sábado, 15 de novembro de 2014
CHEFE – Ricardo Pessoa, dono da empreiteira UTC, preso na
sexta-feira passada: o "capo" do cartel da Petrobras gostava de repetir
que tinha um único amigo no governo – "o Lula"
(Marcos Bezerra/Futura Press/Estadão Conteúdo)
Em um país de instituições mais frágeis, a prisão por suspeita de corrupção de altos executivos das maiores empresas nacionais não se efetivaria nunca ou produziria uma crise institucional profunda.
Antes, portanto, de entrarmos nos detalhes dessa pescaria da Polícia Federal em águas sujas da elite empresarial, celebremos a maturidade institucional do Brasil — a mesma que foi posta à prova e passou com louvor quando o Supremo Tribunal Federal (STF) mandou para a penitenciária a cúpula do partido no poder responsável pelo escândalo do mensalão.
Esse senhor pesadão, bem vestido, puxando uma maleta com algumas mudas de roupa e itens de higiene pessoal, não está se dirigindo a um hangar de jatos executivos para mais uma viagem de negócios. Ele está sendo conduzido por policiais para uma temporada na cadeia. A foto ao lado mostra o engenheiro Ricardo Pessoa, dono da empreiteira UTC, apontado por investigações da Operação Lava-Jato como o “chefe do clube”.
Um clube muito exclusivo, diga-se. Dele só podiam fazer parte
grandes empresas que aceitassem as regras do jogo de corrupção na
Petrobras. Por mais de uma década, os membros desse clube se associaram
secretamente a diretores da estatal e a políticos da base aliada do
governo para operar um dos maiores esquemas de corrupção já desvendados
no Brasil — e, por sua duração, volume de dinheiro e penetração na mais
alta hierarquia política do país, talvez um dos maiores do mundo.
Dono de uma holding que controla investimentos bilionários nas áreas
industrial, imobiliária, de infraestrutura e de óleo e gás, Pessoa foi
trancafiado numa cela da carceragem da Polícia Federal. Ele e outros
representantes de grandes empreiteiras que se juntaram para saquear a
maior estatal brasileira e, com o dinheiro, sustentar uma milionária
rede de propinas que abasteceu a campanha de deputados, senadores e
governadores — e, mais grave ainda, segundo declaração do doleiro
Alberto Youssef à Justiça, tudo isso teria se passado sob o olhar
complacente do ex-presidente Lula e de sua sucessora reeleita, Dilma
Rousseff.
Na ação policial de sexta-feira foram presos dirigentes de empresas
que formam entre as maiores e politicamente mais influentes do Brasil:
OAS, Camargo Corrêa, Mendes Júnior, Queiroz Galvão, UTC, Engevix, Iesa e
Galvão Engenharia. Essas companhias são responsáveis por quase todas as
grandes obras do país. Os policiais federais vasculharam as salas das
empresas ocupadas pelos suspeitos presos e também suas casas.
Embora
tendo executivos seus citados por Youssef e Paulo Roberto Costa, o
ex-diretor da Petrobras preso em março, que está contribuindo nas
investigações, não foram alvos das investidas policiais da sexta-feira
passada dirigentes de outros dois gigantes do ramo: a Odebrecht e a
Andrade Gutierrez.
O juiz Sergio Moro recebeu pedido dos procuradores para emitir ordem de prisão contra dois altos executivos da Odebrecht. Negou os dois, mas autorizou uma incursão na sede da empresa em busca de provas.
O juiz Sergio Moro recebeu pedido dos procuradores para emitir ordem de prisão contra dois altos executivos da Odebrecht. Negou os dois, mas autorizou uma incursão na sede da empresa em busca de provas.
O
ELO – Renato Duque, ex-diretor da Petrobras, que cobrava 3% de propina
para o PT: preso depois que a Polícia Federal descobriu que ele tinha
contas secretas no exterior
“Hoje é um dia republicano. Não há rosto e bolso na República”, declarou o procurador Carlos Fernando Lima, integrante da força-tarefa encarregada da Lava-Jato, a origem da investigação.
No rol dos empreiteiros caçados pela polícia estavam megaempresários,
como Sérgio Mendes, da Mendes Júnior, João Auler e Eduardo Hermelino
Leite, da Camargo Corrêa, Ildefonso Colares Filho e Othon Zanoide, da
Queiroz Galvão, Léo Pinheiro, da OAS, e Gerson Almada, da Engevix.
Uma
parte dos alvos não havia sido localizada pela polícia até o fim da
tarde de sexta. Alguns estavam em viagem no exterior e foram incluídos
na lista de procurados da Interpol. O juiz Moro bloqueou 720 milhões de
reais em bens dos investigados.
