A implacável lógica da mentira
Maioria dos que contestam o PT não é ‘direitista’. São brasileiros que querem que instituições funcionem, em particular a Justiça
A mentira tem uma lógica
implacável. Só é possível mantê-la graças a mais mentiras. Essas
mentiras a mais vão exigir, para que não sejam descobertas, uma cadeia
de novas mentiras. A mentira é um poço sem fundo. Com o tempo, ela
invade tudo e passa a alimentar-se a si mesma. Para o mentiroso, o
hábito da mentira acaba por transformá-la na sua verdade. Ele se sente
injustiçado quando o acusam de mentir. O impostor que se apresenta como
herói sofre quando lhe dizem que ele não é senão um impostor.
Foi essa lógica diabólica que enredou o Partido dos Trabalhadores desde que suas lideranças começaram a mentir. Seus
militantes negam as acusações de corrupção sabendo que elas são
verdadeiras. Confrontados a provas irrefutáveis, alegam estar a serviço
de uma causa nobre — são os únicos que estão verdadeiramente do lado dos
pobres — o que, na linha dos fins que justificam os meios, os
absolveria. Argumento tragicômico. A causa dos pobres é a primeira
vítima dos desvios de dinheiro público.
Protegem-se das críticas
repetindo a arenga da “esquerda” contra a “direita”. E a “direita”
amalgamaria todos que não compram a versão dos heróis ofendidos. Que
esquerda é essa que o PT estaria encarnando? O que o partido fundado
por grandes brasileiros, como Mario Pedrosa e Paulo Freire, fez de si
mesmo, seu colapso ético que desrespeitou um passado honroso e o
comprometeu com uma corrupção sistêmica, não lhe autoriza a invocar o
monopólio da preocupação com os mais pobres e do projeto de assegurar a
todos os meios de sua dignidade.
Somos muitos no Brasil os
herdeiros de um princípio de solidariedade e de igualdade, que um dia
definiu a esquerda. Somos muitos, ancorados em uma consciência
democrática, a honrar essa herança sem renunciar à inegociável
liberdade. À esquerda de quem estão os tesoureiros presidiários? O
dossiê judiciário que se acumula contra seus dirigentes coloca o
partido não à esquerda, porem à margem. Na marginalidade.
Que
direita é essa com que nos assombram? A estratégia petista para manter
seu poder tem sido promover a radicalização ideológica. Ameaçando as
ruas com supostos exércitos do MST, pela provocação acordam fantasmas
adormecidos, dando-lhes um protagonismo que já não têm. Esses fantasmas
de uma volta ao passado servem então de espantalho e fica mais fácil
dizer “quem não está conosco está com eles”. O amálgama desqualifica,
por contágio, todos que se opõem aos seus desígnios.
A esmagadora maioria dos que hoje contestam o PT não é “direitista”. São brasileiros que querem que as instituições funcionem bem, em particular a Justiça. São pessoas que ganham a vida com o seu trabalho e a quem, por isso mesmo, a corrupção repugna. Que se preocupam, sim, com políticas que combatem a pobreza e pedem serviços públicos decentes que seus impostos pagam, bem sabendo que a corrupção é o buraco negro que suga os recursos do país. Não se referem a doutrinas, nem à esquerda nem à direita, referem-se à vida real, querem um governo competente, querem liberdade de expressão para formar livremente sua opinião, querem respeito.
A esmagadora maioria dos que hoje contestam o PT não é “direitista”. São brasileiros que querem que as instituições funcionem bem, em particular a Justiça. São pessoas que ganham a vida com o seu trabalho e a quem, por isso mesmo, a corrupção repugna. Que se preocupam, sim, com políticas que combatem a pobreza e pedem serviços públicos decentes que seus impostos pagam, bem sabendo que a corrupção é o buraco negro que suga os recursos do país. Não se referem a doutrinas, nem à esquerda nem à direita, referem-se à vida real, querem um governo competente, querem liberdade de expressão para formar livremente sua opinião, querem respeito.
Cansaram da coleção de bonés contraditórios do
ex-presidente Lula, da metamorfose ambulante, da farsa dos punhos
fechados desses “prisioneiros políticos” de si mesmos, de seu próprio
governo. Cansaram das promessas de campanha viradas pelo avesso, dos
atos esquizofrênicos em defesa da Petrobras convocados pelos que quase a
destruíram. Cansaram da mentira. Os que se comportaram como donos
do Estado quiseram também arvorar-se em donos da sociedade, tentando
encapsulá-la nas fronteiras estreitas de movimentos sociais e
organizações populares hoje a seu serviço mais do que da expressão
autônoma de direitos e identidades. Inútil; a sociedade em sua
diversidade é muito mais complexa e insubmissa do que organizações que
se tornaram para governamentais.
A população brasileira não está
dividida pela oposição esquerda e direita. Na nossa democracia cabem
todos os atores políticos que se exprimam no marco da legalidade
constitucional. O que não cabe mais é a corrupção se intitulando
política. E, pior, mais cinicamente, revolucionária. O que não cabe mais
é a impostura. O dicionário “Aurélio” oferece várias definições
da impostura, todas em torno da mentira, do embuste, da falsa
superioridade. A última a define como o “farrapo que se prende ao anzol
para engodar os peixes”. Engodar é seduzir com falsas promessas. O
ex-presidente Lula está programando uma viagem pelo Brasil para falar às
“bases”. E se os peixes não vierem?
Por: Rosiska Darcy de Oliveira é escritora - rosiska.darcy@uol.com.br - O Globo
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