domingo, 9 de novembro de 2014
Aécio Neves chega caminhando sozinho pela rua. Vem do pediatra e
entra na casa do amigo onde daria entrevista, em Ipanema, contando que
os filhos gêmeos, nascidos prematuros, engordaram. Diz que depois de
olhar tanto no olho da adversária que o derrotou na campanha mais
acirrada da História não abdicará de seu papel de fazer oposição. Admite
erros. Mas diz que, pela primeira vez, o PT enfrentará uma “oposição
conectada com a sociedade, e isso os assusta”. (Entrevista concedida ao jornal O Globo)
Como o senhor viu a entrevista da presidente Dilma, que
chamou de lorota o corte de ministérios e de ideia maluca sua proposta
de choque de gestão?
A candidata Dilma estaria muito envergonhada da presidente Dilma.
Para a candidata, aumentar juros era tirar comida da mesa dos pobres.
Três dias depois da eleição, o BC aumentou os juros. Para a candidata,
não havia inflação. A presidente agora admite que há e que é preciso
controlá-la. A candidata dizia que as contas públicas estavam em ordem, e
descobrimos que tivemos um setembro com o pior resultado da história. A
candidata dizia que cumpriria o superávit fiscal, e agora se prepara
para pedir a revisão da meta de 1,9%. Estamos assistindo ao maior
estelionato eleitoral da História. O choque de gestão, que incomoda
tanto o PT, nada mais é do que gastar menos com o Estado e mais com as
políticas fins. É o contrário do que o PT pratica. O próximo mandato,
que se inicia, já começa envelhecido. A presidente não se acha no dever
de sequer sinalizar como será a política econômica. E é curioso vermos a
presidente correndo desesperada atrás de um banqueiro para a Fazenda.
Eu hoje chego na minha casa, coloco a cabeça no travesseiro e durmo com a
consciência muito tranquila. Fiz uma campanha falando a verdade, não
fugi dos temas áridos, sinalizei na direção da política econômica que
achava correta. Não sei se a candidata eleita pode fazer o mesmo.
A oposição também não está envelhecida?
A oposição sai extremamente revigorada da eleição. A campanha teve
duas marcas muito fortes. A primeira, protagonizada pelo PT e pela
candidata que venceu: a utilização sem limites da máquina pública, do
terrorismo eleitoral, aterrorizando beneficiários do Bolsa Família, do
Minha Casa Minha Vida. Inúmeras regiões ouviram durante meses, isso sim
uma grande lorota, que, se o 45 ganhasse, seriam desfiliados dos
programas. Infelizmente, essa é uma marca perversa. Mas há uma outra,
extraordinária, que é um combustível para construir essa nova oposição. O
Brasil acordou, foi às ruas. Minha candidatura passou a ser um
movimento. Nosso e desafio é manter vivo esse sentimento de mudança, por
ética.
Como atuar de forma diferente?
Pela primeira vez, o PT governará com uma oposição conectada com a
sociedade. O sentimento pós-eleição foi quase como se tivéssemos
ganhado. E os primeiros movimentos da presidente são de desperdiçar a
oportunidade de renovar, de admitir equívocos, mudar rumos. Ela começa
com o mesmo roteiro: reúne partidos para discutir um projeto de reforma
política ou uma agenda de crescimento? Não! Reúnem-se em torno da
divisão de ministérios, de nacos de poder. As pessoas não se sentam para
ouvir da presidente: "Quero o apoio para um grande projeto de país."
Era o que eu faria. A grande pergunta dos brasileiros será: para que
novo mandato se não há projeto novo de país? Para continuar distribuindo
cargos e espaço de poder para as pessoas fazerem negócios? A presidente
corre o risco de começar o mandato com sentimento de fim de festa.
O PSDB fará um “governo paralelo”?
Vamos constituir dez grupos, de dez áreas específicas, para
acompanhar as ações do governo. Comparar compromissos de campanha com o
que acontece em cada área. Queremos subsidiar nossos companheiros,
lideranças da sociedade, vereadores, governadores, parlamentares.
Isso não reforça o discurso de que vocês precisam desmontar o palanque?
Chega a ser risível ouvir o PT falar que é hora de descer do
palanque. O PT, sempre que perdeu, nunca desceu. E quando venceu também
não desceu. E quem paga a conta são os brasileiros. Cumprimentei a
presidente pela vitória. Agora vou cumprir o papel que me foi
determinado por praticamente metade da população. Vamos ser oposição
vigilante, fiscalizadora, e não vamos deixar que varram para debaixo do
tapete, como querem fazer, esses gravíssimos escândalos que estão aí.
Mas não houve acordo na CPI da Petrobras para blindar políticos, com apoio do PSDB?
Quero dizer de forma peremptória e definitiva: vamos às últimas
consequências nessas investigações, não importa a quem atinjam. Até pelo
nível de insegurança de setores da base do governo, o que pode estar
vindo por aí é algo muito, mas muito grave. Não depende mais apenas da
ação do Congresso ou da Justiça no país, porque essa organização
criminosa que, segundo a PF, se institucionalizou na Petrobras, tem
ramificações fora do Brasil. E outros países estão agindo. Nosso papel é
não permitir, do ponto de vista político, tentativas de limitação das
investigações. Se alguém pensou em algum acordo, e no caso do deputado
Carlos Sampaio ele foi ingenuamente levado a isso, será corrigido.