O papel central de Ricardo Pessoa, da UTC, no esquema foi detectado
logo no princípio das investigações. Não demorou muito para que os
policiais e procuradores não tivessem mais dúvida. Aos curiosos com sua
prosperidade crescente nos últimos anos, Ricardo Pessoa dava uma
explicação que, até o estouro do escândalo, parecia apenas garganta: “Só
tenho um amigo no governo: o Lula”. Pessoa coordenava o cartel, do qual
participavam treze empreiteiras.
Esse grupo de privilegiados se
encontrava para decidir o preço das obras na Petrobras, dividir as
responsabilidades pela execução de cada uma delas — e, o principal, o
valor da propina que deveria sobrar para abastecer os escalões
políticos. Tecnicamente, esse era o grupo dos corruptores. Os diretores
da Petrobras participantes do esquema eram os corruptos. De cada
contrato firmado com a Petrobras, os empresários recolhiam 3% do valor,
que se destinava a um caixa clandestino.
O pagamento era feito de
diversas maneiras: em dinheiro vivo e em depósitos no exterior ou no
Brasil mesmo, em operações maquiadas como prestação de serviços,
principalmente de consultoria — um termo vazio de significado, mas que
transmite um certo ar de austeridade e necessidade.
As empreiteiras do esquema firmavam contratos de consultoria com
empresas de fachada que embolsavam o dinheiro e davam notas fiscais para
“limpar” as operações, que pareciam protegidas por uma inexpugnável
confraria de amigos posicionados nos lugares certos em Brasília e na
Petrobras.
Os recursos desviados abasteciam o PT, o PMDB e o PP, os três
principais partidos da base de apoio do governo federal. A investigação
mapeou o caminho da propina paga por várias das integrantes do clube.
Entre 2005 e 2014, o grupo OAS, por exemplo, repassou pelo menos 17
milhões em propinas apenas por meio do doleiro Alberto Youssef.
Além dos empreiteiros e de seus principais executivos, também foi
preso o ex-diretor da Petrobras Renato Duque, apontado como o homem que,
no fatiamento da propina, cuidava da parte que cabia ao PT. Esse elo
que a polícia começa a fechar entre o diretor corrupto e a empresa
corruptora tem atormentado deputados, senadores petistas e altos
dirigentes do governo.
Funcionário de carreira, Duque entrou na
Petrobras em 1978 — um ano depois de Paulo Roberto Costa — por concurso.
Galgou alguns postos ao longo de sua trajetória, mas sua nomeação como
diretor, em 2003, surpreendeu a todos. Duque era, então, chefe de setor,
alguns níveis hierárquicos abaixo da diretoria. Nunca antes na história
da Petrobras um chefe de setor havia ascendido sem escalas à cúpula. A
explicação logo se tornou pública.
Duque era o escolhido de José Dirceu,
com quem tinha um relacionamento antigo. Discreto e de temperamento
afável, Duque procurava não ostentar. Entre 2003 e 2012, ele reinou
absoluto na diretoria de Serviços. Paulo Roberto Costa revelou à Justiça
que, por lá, 3% do valor dos contratos era repassado exclusivamente ao
PT.
EXPLOSÃO
– Fernando Baiano: o lobista, que está foragido, ameaça contar o que
sabe e elaborou uma lista com beneficiários de propina ligados ao PMDB
A polícia já descobriu onde estão as contas bancárias que receberam
parte desses recursos. Elas foram identificadas por Julio Camargo,
dirigente da Toyo, outra empreiteira envolvida no escândalo, que também
fez acordo com a Justiça para contar o que sabe. E ele sabe muito,
principalmente sobre a distribuição de dinheiro ao partido que está no
governo há doze anos e a alguns de seus altos dirigentes.
Foi com base
no depoimento de Julio que a polícia decidiu pedir a prisão temporária
de Duque e colocar outro funcionário da Petrobras no radar: Pedro José
Barusco, que atuou como gerente de engenharia. Barusco só não foi preso
porque propôs um acordo de delação premiada.
Os policiais também
chegaram a uma personagem que leva o escândalo ao coração do PT: Marice
Correa de Lima, cunhada de João Vaccari, tesoureiro do partido, outro
investigado. Marice lidava com o que o doleiro Youssef chama de “reais
vivos”.
Em dezembro do ano passado, a cunhada do tesoureiro do PT
recebeu no apartamento onde mora, em São Paulo, 110 000 reais. Origem
das cédulas: a construtora OAS. Marice é também mais um elo a ligar o
petrolão ao mensalão. A petista apareceu nas investigações do grande
escândalo do governo Lula como encarregada de pagamentos.
Outro alvo da
operação de sexta feira, o lobista Fernando Soares, o Baiano, é apontado
como o arrecadador do PMDB na Petrobras. Baiano estava foragido. Sua
prisão vai ajudar a esclarecer outras frentes de corrupção na estatal —
entre elas, a rede de propinodutos instalada no negócio da compra da
refinaria de Pasadena, no Texas. E os resultados da Operação Lava-Jato
estão apenas começando a aparecer. (Da Veja)
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