Eliane Cantanhêde - O Estado de São Paulo
Cada vez mais desenvolto nas críticas, Lula reclama que Dilma está "destruindo" seu legado na política externa, área da qual tem especial orgulho. Ele julga que nos seus dois mandatos o Brasil virou uma estrela disputada e agora vem perdendo precioso espaço no cenário internacional e nos foros de grandes decisões setoriais ou multilaterais.
Lula se queixa do fato de Brasil ter perdido espaço no cenário internacional após redução de prestígio do Itamaraty com Dilma
Além de criticar duramente o desempenho da economia e a condução da
política, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem focado sua
irritação contra a sucessora e pupila Dilma Rousseff na política
externa.
Cada vez mais desenvolto nas críticas, Lula reclama que Dilma está "destruindo" seu legado na política externa, área da qual tem especial orgulho. Ele julga que nos seus dois mandatos o Brasil virou uma estrela disputada e agora vem perdendo precioso espaço no cenário internacional e nos foros de grandes decisões setoriais ou multilaterais.
Na avaliação que Lula faz e os lulistas disseminam, essa perda de
importância ocorre principalmente pelos resultados da economia no
primeiro mandato de Dilma e porque a presidente descuidou da
interlocução com os países ricos, não deu continuidade à aproximação com
os emergentes, não tem paciência para reuniões multilaterais e desdenha
da política de "soft power" iniciada na gestão do chanceler Celso
Amorim na era Lula.
Lula se queixa particularmente do descaso de Dilma com uma das
prioridades de sua política externa: a África. Em seu governo, ele
promoveu a aproximação econômica, política e humanitária com o
continente africano, levando grandes empresas nacionais a operarem em
especial nos países de língua portuguesa e também por meio de programas
de cooperação em saúde, educação, agricultura, combate à pobreza e
desenvolvimento sustentável.
"Agora, quando chego num país africano e pergunto como vai o programa
esse ou aquele, a resposta é sempre assim: ou acabou, ou o dinheiro não
chegou", reclamou Lula a interlocutores, lembrando que, mesmo após
deixar o Planalto, continua viajando com certa frequência à África e
apadrinha obras e investimentos brasileiros no continente,
principalmente na área de construção pesada e equipamentos.
'Dilminha'. Perplexo
diante da perda de prestígio e de influência do Itamaraty - que está no
terceiro chanceler desde 2011 -, Lula convidou para uma conversa o
então ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, e
assessores petistas em São Paulo.
"O que está acontecendo? Por que o Brasil saiu do radar?", perguntou
Lula ao ministro, sem meias-palavras. Com uma cautela que lhe é
característica e que foi lapidada pela carreira diplomática, Figueiredo
ainda tentou tergiversar. Lula insistia, Figueiredo desconversava. Até
que o ex-presidente foi ao ponto: "É a Dilma, não é?".
O chanceler concordou, mas medindo cada palavra: "A presidenta não dá
muita prioridade à política externa, à diplomacia..." Lula tentou
ensinar, então, que, "com a Dilminha é assim: você fala a primeira vez,
fala a segunda vez, fala a terceira vez, até ela te ouvir e decidir
fazer".
Figueiredo não teve tempo para testar a fórmula Lula de tratar com a
sucessora e ex-chefe da Casa Civil. Pego de surpresa, o chanceler foi
demitido por Dilma menos de 30 horas antes da posse do segundo mandato,
quando tinha tudo pronto para recepcionar autoridades estrangeiras,
incluindo o vice-presidente norte-americano, Joe Biden, e para tirar a
foto com o novo ministério.
Calote. Com
uma intensa pauta internacional, inclusive a urgente recomposição das
relações com os Estados Unidos, o novo chanceler, Mauro Vieira, está
sendo obrigado a consumir um tempo precioso para resolver um grave
problema numa seara bem menos nobre: a falta de dinheiro nas
representações brasileiras mundo afora.
Até jovens diplomatas consideram que esse é mais um resultado direto do
descaso de Dilma com o Itamaraty, que se reflete em questões comezinhas
como o pagamento das contas de embaixadas e consulados. Funcionários vêm
sendo compelidos a tirar dinheiro do próprio bolso para pagar despesas
como telefone, luz e água.
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