As sandálias da falsa humildade. |
Pressionada pela voz das ruas, a presidente Dilma Rousseff ensaia uma
mudança de comportamento em relação às críticas a seu governo calcada
em três pontos: ênfase no reconhecimento do óbvio direito democrático da
expressão das divergências; defesa vigorosa das medidas de ajuste
fiscal destinadas a botar ordem nas contas públicas como pré-requisito
para a retomada do crescimento econômico; e, finalmente, "disposição
para abrir diálogo" com todos. De novo, nisso tudo só uma tímida e
incompleta tentativa de autocrítica: "Podem ter sido cometidos erros" na
economia, disse ela. No geral, ficou evidente que a tática do governo
para a "batalha da comunicação" é calçar as sandálias da humildade, essa
atitude que desde logo esbarra na natureza e na psicologia de Dilma e
do PT, que nada têm a ver com a modéstia e a conciliação.
O maior problema de Dilma Rousseff não são seus erros na economia, a
corrupção endêmica nas administrações petistas ou sua incapacidade de
administrar a coalizão partidária que deveria dar apoio ao governo. O
maior problema da presidente da República, depois do desastrado primeiro
mandato e de uma campanha eleitoral que se revelou mentirosa, é que a
maior parte dos brasileiros - as ruas e as pesquisas de opinião o
confirmam - nela não confia. A população não acredita que ela tenha
competência para enfrentar os problemas do País. Dilma perdeu a
credibilidade. E a desconfiança não se reverte com discursos e
promessas. Isso exige provas concretas, realizações palpáveis,
resultados positivos.
Agrava esse cenário nada animador a evidência de que, do ponto de
vista político, além da rebeldia do PMDB, Dilma Rousseff tropeça nas
contradições de seu próprio partido, o PT.
Como podem os brasileiros acreditar que Dilma é contra a corrupção e a
favor da punição dos corruptos quando o seu partido transformou em
heróis e promoveu a "guerreiros do povo brasileiro" os dirigentes
condenados no escândalo do mensalão? Como podem os brasileiros acreditar
que Dilma está verdadeiramente disposta a impor medidas corretivas
rigorosas para promover o reajuste fiscal se o seu partido é o primeiro a
fazer campanha contra essas medidas?
O PT, na verdade, está menos preocupado com os problemas reais que
Dilma enfrenta do que em encontrar para si a porta de saída de uma crise
que pode levá-lo a se confrontar com a temida e indesejável alternância
no poder. Prestar atenção ao que Lula tem dito e feito ajuda a ilustrar
esse cenário.
De qualquer modo, a questão essencial que se coloca para quem está
genuinamente preocupado com os destinos do País é saber até que ponto,
diante do impasse político que imobiliza o governo, Dilma Rousseff está
verdadeiramente disposta a mudar para, com atos concretos, recuperar a
credibilidade sem a qual não poderá governar de fato. Seus
pronunciamentos recentes, com todas as hesitações e reticências, revelam
muito pouca disposição diante do que exige o clamor das ruas.
Depois de conversas, principalmente com Lula - que segundo fontes
palacianas trocou com Dilma palavras ásperas na segunda-feira à noite -,
a presidente parece disposta a promover uma reforma pontual em sua
equipe de governo, afastando uns poucos ministros que não precisaram de
três meses para demonstrar que foram uma péssima escolha. Não a preocupa
a mediocridade gritante do restante da equipe, porque a ideia é abrir
espaço para o buliçoso PMDB.
Também precisa ser para valer a intenção ruidosamente proclamada por
Dilma de "abrir diálogo" com quem quer que esteja disposto a conversar.
Não faz bem o gênero da presidente essa disposição para ouvir. Mas é o
caso de torcer para que a promessa presidencial de mudança não seja
destinada exclusivamente a atender à recomendação marqueteira de sua
assessoria baseada em pesquisas de opinião encomendadas para lastrear o
novo desenho da "batalha da comunicação". Foram tão reticentes e cheias
de condições as suas afirmações em favor do diálogo que ficou a
inevitável impressão de que ela está, sim, disposta a conversar - mas
com quem concorde com ela.
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