Entrevista com Jaeder Lopes Vieira
Publicado em julho 28, 2015 por Redação
“Existem vários fragmentos da Mata Atlântica isolados uns dos outros e esse isolamento pode levar a floresta à extinção”, adverte o engenheiro agrônomo.
Foto: brasilescola.com.br |
Mesmo se tivéssemos dinheiro, há um limite em relação à quantidade de viveiros suficientes para a empreitada que temos pela frente”, informa Jaeder Lopes Vieira, na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por telefone.
Vieira explica que a regeneração da Mata Atlântica não depende somente do plantio de novas mudas de árvores, mas é necessário recuperar a biodiversidade de modo geral. “A floresta não é só árvore; a floresta que só tem árvore não é floresta. Floresta tem toda uma biodiversidade de animais e de plantas interagindo com o ambiente, ou seja, em intensa interação com o solo e com a atmosfera, reciclando nutrientes e fazendo com que esses nutrientes se convertam ora em matéria orgânica, ora em matéria inorgânica. Então, a floresta é muito mais do que a vegetação em si e que as árvores propriamente ditas; existem outros elementos não arbustivos que fazem parte da floresta e que são fundamentais para manutenção dela”, esclarece.
Entre os investimentos possíveis para reflorestar a Mata Atlântica, o engenheiro agrônomo frisa a necessidade de pôr em prática as determinações do Código Florestal, a exemplo do pagamento aos produtores rurais para reflorestarem as áreas degradadas. “Em primeiro lugar precisamos de uma política pública de incentivo aos proprietários rurais, ou seja, é preciso retirar do papel o pagamento dos serviços ambientais, porque a recuperação dessas áreas irá gerar benefícios aos homens”.
Segundo ele, também é fundamental preservar os outros biomas brasileiros, como a Caatinga e o Cerrado, e investir na recuperação das áreas já degradadas pela agricultura e pela agropecuária ao invés de abrir novas áreas para plantio. Contudo, “infelizmente”, pontua, “ao invés de ocupar uma área da Mata Atlântica que já está degradada, as pessoas seguem para novas fronteiras que têm floresta, onde o solo ainda tem uma matéria orgânica fértil. Aí as pessoas retiram a floresta, implantam uma produção agrícola que, inclusive, na Amazônia não passa de três ciclos (três anos)”.
Jaeder Lopes Vieira é graduado em Engenharia Agrônoma pela Universidade Federal de Lavras e em Biologia pelo Centro Universitário Geraldo Di Biase – UGB. Atualmente é engenheiro agrônomo do Instituto Terra, uma associação civil, sem fins lucrativos, que promove a recuperação da Mata Atlântica no Vale do Rio Doce há 16 anos.
Confira a entrevista.
Imagem: estudopratico.com.br |
Jaeder Lopes Vieira – O percentual preservado gira em torno de 8,5% do remanescente, mas o problema é que esse remanescente está isolado, ou seja, existem vários fragmentos da Mata Atlântica isolados uns dos outros e esse isolamento pode levar a floresta à extinção.
A degradação da floresta leva à degradação de vários serviços ambientais que essa floresta proporciona ao homem, ou que naturalmente proporcionaria se estivesse preservada. Por exemplo, a limpeza dos rios, que hoje é necessária, seria feita se houvesse mais áreas de florestas preservadas próximo aos rios, mas muitos serviços ambientais estão deixando de ser realizados por conta de estarmos ocupando essas áreas.
IHU On-Line – Em que regiões do país ainda há maior concentração de Mata Atlântica?
Jaeder Lopes Vieira – A Mata Atlântica vai do Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte e os fragmentos continuam espalhados nessas regiões, em alguns lugares mais e em outro menos. Mas o importante é tentarmos conectar esses fragmentos; esse é o nosso grande desafio para o futuro. Já temos várias iniciativas, e o Código Florestal vem ao encontro de buscar essa solução, mas falta, na prática, realizarmos mais ações para recuperar as florestas.
IHU On-Line – Quais são os desafios em torno de regenerar a Mata Atlântica? O que significa refazer a biodiversidade da floresta?
