Afirmativas da Solidariedade Compulsória
(Artigo escrito por Fernando Mallmann).
Talvez as
ponderações sobre as “ações afirmativas”, ou cotas raciais, não atinjam a
categoria de hard case em um
entendimento comum, que seria um tema digno de debates. De fato, o discurso
politicamente correto, não raras vezes, dispensa uma fundamentação coerente e
adequada para se fazer obrigatório, sem que se levantem ou se façam ouvidas
quaisquer indagações. O problema é que seus efeitos repercutirão de maneira
diversa da desejada, contribuindo para um não tão nobre resultado. A emergente,
e cada vez mais categórica política de cotas raciais,
tem a ineficiência comprovada de seus objetivos e se configura pelo paradoxo de
solidariedade obrigatória, típico das políticas benevolentes e obrigatórias da
esquerda.
Sob o pretexto da reparação de suposta dívida histórica, as
ações afirmativas rasgam a validade do texto
constitucional. Justificadas por uma suposição infundada, visto que tal
“dívida” não pode ser considerada, nem sequer adimplida, pois seus titulares já
padeceram ao tempo e noutro contexto. Pela lei pátria não se pode responsabilizar
pessoas estranhas à obrigação, salvo no que se referente ao sustento da
política de cotas raciais e demais medidas eleitoreiras, que impõem custos
enormes para toda sociedade. Reservar, por decisão legal, um determinado número
de vagas e privilégios às pessoas, à luz de um critério racista, não pode
promover a tão desejada igualdade material.
As ações afirmativas, medida erga omnes, adotada verticalmente pelo governo brasileiro, lançam o estigma da presunção de capacidade inferior de uma “raça”, que destituí de mérito todas as conquistas alcançadas pelo cidadão negro (SOWELL, 2005). A segregação e consequente antagonismo entre grupos étnicos são prejudiciais à sociedade e aos próprios beneficiados, pois ressuscita a diferenciação racial e sequer garante o sucesso econômico. Ademais a seletividade do mercado, tanto para a contratação de trabalhadores quanto para o consumo de serviços, passará a questionar a aptidão profissional do negro, pois partirá da noção de que ele só obteve êxito em sua formação pela imposição da ação afirmativa e não por mérito pessoal, fator considerado legitimador do sucesso.
No Brasil, as cotas se fundamentam também pela
inépcia do ensino público, sendo um remendo, que ratifica a ineficiência do
serviço estatal. Tal mazela é prática conhecida do governo brasileiro, podendo
ser justificativa para cotas sociais, mas não raciais. Apesar da igualdade ser
amplamente defendida como um hino da demagogia politicamente correta, jamais
houve fator que garantisse o mesmo desempenho por parte de diferentes pessoas,
justamente pelo fato de que a individualidade é uma característica humana, não
de negros, não de brancos, mas de humanos.
A medida em questão visa resolver
rapidamente uma deficiência de ensino que supostamente acompanhou o aluno negro
durante toda sua vida, através da garantia de seu ingresso em cursos superiores
e até mesmo em cargos públicos. Neste último caso, a Constituição adota o
concurso público como forma de seleção de servidores públicos, pois garante que
o candidato com maior desempenho seja o responsável pelo serviço, em favor do
interesse coletivo.
Outro ponto é
a impossibilidade da efemeridade nas políticas de cotas, uma vez estabelecida
uma garantia, sua suspensão gerará revolta política mesmo para aqueles que não
tinham a pretensão de se beneficiarem com ela, de maneira que as cotas não
apenas permanecerão, mas se expandirão. Não resta sequer uma justificativa plausível
para as cotas raciais, visto que trazem uma extrapolação de problemas sociais,
remediando feridas profundas da ineficácia estatal com diferenciação racial e
um garantismo estéril.
A discussão
sobre a finalidade e necessidade das cotas foi silenciada pela moral punitiva
implantada na sociedade, de maneira lenta e gradual, por discursos de esquerda.
O verdadeiro debate sobre o tema quase não é abordado e aqueles contrários às
ações afirmativas são rapidamente repreendidos e taxados como racistas. Assim
se configura a ditadura coletiva, que paradoxalmente silencia direitos
individuais, garantidos pela lei suprema da nação, em prol daqueles que, no
momento, fazem-se úteis.
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