Entrevista especial com Cesar Padilla, direto do Encontro Latinoamericano Igrejas e Mineração, em Brasília.
Luana Luizy
“A contaminação social é
a perda de valores espirituais, éticos, humanistas. Na mineração tudo se compra
e se vende, ela é como um dogma”, afirma Cesar Padilla
O encontro
latinoamericano de “Igrejas e Mineração” reúne em Brasília mais de 90 pessoas
de 13 países de todo o continente. São religiosos, religiosas, leigos e leigas
que debatem de 2 a 5 de dezembro, desafios e enfrentamentos frente às
atividades de mineração e o impacto nos territórios e meio ambiente.
Os
participantes do encontro relembraram os mártires mortos em função da
mineração. Cesar Padilla, do Observatório de Conflitos de Mineração da América
Latina- articulação composta por 40 organizações cujo objetivo é defender
comunidades afetadas pela mineração- afirma que estão registrados em todo o
continente, mais de 211 conflitos provocados pela mineração, aliado a isso a
violação aos direitos humanos e criminalização dos protestos contra os grandes
empreendimentos.
Para
Padilla, as empresas têm perdido as licenças sociais das obras e a permissão
das comunidades. Este rechaço está acontecendo devido a uma consciência nas
comunidades de que a mineração é uma atividade nociva com consequências
desastrosas para a população. Este grande sentimento de indignação se dá, pois
as empresas já não conseguem mais sustentar as mentiras prometidas com os ditos
progressos advindos pelas atividades de mineração.
Confira a entrevista.
- Você afirmou durante sua explanação
que antigamente a mineração era uma das atividades mais rentáveis, mas hoje em
dia não mais. Por quê?
César
Padilla- Os minerais na terra estão acabando, já não encontram minas com tantos
minerais, o ouro, por exemplo significa extrair 0.2g por tonelada, a mineração
está enfrentando hoje problemas econômicos.
Um
dos temas que mais nos chamam atenção é que cada vez há mais oposição das
comunidades, as que têm atividade de mineração não a querem mais, e as que não
têm, não querem ter.
Isso
faz com que as empresas desenvolvam estratégias para dizer que a mineração é
boa, mas como estamos vivendo no mundo das comunicações, sabemos que as
comunidades que desenvolveram atividade de mineração as consequências foram tão
desastrosas que as pessoas não querem mais ter essas experiências, mas há
comunidades que não tem saúde, não tem educação, emprego e então aceitam a
mineração em troca de empregos, mas isso é cada vez menos.
O que se chama de
licença social, a permissão das comunidades, é algo que as empresas estão
perdendo. É uma das
situações que tentaram dar respostas, mas não conseguiram efeito para que as
comunidades aceitem o desenvolvimento da mineração.
-Crê que as empresas estão perdendo
devido à oposição e despertar nas
comunidades?
César Padilla- As primeiras ofertas que as empresas
ofereceram foram mentiras que já se sustentam mais, isso faz com que a gente
tenha acesso à informação. Temos feito programas de intercâmbio, por exemplo,
uma comunidade que quer instalar uma empresa de mineração visita outra comunidade
que teve experiência com este tipo de empreendimento. Então com exceção que te
corrompam, o que também existe, mas a resposta das comunidades é: não queremos
mineração!
- Quais são as enfermidades provocadas
pela mineração?
César Padilla- A contaminação d’água, por exemplo,
implica que a qualidade de consumo dela pela população se deteriore, há muitas
experiências com a liberação do arsênico que causa câncer, os metais pesados
também, há muita gente contaminada pelo mercúrio que causa problemas neurológicos,
renais, cardíacos.
Uma
pessoa contaminada com plomo terá filhos contaminados por plomo que não terá as
mesmas oportunidades de aprendizado, pois terá problemas neurológicos, Sem
contar em outras enfermidades respiratórias. Então mineração é sinônimo de
enfermidades.
- Sem contar nas enfermidades
sociais...
César Padilla- As enfermidades sociais tem a ver com
que uma atividade de mineração está rodeada da presença de muita gente. Temos
exemplos de pequenos povoados que habitam 2, 3 mil habitantes e chegam até 10
mil para construir a mina, isso provoca delinquência, prostituição, alto
consumo de drogas e insegurança. O problema é que quando os trabalhadores vão
embora, os problemas sociais continuam. Isso é algo que não está sendo
considerado nas atividades de mineração, onde os Estados, nem as empresas dão
respostas.
O
efeito social ser um trabalhador de mineração também é algo que não é
considerado nos efeitos sociais, a maioria das atividades de mineração por suas
características exigem pessoas que trabalham em regimes laborais fora da
legislação. Normalmente as empresas negociam regimes especiais de trabalho,
então não são oito horas, mas jornadas de 12, às vezes 14 horas, numa
quantidade de dias da semana. Em 14 dias na mina e 14 de descanso. O que passa
quando um pai abandona a família por 21 dias? As famílias se rompem, a coesão
familiar termina, as separações, conflitos com filhos, fato que não é
contabilizado. O custo que pagam os trabalhadores e as famílias é alto. Conheço
trabalhadores que perderam a memória. A expectativa dos trabalhadores é mais
baixa.