Jaeder Lopes Vieira – Na verdade existem iniciativas de governo e de organizações não governamentais, como a doInstituto Terra, e há iniciativas também do setor privado, tanto de empresas quanto de pessoas. Quando pensamos na extensão da Mata Atlântica e imaginamos que tem mais de 85% de área a recuperar, percebemos que o desafio é enorme, ou seja, não há só um desafio técnico, mas também um desafio financeiro e de mobilização da sociedade, porque grande parte dessas áreas está nas mãos de proprietários rurais.
Esses proprietários rurais, no passado, foram incentivados a retirar a mata, e hoje temos que pensar que a sociedade tem de ajudá-los a recuperar a Mata Atlântica, porque os custos da recuperação não são baixos. Evidentemente, há várias técnicas que podem ser aplicadas, as quais podem diminuir ou aumentar o custo do reflorestamento, mas, de toda sorte, pelo tamanho da área, os recursos não são baixos.
Então, em primeiro lugar precisamos de uma política pública de incentivo aos proprietários rurais, ou seja, é preciso retirar do papel o pagamento dos serviços ambientais, porque a recuperação dessas áreas irá gerar benefícios aos homens. Por isso, os proprietários rurais deveriam receber um valor para recuperar e conservar essas áreas. Assim, o primeiro desafio é não aumentar o desmatamento, ou seja, preservar os fragmentos que aí estão; o segundo é remunerar o produtor para que ele possa fazer a recuperação das outras áreas que não foram reflorestadas.
Há um desafio também técnico no sentido de que hoje, por exemplo, nós não temos nem mudas suficientes para fazer a recuperação da Mata Atlântica. Mesmo se tivéssemos dinheiro, há um limite em relação à quantidade de viveiros suficientes para empreitada que temos pela frente. Depois, precisamos mapear essas áreas que precisam ser reflorestadas e protegê-las dos fatores de degradação. A maior parte desses fragmentos, que seriam possíveis de se regenerar naturalmente, não está se regenerando por causa pisoteio do gado e pela entrada de fogo; esses são dois fatores importantes que temos de combater.
“O caminho para solucionar a crise hídrica é começar a recuperar e conservar as nascentes” |
Jaeder Lopes Vieira – A floresta não é só árvore; a floresta que só tem árvore não é floresta. Floresta tem toda uma biodiversidade de animais e de plantas interagindo com o ambiente, ou seja, em intensa interação com o solo e com a atmosfera, reciclando nutrientes e fazendo com que esses nutrientes se convertam ora em matéria orgânica, ora em matéria inorgânica. Então, a floresta é muito mais do que a vegetação em si e que as árvores propriamente ditas; existem outros elementos não arbustivos que fazem parte da floresta e que são fundamentais para manutenção dela.
Mas é lógico que, num primeiro momento, quem faz essa conversão da matéria inorgânica em matéria orgânica são os vegetais; eles são os únicos capazes de fazer isso, através da fotossíntese. Por isso, o primeiro passo é aumentar aproteção da mata para o solo, ou seja, quando se tem árvores, se consegue, através dessas árvores, diminuir a primeira degradação da gota da chuva direta no solo, arrastando esse solo para os cursos d’água e, com isso, é possível diminuir o assoreamento dos cursos d’água. Desse modo, é preciso aumentar a cobertura vegetal para proteger o solo e, evidentemente, devemos ter a maior diversidade de vegetação possível, porque isso permite a entrada da fauna na floresta. Ou seja, nós temos que realmente fazer reflorestamento visando uma maior diversidade possível para que a fauna possa ter alimento suficiente ao longo de todo o ano. Plantar é fundamental, mas é preciso plantar visando um aumento da diversidade da vegetação.
IHU On-Line – Diversas empresas de celulose mantêm projetos florestais. É possível chamar essas plantações de florestas? Como o senhor vê esse debate entre as florestas plantadas com espécies nativas e exóticas?
Jaeder Lopes Vieira – Creio que toda a iniciativa é importante. Acredito que a monocultura de qualquer coisa que seja, é impactante, independente de ser pinus, eucalipto, seringueira, inclusive. As empresas de celulose, hoje, têm uma responsabilidade socioambiental muito grande, até porque elas trabalham com commodities. Assim, há a preocupação hoje de não levar o plantio de eucalipto até, por exemplo, as nascentes e até os cursos d’água. Para eles é fundamental, inclusive, a preservação dos fragmentos de floresta. Há uma preocupação muito grande de preservar os fragmentos e não entrar nas áreas que são mais sensíveis ambientalmente, que são as áreas que o Código Florestalidentifica como passíveis de conservação.
