Dia 20 de julho estreou na TV Cultura a
série Mar Sem Fim – Revisitando a Costa Brasileira, em que proponho um
olhar mais profundo sobre as Unidades de Conservação (UCs) marinhas.
Nosso país tem 312 UCs federais geridas pelo ICMBio. Desse total, 62
cobrem apenas 1,5% do mar e zona costeira. São elas o foco dos
documentários.
O descaso com o bioma marinho já seria motivo para investigação. Mas há outros.
O Brasil é signatário das Metas de
Aichi, decisão adotada pela 10.ª Conferências das Partes em Nagoya, no
Japão, em 2012. O encontro propôs medidas mitigatórias à preocupante
perda da biodiversidade mundial. Pela primeira vez os oceanos receberam
atenção. Sua precária situação tira o sono da comunidade científica.
Três quartos da biomassa pesqueira
mundial está sobre-explotada, restam 25% desses recursos. Novas
descobertas, entretanto, são piores. Um relatório da National Science
Foundation (NSF, na sigla em inglês), em conjunto com a National Oceanic
and Atmosphere Administration (Noaa), Impacts of Ocean Acidification on
Coral Reefs and other Marine Calcifiers, traz notícias alarmantes.
Entre os serviços que os oceanos prestam
está a geração de combustível primário da humanidade: oxigênio,
resultado da fotossíntese sofrida pelas algas do fitoplâncton. Enquanto
produzem oxigênio, as algas sequestram dióxido de carbono da atmosfera e
o depositam no fundo do mar. O estudo calcula que desde a revolução
industrial até hoje, passados 250 anos, os mares absorveram 118 bilhões
de toneladas de CO2, metade do que foi produzido no período.
Como consequência, suas águas se tornaram mais ácidas, ameaçando os
corais, o mais importante ecossistema marinho.
A essa novidade se soma outra. A revista Nature publicou os resultados de uma pesquisa (http://www.nature.com/nclimate/index.html)
apontando evidências de que o aquecimento global ataca a base da cadeia
alimentar marinha, diminuindo a quantidade de algas. Nos últimos 60
anos houve queda de 40%. O autor, Daniel Boyce, da Universidade
Dalhousie, no Canadá, aponta o motivo: o aumento da temperatura dos
oceanos.
As Metas de Aichi responderam às ameaças
propondo que, “até 2020, 10% das áreas marinhas e costeiras dos países
signatários, especialmente as de especial importância para a
biodiversidade, terão sido conservadas por meio de sistemas protegidos,
geridos de maneira efetiva…”. Estamos na contramão. Enquanto nos EUA
1.600 áreas protegem 41% de seu espaço marítimo, na Austrália 35% da
Zona Exclusiva Econômica recebe o mesmo tratamento. A França não fica
atrás: criou uma área de conservação, na Nova Caledônia, com duas vezes e
meia o território do país.
Dilma Rousseff não tomou conhecimento
das metas. Seu governo não criou sequer uma área de proteção,
conseguindo uma unanimidade: em tempos recentes, é considerado o pior em
termos ambientais.
Foi o que me fez sair a campo. Até o
momento visitei as 12 UCs federais da Região Sul. O Parque Nacional do
Superagüi (PR), por exemplo, apesar de ter 25 anos, não encontrou tempo
para fazer seu plano de manejo, ferramenta que o ICMBio considera
“fundamental para a gestão”. Já o Parque da Lagoa do Peixe (RS) demorou
18 anos para ter o seu. Como resultado, são desconhecidos e pouco
visitados.
Ao criar mais esse parque, o governo
federal não indenizou os donos das terras desapropriadas. Em
contrapartida, eles mantêm antigas práticas, como a pesca, pastoreio de
gado e cultura do Pinus elliotti, detonando a área que deveria ser
preservada
É preciso repensar o modelo. Só em
indenização aos proprietários de áreas transformadas em reservas
públicas a estimativa atinge R$ 21 bilhões (http://pib.socioambiental.org/en/noticias?id=117978)!
A APA da Baleia Franca (SC), criada há
14 anos, também não tem plano de manejo. Único local do Sul onde era
possível o turismo de avistamento de baleias, ele está temporariamente
interditado. Sem plano de manejo, a UC não teve instrumentos para
fiscalizar e fazer os estudos de impacto ambiental da atividade. Em 2013
a ONG Sea Shepherd Brasil apresentou denúncia acolhida pelo Ministério
Público Federal. Desde então a visitação foi suspensa.
Um estudo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (http://www.pnuma.org.br/admin/publicacoes/texto/UCsBrasil_MMA_WCMC.pdf)
mostra que os parques brasileiros têm potencial para gerar entre R$ 1,6
bilhão e R$ 1,8 bilhão em turismo para as regiões onde estão inseridos.
Para alcançar o objetivo é preciso trabalho, investimento e políticas
públicas eficientes, que o ICMBio parece incapaz de implementar.
Atualmente, apenas 18 dos 69 parques nacionais controlam a entrada de
turistas.
A maioria das UCs do Sul não tem
estrutura adequada, faltam investimentos, conhecimento de sua existência
e função pela população. Uma delas, a Rebio do Arvoredo (SC), foi
categorizada de forma equivocada: reservas biológicas são fechadas ao
público. O arquipélago, melhor ponto de mergulho de observação do sul do
País, era frequentado por mergulhadores e pescadores esportivos. Há
anos ambientalistas lutam para que se transforme em parque, permitindo a
visitação e consequente geração de renda. Mas o ICMBio faz ouvidos
moucos.
Naquelas onde a visitação é proibida com
a desculpa de que deveriam dedicar-se às pesquisas científicas, como a
Estação Ecológica do Taim (RS), pouco se sabe a seu respeito. Não há
divulgação. Salva-se, no Sul do Brasil, a Reserva Particular do
Patrimônio Natural Salto Morato, um primor. Não por acaso. Ela foi
implantada e é gerida pela iniciativa privada, a Fundação Grupo O Boticário.
Não, o futebol não é nossa única virtude
vilipendiada pela improvisação. Convido o leitor a conhecer mais esta,
aos domingos, a partir de 20/7, às 19 horas.
JOÃO LARA MESQUITA É JORNALISTA, MANTÉM O SITE WWW.MARSEMFIM.COM.BR
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