Publicado em junho 19, 2015 por Redação
[EcoDebate] No século XIX, o imperador Don Pedro II recorreu à Inglaterra – potência econômica da época – pedindo ajuda financeira e ajuda técnica para construir ferrovias no Brasil para escoar a produção de bens primários (minérios, açúcar, café, etc.) voltados à exportação. Naquela época o Brasil estava trocando a dependência ao fraco Portugal pela dependência à forte Inglaterra.
Agora, em pleno século XXI, o Brasil (que já foi considerado quintal dos Estados Unidos) está embarcando em uma nova dependência. Durante as negociações para aprovar o ajuste fiscal no Congresso Nacional, a presidenta Dilma Rousseff e o primeiro-ministro chinês, Li Keqiang assinaram, no dia 19 de maio de 2015, no Palácio do Planalto, 35 acordos abrangendo oito áreas e um valor total de US$ 53 bilhões.
Talvez estes investimentos prometidos sejam mais uma etapa da sociedade do espetáculo e não tenha efeitos práticos. Em 2010, a Wuhan Iron and Steel (Wisco) anunciou que investiria US$ 3,5 bilhões em uma siderurgia no estado do Rio em parceria com Eike Batista. Mas o projeto foi cancelado. Durante visita da presidenta Dilma, em 2011, à fábrica ZTE, foi anunciado um investimento de US$ 200 milhões em Hortolândia. Mas não saiu do papel. Assim foram várias outras promessas.
Nesta nova versão de cooperação, a maioria dos acordos visam a exportação de bens primários tupiniquins para a China ou a atração de empresas multinacionais chinesas para produzir bens industrializados no Brasil.
De início, foi assinado um protocolo de saúde e quarentena animal. De acordo com o Ministério da Agricultura, esse acordo permite a oito frigoríficos brasileiros exportar carne bovina para o gigante asiático. A escravidão animal no Brasil (e o desmatamento que geralmente a acompanha) vai servir para elevar a base proteica da alimentação de 1,4 bilhão de chineses.
Foi feito acordo de cooperação trilateral entre o governo do estado do Mato Grosso do Sul, o Banco de Desenvolvimento da China e o grupo China BBCA sobre o processamento de milho e soja, visando garantir as exportações brasileiras e o suprimento da crescente demanda chinesa por estes produtos.
Foram feitos dois acordos de cooperação para financiamento de projetos da Petrobras, no valor de US$ 7 bilhões, visando garantir que a produção de petróleo do pré-sal seja direcionada para a China e sua crescente demanda por combustíveis fósseis e energia.
Foram assinados contratos de afretamento entre a Vale e a China Ocean Shipping Company (Cosco), uma empresa chinesa de transporte e logística e acordo envolvendo a Vale é sobre o transporte marítimo de minério de ferro, com a empresa China Merchants Shipping. Isto permitirá que o Brasil continue exportando produtos minerais e comprando produtos industrializados da China.
O Brasil assinou também memorandos de entendimento sobre projeto de compra de 14 navios de minério de ferro de tonelagem de 400 mil toneladas e de financiamento sobre projeto de compra de 10 navios de minério de ferro de tonelagem de 400 mil toneladas. Assim, as riquezas minerais brasileiras vão ser exportadas em modernos navios chineses, que serão financiados pelos bancos chineses.
Foi feito também um acordo de financiamento sobre a compra de 40 aeronaves da Embraer, além de um contrato de financiamento leasing operacional para a Azul Linhas Aéreas. A Azul Linhas Aéreas Brasileiras informou que o acordo de leasing tem o valor de US$ 200 milhões, e foi fechado com o Industrial and Commercial bank of China (ICBC). Os chineses vão “voar” no mercado aéreo brasileiro.
Como não poderia deixar de acontecer, os chineses que estão na vanguarda mundial da produção de energia nuclear, eólica e solar vão investir no Brasil buscando garantir presença no mercado interno.