IHU On-Line – Como é feita, no Brasil, a reestruturação ecológica de áreas florestais degradadas? O país tem uma preocupação em restaurar essas terras? Existe alguma política pública nesse sentido?
Jaeder Lopes Vieira – Existe um instrumento no Código Florestal, que é o Pagamento por Serviços Ambientais – PSA. Conheço duas iniciativas nesse sentido: uma em Vitória, no Espírito Santo, do governo do estado, e outra dogoverno de Minas Gerais. Nesses casos, o estado paga por floresta em pé — florestas e fragmentos já existentes — e também pela restauração e conversão de áreas não florestais em áreas florestais, com floresta de Mata Atlântica. Trata-se de uma iniciativa de pagar o produtor para que ele possa converter essas áreas ou então para mantê-las em pé.
Evidentemente que esse valor nunca será maior do que o custo de oportunidade que o produtor tem na produção dele, mas essas são áreas que, segundo o Código Florestal, deveriam estar em conservação. Assim, essas são iniciativas que incentivam o produtor a converter essas áreas. Essas duas iniciativas são leis estaduais que têm gerado um resultado positivo. Creio que deveria ser ampliado para o governo federal também e até para os municípios.
“Plantar é fundamental, mas é preciso plantar visando um aumento da diversidade da vegetação” |
Jaeder Lopes Vieira – Sim. Quando vemos essas aberturas de novas áreas, não vemos sentido nisso, porque há áreas na Mata Atlântica com produtividade muito baixa. A área de pecuária, por exemplo, é baixíssima, com número de 0,6 cabeças de gado por hectare, porque o ambiente foi tão degradado que ele já não dá respostas produtivas. Então, ao invés de abrir novas áreas, é preciso recuperar essas áreas que já estão abertas e desflorestadas. Infelizmente, ao invés de ocupar uma área da Mata Atlântica que já está degradada, as pessoas seguem para novas fronteiras que têm floresta, onde o solo ainda tem uma matéria orgânica fértil. Aí as pessoas retiram a floresta, implantam uma produção agrícola que, inclusive, na Amazônia não passa de três ciclos (três anos).
Por conta dessa baixa produtividade nas áreas desflorestadas, o agronegócio está buscando novas fronteiras. Entretanto, é possível recuperar essas áreas tranquilamente, pois já existem tecnologias da Embrapa e de outros órgãos de pesquisa, as quais viabilizam a recuperação dessas áreas degradadas para produção.
IHU On-Line – E existem relações entre a crise hídrica e a degradação da Mata Atlântica?
Jaeder Lopes Vieira – Essa relação é direta; não tenho nenhuma dúvida disso. O que mantém os rios perenes? São as nascentes; se elas forem perenes, os rios serão perenes. Se protegermos as matas ciliares e não deixarmos o arrasto do material ir para dentro do rio, evitamos que o rio se torne assoreado e ele será perene também. Então, a relação é direta, e o caminho para solucionar a crise hídrica é começar a recuperar e conservar as nascentes. Este é o caminho que temos que trilhar o mais rápido possível.
IHU On-Line – Quais as ações do Instituto Terra para reflorestar a Mata Atlântica?
Jaeder Lopes Vieira – Nós temos duas grandes linhas de trabalho: uma é a restauração de áreas degradadas — e a nossa fazenda funciona como laboratório e como sede da nossa organização —, e a outra é a recuperação de nascentes fora da fazenda. Atingimos o número de mil nascentes e temos um projeto ambicioso para o Vale do Rio Doce, que é um Vale com uma superfície do tamanho de Portugal, de 85.000 km². Estimamos que haja 375 mil nascentes no Vale do Rio Doce, que está localizado entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo, e nós estamos apresentando à sociedade um projeto para recuperar essas 375 mil nascentes ao longo dos próximos 30 anos.
Por Patrícia Fachin
(EcoDebate, 28/07/2015) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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