiça, as
acusações contra o Fundo também receberam parecer contrário do
Ministério Público Federal (MPF).
"Essa é uma estratégia típica
de defesa que não tem um mérito claro e único para obstruir o processo
penal. As provas contra eles são robustas o suficiente", argumenta a
procuradora do MPF em São Paulo, Karen Kahn.
Em seu parecer, a juíza Silvia Maria entendeu ainda que, mesmo que as
irregularidades apontadas pelos banqueiros fossem consistentes, esse
não seria um motivo para suspensão ou até anulação do processo movido
contra eles.
“É de ressaltar, como bem aduziu o BACEN, que grande parte
das provas coligidas na ação penal foi colhida pela fiscalização
empreendida pelo BACEN, antes mesmo da decretação do RAET”, escreveu a
juíza.
Questionado pelo site de VEJA, o FGC respondeu que "não
constatou, durante esse processo, nenhum procedimento que tenha causado
prejuízo à instituição". Em agosto de 2013, Antunes e outro então
diretor do Fundo, José Lattaro, deixaram a instituição por meio de renúncia.
Os Indio da Costa tentaram, na esfera cível, invalidar as provas
levantadas pelo Banco Central sobre a existência de empréstimos
consignados fraudulentos.
Luís Felippe entrou com um recurso na Justiça
alegando que seu direito de defesa estava sendo "cerceado" e pediu que
fosse feita uma perícia das provas levantadas pelo BC. Em decisão
publicada no dia 7 de fevereiro deste ano, a juíza federal Elizabeth
Leão, 12ª Vara Cível Federal de São Paulo, negou o pedido afirmando não
ver tais irregularidades.
"A medida pretendida, ao contrário, poderia
até mesmo inviabilizar a investigação, dada a dimensão de documentos e
operações a serem auditadas", informou a juíza em seu parecer.
No processo apresentado à CVM, os banqueiros ainda acusaram o FGC de
falta de transparência na divulgação de informações sobre o processo de
liquidação.
Alegavam que a comunicação sobre os números do banco
(inclusive o rombo bilionário) deveria ser feita por meio de fato
relevante — por se tratar de uma empresa de capital aberto. O pedido é
contraditório tendo em vista que pai e filho negam qualquer envolvimento
em fraude. O órgão regulador julgou a ação e absolveu o FGC.
Procurados pela reportagem, Luís Felippe e o filho Luis Octávio não
quiseram dar entrevista. Já o advogado criminalista Roberto Podval, que
está a cargo da defesa da dupla, nega que as tentativas tiveram o
objetivo de retardar o processo.
Mas aproveita para lançar dúvidas sobre
a atuação dos órgãos públicos na condução da liquidação do banco — como
se isso, de alguma forma, isentasse os banqueiros das irregularidades
das quais são acusados de cometer ao longo de uma década.
"Queremos
apurar a conduta do Fundo. Se o Ministério Público não fizer nada,
processaremos o FGC. Queremos saber até onde isso vai. Se essas pessoas
que cometeram irregularidades eram apenas o Fundo ou se tem gente do
Banco Central no meio”, diz.
Encontrar algum resquício de legitimidade nas tentativas dos Indio da
Costa de escapar das penas é tarefa hercúlea. Sobretudo porque as
investigações apontam para o curioso fato de que um ano antes da
intervenção, a diretoria do banco determinou medidas de “segurança” de
informação, bloqueando acesso a diversos sites e impedindo o uso de
celulares no local de trabalho.
A sensação, segundo um ex-funcionário,
era de que havia um temor de vazamento de “informações indevidas”.
Investigações da PF apontam que os Indio da Costa teriam levado a cabo
atitudes para lá de audaciosas — uma delas seria o grampo ilegal
de ramais usados pelos próprios técnicos do BC.
A informação consta do
depoimento prestado pelo analista do BC, Carlos Eduardo de Camargo
Corsi, à Polícia Federal no dia 10 de fevereiro deste ano.
"Havia
diversos ramais do banco gravados, entre as praças de São Paulo e do Rio
de Janeiro, cuja maioria de conversas nada tinha a ver com a mesa de
operações, inclusive havia gravações da equipe de fiscalização do Banco
Central que estava instalada fisicamente no banco antes do RAET ",
afirmou Corsi.
Outro ex-funcionário do banco disse ao site de VEJA que,
na sexta-feira que antecedeu a intervenção do BC, os diretores deram fim
a uma série de documentos comprometedores.
Relembre o caso — Em junho de 2012, o Banco Central
decretou intervenção no Cruzeiro do Sul depois de ter descoberto um
rombo de pelo menos 1,2 bilhão de reais — número que avançou a 3,8
bilhões de reais, segundo último balanço disponível da instituição, de
junho de 2013.
Quase três meses depois, em setembro, o banco foi liquidado pelo BC depois que seu administrador temporário – o FGC - não conseguiu encontrar um comprador para a instituição.
Pouco mais de um mês após a liquidação, os Indio da Costa foram
surpreendidos pela Polícia Federal com um pedido de prisão. À época, a
PF alegou que houve tentativa dos controladores de movimentar bens no
exterior, sendo que todos estavam bloqueados desde a intervenção.
Com
isso, Luís Octávio passou dezoito dias detido em
São Paulo. Já seu pai, por ter idade avançada, cumpriu prisão
domiciliar durante o mesmo período. Os dois conseguiram liberdade depois
da concessão de um pedido de habeas corpus.
Além dos dois, outros quinze executivos ligados ao banco foram indiciados.
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