Publicado em janeiro 8, 2015 por Redação
Foto: Mídia Independente
[EcoDebate] Nesse final de ano a população paulistana sofre os graves efeitos de um verdadeiro paradoxo hídrico, uma crise de fornecimento de água tratada por decorrência do esgotamento de seus sistemas de captação e o retorno do flagelo das enchentes urbanas por decorrência do fracasso dos programas que vêm sendo adotados para seu combate.
Quanto à crise de fornecimento, a atual escassez sazonal de chuvas trouxe à tona a insuficiência e a vulnerabilidade de todo um modelo de gestão de recursos hídricos destinado ao abastecimento da Região Metropolitana de São Paulo, desde a boa quantificação e operação dos sistemas de captação, passando por um eficiente sistema de redução de perdas em adução e distribuição, a coibição da poluição de recursos hídricos, até à assimilação cultural da necessidade dos cuidados na parcimônia do uso e na prática do reuso.
Mostrou-se nesse episódio assustadoramente preocupante a incapacidade das principais entidades responsáveis, SABESP e DAEE, em trabalhar coerentemente em programas de longo, médio e curto prazos. Decisões que já deveriam ser tratadas desde há muito como definitivas e em implementação, aparecem em uma crise dessas ainda como pontos de discordância ou mera especulação, a ponto de sugerir como mais aconselhável conduta de governo a total falta de transparência, e portanto de respeito, com a população.
Pelo contrário, entidades e instâncias que foram filosoficamente criadas para possibilitar o constante debate e a participação opinativa da sociedade sofreram, ao longo dos anos, ações orientadas de desarticulação e desmerecimento.
Que ao menos se extraia a melhor lição para esse caso: o macro planejamento do uso de nossos recursos hídricos não pode ficar sob a responsabilidade das diretorias de empresas e instituições que atuam no setor, mas sim ser objeto de Conselho Gestor especificamente constituído para esse fim, em cuja composição estejam os melhores e mais reconhecidos técnicos que o Estado conte nesse campo disciplinar.
No caso das enchentes, é imperativo que o governo estadual corajosamente reconheça o flagrante fracasso técnico dos programas de combate às enchentes que vêm sendo insistentemente adotados. As enchentes estão se mostrando a cada dia mais frequentes, mais abrangentes e mais trágicas.
É preciso deslocar seu combate para o real enfrentamento de sua principal causa, qual seja a incapacidade da cidade reter uma considerável parte de suas águas de chuva, ao invés de lança-las a cada vez em maiores volumes e em tempos sucessivamente menores sobre um sistema de drenagem (córregos, rios, bueiros, galerias, canais…) progressivamente incapaz de lhe dar a devida vazão.
Drenagens agravantemente submetidas a um intenso assoreamento por sedimentos, lixo e entulhos de construção civil. As medidas que têm a propriedade de atacar diretamente essas causas vêm sendo seguidamente relegadas em benefício de ações exclusivas na ampliação das calhas de nossos grandes rios e na instalação dos odiosos e deletérios piscinões.
Enfim, a expressão dramática desse temerário paradoxo, crise hídrica e enchentes, está mais do que nunca a exigir de nosso governador atos de coragem, que signifiquem sua radical decisão de atender a sociedade e romper com práticas provadamente perdedoras.
Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br)
Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia
Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão”, “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”, Manual Básico para Elaboração e Uso da Carta Geotécnica”, Colaborador e Articulista do Portal EcoDebate
Publicado no Portal EcoDebate, 08/01/2015
Para citar este artigo: "Cantareira e Enchentes: Nosso Paradoxo Hídrico, artigo de Álvaro Rodrigues dos Santos," in Portal EcoDebate, 8/01/2015,
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