- A corrupção e
cooptação. A contaminação social é a perda de valores espirituais, éticos,
humanistas. Na mineração tudo se vende e tudo se compra. Se uma empresa de mineração quer
conseguir um benefício e se ela não pode obter pelos meios regulares, ela
compra isso em todo o mundo. As decisões
que tomadas autoridades estão influídas nisto. Vemos leis que são absurdas, mas
escritas pelos próprios mineradores.
Há
um tratado feito na fronteira entre Chile e Argentina onde há muitos minerais
para se permitir mineração nas fronteiras com inversionistas estrangeiros,
coisa que antes estava determinantemente proibido. Agora quem fez o texto e o
mapa do tratado, assinado tanto em Chile e Argentina? Os consultores de
empresas canadenses, se aprovou este tratado tanto em Argentina e Chile, sem
que os legisladores tivessem conhecimento do que estava fazendo, isso é
corrupção, porque se não o faz se comprar consciência, vontades e autoridades.
- Quem são os principais
vilões da mineração, são os Estados, as empresas?
César Padilla- É que hoje em dia Estado e empresa
não está suficientemente diferenciado, existe um fenômeno que chamados de porta
giratória, que dá volta, então um ministro hoje em dia é ministro, mas termina
o governo e passa a ser gerente de uma mineradora ou gerente de uma empresa
energética, logo pode passar os anos e voltar novamente a ser ministro ou uma
autoridade política. Então que independência podem ter os governos em relação às
indústrias extrativistas, se o tráfico de pessoas é ida e volta? É que o
extrativismo hoje em dia é quase uma doutrina, ele está instalado como um
dogma, única verdade. Empresas, Banco
Mundial, Estados, Fundo Monetário Internacional e até Nações Unidas tem incorporado
o extrativismo como a única alternativa. O Banco Mundial, por exemplo, tem
falado sobre a necessidade de destravar os projetos que estão parados devido à
imposição das comunidades. Ele diz que é preciso fortalecer a economia e
avançar nos projetos que estão paralisados. Então você é o Estado ou as
empresas? É tudo parte da mesma coisa.
César Padilla- Quais
são os números de conflitos na América Latina e casos mais emblemáticos?
Temos
211 conflitos registrados em toda América Latina e ainda nos falta registrar
vários, porque não temos acesso a toda informação. Precisamos ter mais
informação do Brasil, Venezuela, Paraguai e outros lugares.
Alguns
se destacam pela oposição das comunidades, pelo grau de conflito, o projeto
Conga no Peru, é um projeto de ouro de uma empresa que já tem desenvolvido
mineração e é dona da maior mina de ouro na América Latina, já sabem os
efeitos. Querem fazer mineração aí, mas para isso querem fazer desaparecer três
lagoas, porque o ouro está embaixo. Então isso para as comunidades de
agricultores, camponeses, é uma zona leitera, então a comunidade não quer,
porque precisa dos lagos.
Então
as empresas dizem: Vamos tirar as lagoas daí, mas construir outras. As pessoas
sabem que não se podem construir os ecossistemas.
No
norte da Colômbia, uma empresa de ouro, aí toda população está contra a
mineração. Há alguns lugares que há
conflitos com os povos indígenas, há um convênio das Nações Unidas, da
Organização Internacional do Trabalho (OIT a 169) que diz ser preciso consultar
os indígenas para dizer se estão de acordo ou não para aceitar a mineração em
seus territórios. E obviamente que as empresas de mineração buscam uma
forma de não consultá-los, e os governos fingem que não veem, os governos tem a
obrigação de fazer executar a 169.
Potosí
na Bolívia, Cuzco, no Peru, mas onde eu vejo que há maiores conflitos com
indígenas é na Guatemala, nesta zona foi feita quase 100 consultas com as
comunidades indígenas se querem ou não mineração e 98% disseram não, mas é onde
se impõem os projetos de mineração e atropelam direitos humanos.
A
mineração requer muito território, água e energia, quando uma central
hidrelétrica é construída em território para a mineração é uma afetação, quando
comunidade perde um rio para alimentar empresas também.
- De onde são as
principais empresas de mineração no mundo?
César Padilla-
A maioria das empresas são
canadenses, norte-americanas, japonesas, há europeias e chinesas. E a China
é o novo ator dentro da atividade mineral no mundo, ela tem muitos minerais,
mas precisa mais do que tem, está abrindo muitas minas no mundo, na África,
ampliando seus projetos na América Latina.
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