quinta-feira, 8 de janeiro de 2015
Dilma Rousseff inicia o segundo governo com um leque imenso de dificuldades. A primeira, perene, é o seu próprio temperamento, irascível e imperioso, a dificultar o diálogo e a harmonia. A segunda está em seu entourage, composto por pessoas sem peso e sem autoridade perante a classe política e perante a própria presidente, que, aliás, segundo consta, prefere súcubos submissos. A terceira decorre do marco zero de nossa economia, com crescimento nulo, inflação no teto da margem, déficit fiscal e desemprego começando a ameaçar.
Como
se não bastassem tais entraves, pouco animadores para começo de
mandato, há no horizonte a crise moral e política, pois nunca antes
neste país houve, como no petrolão, corrupção de tamanha grandeza a
comprometer fortemente a maior empresa estatal e a confiança nos
administradores e no próprio governo. Esta rede de corrupção engloba
diversas vertentes, não só empreiteiras, diretores e gerentes da
Petrobrás, mas os últimos destinatários do alcance, ou seja, senadores,
deputados, ministros recebedores do dinheiro desviado.
A base governista será logo aquinhoada com uma investigação que retirará de suas lideranças condições de comando.
A
única notícia boa, contudo, para Dilma é que todas as ilegalidades
praticadas na Petrobrás ocorreram no Brasil, cuja sociedade não nasceu
dotada do sentimento de indignação diante do desmando e do abuso de
poder, reconhecendo a plena normalidade no jeitinho para driblar os
limites da lei.
Com
efeito, Lula em plena crise do mensalão foi reeleito, Dilma em meio ao
petróleo foi reeleita. Na primeira pesquisa após as eleições, quando
vieram à tona mais revelações sobre os alcances na Petrobrás, a maneira
como a presidente governa o País foi aprovada por 52% e desaprovada por
41%. Já a parcela da população que afirma confiar na presidente foi de
51%, ante 44% que não confiam, segundo o Ibope de 17 último.
Como se justifica tal complacência de nossa gente com os desvios graves de conduta dos seus governantes?
A
explicar tal comportamento há preocupante pesquisa realizada pela
Fundação Getúlio Vargas, publicada no Anuário Brasileiro de Segurança
Pública de 2014, sobre a visão dos brasileiros acerca da lei e das
instituições judiciais. A pesquisa ouviu mais de 7 mil pessoas em oito
Estados e as respostas indicaram que 81% delas concordam ser fácil
desobedecer à lei, preferindo-se o jeitinho em vez da obediência ao
Direito, mesmo porque há poucas razões para o respeitar.
Prevalece
o senso comum de ficarem as leis apenas no papel, em vias do que se
reconhece como generalizada a percepção de ser fácil driblá-las,
tendo-se por consequência o sentimento de que o engano à lei não é moral
nem socialmente reprovável.
Outro
dado relevante consiste na posição de nossas elites, pois quanto maior a
renda e o nível cultural, maior a convicção da vantagem de ignorar a
ordem legal, a ser facilmente burlada; 85% das pessoas com renda acima
de oito salários mínimos concordam ser fácil burlar a lei, posição
compartilhada por apenas 71% dos assalariados com renda não superior a
um salário mínimo. As elites dão o mau exemplo. O dono de grande rede
comercial de objetos para casa assegura ser melhor vender para pobre do
que para rico, este sendo muitas vezes despreocupadamente inadimplente. A
classe secularmente explorada rege-se mais pela correção.
Instaura-se,
portanto, na sociedade, a ideia de ser desimportante o respeito à lei,
sendo, assim, logicamente não reprovável o seu desrespeito. Ao
desonesto, quando muito, a indiferença. Muitos candidatos sabidamente
corruptos, mas ainda ficha-limpa por estarem os processos em curso,
mereceram o voto popular.
Instala-se
a cultura da esperteza como um valor positivo, parecendo que no fundo
das consciências há grande e silenciosa conspiração em favor da
conhecida frase de Stanislaw Ponte Preta: “Ou restaure-se a moralidade,
ou nos locupletemos todos”.
Como
a grande maioria entende ser normal locupletar-se, não vendo vantagem
em ser honesto, pois não rende respeito, nem há, de outro lado, punição
por ser desonesto, vale a pena, então, apostar na impunidade e tirar
proveito. Assim, parte-se do princípio de que, se muita gente tem lá
culpa no cartório, uma mão lavará a outra, sendo mais cômodo deixar a
restauração da moralidade para a outra encarnação.
A
imposição de uma pena ao crime não deixa de ter um papel pedagógico, à
espera de que venha a reforçar na consciência da comunidade a
positividade do valor afrontado com o delito. No caso da corrupção ou da
fraude à licitação, os valores da probidade administrativa e do zelo
com o dinheiro público deveriam ser reafirmados com a instauração de
processos e mais ainda com condenações. Esse efeito colateral do
processo criminal e da imposição de sanções, todavia, não tem tido,
isoladamente, no Brasil a consequência de gerar comportamentos corretos e
leais na administração pública, havendo “mensalinhos” espalhados em
prefeituras deste nosso país. Descoberto o mensalão, partiu-se para o
petrolão.
Vive-se
a contradição da aprovação de Dilma num cenário absolutamente adverso,
com a responsabilização pelos “malfeitos” batendo à porta do Planalto.
Mas será que agora, com o seguimento das investigações, pelos volumes
desviados e com a indicação do nome dos políticos envolvidos surgindo em
fevereiro, haverá mudança na mentalidade do brasileiro no tocante à
importância de respeitar a lei? Ou será que continuará em 2015 a vicejar
a expectativa de poder se locupletar antes que se instaure amoralidade?
O
Brasil virá às ruas em favor da honestidade para demonstrar que a
malandragem esperta merece, além de sanções penais, a reprovação da
sociedade?
Muitos
caminhos deverão ser percorridos para se disseminar a cultura do
respeito à lei, em lenta evolução moral. Em todo caso, feliz 2015.
Advogado, Professor Titular Aposentado da Faculdade de Direito da USP, Membro da Academia Paulista de Letras, foi Ministro da Justiça
Miguel Reale Júnior
08 de janeiro de 2015
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