Por fim e não menos importante, China e Brasil assinaram um memorando de entendimento sobre estudos de viabilidade do Projeto Ferroviário Transcontinental, que prevê uma ferrovia ligando o litoral do Brasil ao Peru. Isto reduziria a dependência chinesa do canal do Panamá.
Algumas pessoas acham que as novas relações China-Brasil são parte do projeto de consolidação dos BRICS e de solidariedade Sul-Sul. Mas a realidade mostra que Pequim deseja projetar sua influência para todos os cantos do mundo e a América Latina – com suas riquezas naturais e ambientais – é um alvo prioritário.
Alguns entusiastas acreditam que o dinheiro e a capacidade chinesa de realizar megaprojetos em prazo recorde poderá viabilizar o Projeto Ferroviário Transcontinental. Há quem sonhe com os trens de alta velocidade, como os que interligam Pequim e Xangai, em composição de alto luxo e alta velocidade. Tudo feito em 40 meses. Mas se a China é conhecida por sua celeridade e eficiência, o Brasil é conhecido pela burocracia, pelos projetos que se arrastam indefinidamente e pelas obras inconclusas.
Neste caso não será diferente. O governo brasileiro queria ligar o Porto do Açu, no Rio, passando por parte pouco explorada do quadrilátero ferrífero da Região Sudeste, até o Peru. Mas os chineses assinaram o acordo visando ligar o litoral peruano a Campinorte (GO). De qualquer forma, a Ferrovia Transoceânica promete diminuir os custos logísticos para a exportação de commodities agrícolas e minerais. A economia poderia chegar a 40%, estimulando as mineradoras e o agronegócio.
Porém, os impactos ambientais da ferrovia serão enormes. Como mostrou Beatriz Carvalho Diniz, em artigo publicado no EcoDebate: “A ferrovia cortaria florestas de maior biodiversidade no mundo, ligando a costa atlântica brasileira com a costa peruana do Pacífico, para reduzir custos de transporte de petróleo, minério de ferro, soja e outras commodities que a China importa. É de chorar de joelhos só de pensar no insustentável modo chinês de obrar seus megaempreendimentos para viabilizar o estúpido crescimento econômico custe o que custar. Os prováveis impactos sobre o meio ambiente, populações tradicionais e indígenas são fortemente preocupantes. Não podemos ser pegos de surpresa já com a decisão tomada pelas ôtoridades, em nome de todos os brasileiros, de fechar esse negócio da China. A natureza não tem fronteiras, um grande estrago feito aqui tem consequências mundo afora, e estamos no momento mais grave que a humanidade já enfrentou exatamente porque extrapolamos limites. Todos precisamos de florestas em pé, para captura de carbono, para manter fontes de água doce, para regular o clima globalmente”.
O Projeto Ferroviário Transcontinental (ou Ferrovia Bioceânica), se sair do papel deve representar um grande desastre ambiental. Mas provavelmente esta obra megalômana – que foi confirmada no programa de concessões em infraestrutura do governo Dilma Rousseff – está destinada a descarrilhar, como o Trem de Alta Velocidade que ligaria o Rio a Campinas e São Paulo, o que se revelou totalmente irreal.
Os chineses são campeões mundiais de poluição e o Brasil não pode mimetizar o caminho que leva à destruição da biocapacidade. O que o acordo Brasil-China não fez foi repensar este modelo neodesenvolvimentista que só se sustenta com base na degradação da natureza e na destruição dos ecossistemas, para usufruto dos humanos que, com elevado grau de destruição, são poucos na rica biodiversidade das espécies da Terra.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
Publicado no Portal EcoDebate, 19/06/2015
"Negócio da China: Brasil embarca em uma nova
dependência com sérios danos ambientais, artigo de José Eustáquio Diniz
Alves," in Portal EcoDebate, 19/06/2015, http://www.ecodebate.com.br/2015/06/19/negocio-da-china-brasil-embarca-em-uma-nova-dependencia-com-serios-danos-ambientais-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/.
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