quarta-feira, outubro 22, 2014
Lula tenta vender a tese de que alternância de poder faz mal à democracia brasileira
Remexendo na gaveta de recortes de jornais – valorosos e não raro mais úteis que o Google – encontro um texto escrito em 7 de setembro de 2010. Apenas coincidência a data da Independência. O título, Macunaíma. O herói sem nenhum caráter de Mário de Andrade.
Faltava pouco menos de um mês para o primeiro turno da eleição em que o então presidente Luiz Inácio da Silva fazia o “diabo” e conseguiria na etapa final realizada em 31 de outubro eleger uma incógnita como sua sucessora.
Deu todas as garantias de que a chefe de sua Casa Civil, Dilma Rousseff, seria uma administradora de escol para o Brasil. Não foi, conforme comprovam os indicadores de um governo que se sustenta no índice positivo do emprego formal, cuja durabilidade depende do rumo da economia.
Como ex-presidente, Lula agora pede que se renove a aposta. Sem uma justa causa, apenas baseado na ficção por ele criada de que a alternância de poder faz mal à democracia brasileira. A propósito de reflexão a respeito da nossa história recente, convido a prezada leitora e o caro leitor ao reexame daquele texto.
“Só porque é popular uma pessoa pode escarnecer de todos, ignorar a lei, zombar da Justiça, enaltecer notórios ditadores, tomar para si a realização alheia, mentir e nunca dar um passo que não seja em proveito próprio?
Um artista não poderia fazer, nem sequer ousaria fazer isso, pois a condenação da sociedade seria o começo do seu fim. Um político tampouco ousaria abrir tanto a guarda. A menos que tivesse respaldo, que só revelasse sua verdadeira face lentamente e ao mesmo tempo cooptasse os que poderiam repreendê-lo tornando-os dependentes de seus projetos dos quais aos poucos se alijariam os críticos por intimidação ou cansaço.
A base de tudo seria a condescendência dos setores pensantes e falantes; oponentes tíbios, erráticos, excessivamente confiantes diante do adversário atrevido, eivado por ambições pessoais e sem direito a contar com aquele consenso benevolente que é de uso exclusivo dos representantes dos fracos, oprimidos e assim nominados ignorantes.
O ambiente em que o presidente Luiz Inácio da Silva criou o personagem sem freios que faz o que bem entende e a quem tudo é permitido – abusar do poder, usar indevidamente a máquina pública, insultar, desmoralizar – sem que ninguém consiga lhe impor paradeiro, não foi criado da noite para o dia. Não é fruto de ato discricionário, não nasceu por geração espontânea nem se desenvolveu por obra da fragilidade da oposição.
Esse ambiente é fruto de uma criação coletiva. Produto da tolerância dos informados que puseram seus atributos e respectivos instrumentos à disposição do deslumbramento, da bajulação e da opção pela indulgência. Gente que tem vergonha de tudo, até de exigir que o presidente da República fale direito o idioma do país, mas não parece se importar de lidar com quem não tem pudor algum.
Da esperteza dos arautos do atraso e dos trapaceiros da política que viram nessa aliança uma janela de oportunidade. A salvação que os tiraria do aperto em que estavam já caminhando para o ostracismo. Foram ressuscitados e por isso estão gratos.
Da ambição dos que vendem suas convicções (quando as têm) em troca de verbas do Estado.
Da covardia dos que se calam com medo das patrulhas.
Do despeito dos ressentidos.
Do complexo de culpa dos mal resolvidos.
Da torpeza dos oportunistas.
Da superioridade dos cínicos.
Da falsa isenção dos preguiçosos.
Da preguiça dos irresponsáveis.
Lula não teria ido tão longe com a construção desse personagem que hoje assombra e indigna muitos dos que lhe faziam a corte não fosse a permissividade geral. Se não conseguir eleger a sucessora não deixará o próximo governo governar. Importante pontuar que só fará isso se o país deixar que faça; assim como deixou que se tornasse esse ser que extrapola.”
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