A desconstrução marcou a campanha. Como enfrentar isso em 2018?
O marketing petista deseduca a população porque não permite o debate.
Será que vai dar certo sempre? Queremos transformar o Bolsa Família em
política de Estado para que saia dessa perversa agenda eleitoral.
Apresentamos o projeto, e agora ficou claro porque o PT votou contra. O
PT prefere ter um programa para manipular as vésperas das eleições, como
se fosse uma bondade. Há uma manipulação vergonhosa de instituições
como Ipea e IBGE. A presidente usou o marketing de que tinha tirado não
sei quantos milhões da miséria já sabendo que a miséria aumentara. Mais
um estelionato. Setembro foi o pior mês do século em geração de emprego.
Há 20 milhões de jovens sem ensino fundamental e médio. Nossa educação,
comparativamente a nossos vizinhos, é péssima. E o governo acha que
política social é o Bolsa Família. Não. Tem que ser saúde, educação de
qualidade e geração de emprego para incorporar essas pessoas ao mercado
formal.
Como o PSDB se manterá unido com uma disputa interna que se anuncia para 2018?
Antecipar uma divisão no PSDB hoje é uma bobagem. Não tenho obsessão
em ser candidato a presidente. O que há hoje é um PSDB, ao lado de
outras forças, conectado a setores da sociedade com os quais não
estávamos vinculados. Esse é o grande fato novo. Lá na frente, o
candidato será aquele que tiver melhores condições de vencer.
Há uma nova direita indo às ruas e pedindo a volta dos militares. Como fazer com que o PSDB não se confunda com esse movimento?
Com nosso DNA. Sou filho da democracia. O que houve foi a utilização
de movimentos da sociedade por uma minoria nostálgica que nada tem a ver
conosco e com nossa história. A agenda conservadora, antidemocrática,
totalitária, é a do PT. Esse documento do PT, lançado depois das
eleições, é muito grave. Fala no cerceamento da liberdade da imprensa,
de um projeto hegemônico de país, sem alternância de poder. Fala de uma
democracia direta que, de alguma forma, suplantaria ou diminuiria a
participação do Congresso na definição das políticas públicas. Teve um
momento na campanha do meu avô Tancredo, em 1984, que pregaram uns
cartazes em Brasília com o símbolo do comunismo. Era um movimento da
direita mais radical para dizer que ele era comunista. Tancredo disse:
"Olha, para a esquerda não adianta me empurrar que eu não vou." Ele era
um homem de centro. E, agora, eu digo: "Para a direita não adianta me
empurrar que eu não vou".
E os erros na campanha? Faltou conexão com minorias, movimentos de base?
Faltaram poucos votos que não conseguimos por falta de estrutura. Nas
eleições municipais teremos candidatos com capilaridade em segmentos
muito mais amplos. Em dezembro, reuniremos a Executiva com esse foco.
Faremos ampla campanha, uma semana de filiação no Brasil. Com gente nas
ruas, sindicatos, universidades. Estarei em Maceió, numa grande
teleconferência, para sinalizar que o Nordeste sempre será prioridade
para o PSDB. As pessoas estão procurando saber como participar, como se
filiar. Isso nunca acontecera. Voltamos a ser depositários da confiança
de parcela importante da sociedade que nunca fez política e está
querendo fazer.
Quais foram os erros em Minas? É consenso que o senhor perdeu porque foi derrotado lá.
Ainda estou tentando entender. Meus adversários tiveram ação
organizada muito forte nas regiões mais pobres de Minas. Temos imagens
de deputados com megafones dizendo: "Aécio vai acabar com o Bolsa
Família". Os Correios não levavam nosso material, e não estávamos
atentos. Houve talvez certa negligência do nosso pessoal. E nossa
candidatura estadual também não foi bem. No segundo turno, a força do
governador eleito acabou sendo um contraponto forte. Ninguém é
invencível. Eu não sou infalível. É do jogo político. Souberam ser mais
competentes do que nós. A responsabilidade é minha mesmo. Vamos
recuperar esse espaço. Lançar candidato a prefeito em Belo Horizonte,
onde ganhamos por 60% a 30%, e em todas a grandes cidades.
E a derrota no Rio?
Eu ter tido 45% dos votos no Rio foi um ato de heroísmo. Os dois
candidatos do segundo turno estavam com Dilma. E ainda espalharam
jornais apócrifos me colocando como inimigo do Rio.
A aliança de oposição será mantida?
É bom que a oposição tenha várias caras. É um erro estratégico, além
de gesto de absoluta arrogância, achar que sou o líder das oposições.
Não sou. Somos um conjunto de pessoas credenciadas para falar em nome de
uma parcela importante da população. Sou cioso da autonomia do
Congresso. Mas gostaria de ver alguma forma essa aliança reeditada na
eleição para a presidência da Câmara. Quem sabe num gesto em direção do
PSB. A mim agradaria, mas é uma decisão que será tomada com absoluta
autonomia pelos deputados.
O senhor sempre repete a frase de Tancredo que ser presidente, mais do que projeto, é destino. Ainda concorda?
Não é obsessão, como jamais foi. Sou hoje um homem de bem com a vida,
conheci um Brasil novo, vibrante, com esperança. Não é frase de efeito.
Vi coisas de emocionar. Gente que via esperança em mim. E isso é muito
sério.
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